24 de agosto de 2008

Um mundo de trânsitos e recriações :Revolução Genómica


 Revista Pesquisa Fapesp | BR



Trânsitos, transcrições, traduções, recriações de uma certa maneira e de muitas formas temos lidado com isso, ou seja, com reelaboração e deslocamentos de objetos de conhecimento de um lugar a outro, de um tempo a outro, de uma linguagem a outra, na série de palestras promovidas desde março pela Pesquisa FAPESP para compor a programação cultural da exposição Revolução genômica, organizada pelo Instituto Sangari. Mas talvez em nenhum momento isso tenha ficado mais claro do que na palestra de Rob DeSalle, curador da Divisão de Zoologia de Invertebrados na parte de pesquisa do Museu de História Natural de Nova York e curador da própria exposição Revolução Genômica, em 15 de junho passado. DeSalle foi extremamente eloqüente ao explicar o tamanho do desafio que foi para ele atravessar a fronteira entre as duas partes do museu, isto é, aquela onde o público tem sua curiosidade instigada pelas peças em exposição e a outra, como pode ser lido no texto sobre a palestra na página 53, quase secreta, onde pesquisadores circulam entre as caixas empoeiradas que abrigam coleções científicas. Era no fundo a metáfora do desafio de fazer transitar da linguagem técnica, onde se sentia tão à vontade, para a língua comum, do público em geral, os complexos e abstratos conceitos da genômica. Aliás, o biólogo, marcado por um estilo esportivo bem informal, chegou a confessar que em suas primeiras palestras ninguém entendia nada.
No caso da palestra do bioquímico Andrew Simpson, diretor científico do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, em Nova York, em 8 de junho, a idéia de trânsito e deslocamento serve melhor às expectativas da sociedade ante um problema de grande magnitude. O que quero dizer é que, se durante décadas discutiu-se acaloradamente a cura do câncer, hoje vai se disseminando a noção de que a humanidade terá que conviver tanto mais com a doença, que é plural, aliás, quanto mais longeva se torne, e que seu tratamento será diversificado e adaptado a cada paciente. Simpson, que foi o principal coordenador do projeto pioneiro da genômica no Brasil, o da Xylella fastidiosa, e depois coordenador do projeto Genoma Humano do Câncer, ambos bancados pela FAPESP entre 1997 e 2000, procurou mostrar como o conhecimento acumulado pela pesquisa genômica está ajudando justamente a desenvolver isso.
Questões sobre a necessidade crucial de sensibilizar o público, portanto, uma vez mais, de fazer transitar certos conhecimentos da esfera científica para a sociedade em geral, foram levantadas de forma enfática pelo biólogo Fernando Reinach, em 1º de junho, e pelo climatologista Carlos Nobre, em 14 de junho. Reinach, diretor da Votorantim Novos Negócios, observou que ante um planeta que deverá ter, em 2050, uma população de 11 bilhões de pessoas não há saída, senão tecnológica, para dobrar a produção de alimentos no mundo, sem tanta disponibilidade de terra, e evitar a fome dramática. Essa saída implica a combinação de transgenia, com adubos, bioinseticidas e novas tecnologias, e é aí que a sociedade terá que perceber que, ao contrário do que pregam os ambientalistas, a tecnologia sempre foi a melhor amiga da política ambiental. Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial e uma das autoridades mais respeitadas do país em clima e, agora, no campo da ciência do sistema terrestre, observou que ante o aquecimento global não se sustenta a velha fé no progresso e na idéia de que a ciência dará um jeito, porque há efeitos já irreversíveis do aquecimento. Entretanto, mostrou como a proteção inteligente e adequada à Amazônia e sua floresta poderá fazer do Brasil o primeiro país tropical efetivamente desenvolvido.
A idéia de bios para falar de certa dimensão fundamental do funcionamento da sociedade, a da comunicação, fecha bem essa sensação de deslocamentos conceituais que as palestras ligadas à Revolução genômica têm trazido. Refiro-me ao conceito de bios midiático que Muniz Sodré introduziu na discussão teórica da comunicação há alguns anos e sobre o qual discorreu com extrema erudição em sua palestra, em 27 de maio. A mídia constitui, ele explicou, uma nova forma de vida, um novo bios, e como esfera existencial é inteiramente regida pela economia monetária. E em larga medida, num mundo dominado pela imagem, é como se as pessoas todo o tempo estivessem entrando e saindo dessa esfera, desse bios midiático. Ou seja, o trânsito permanente entre real e virtual faz parte do cotidiano. Trânsito entre mundos, entre linguagens.

Michel Paty:Einstein


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Pesquisa FAPESP - -->© Marcia Minillo
Michel Paty: filósofo e físico
Einstein foi um cientista com estilo, dono de uma singularidade poderosa que, nos primeiros anos do século XX, lhe permitiu fazer dialogar dialeticamente três campos teóricos aparentemente inconciliáveis da física mecânica, termodinâmica e eletromagnetismo , para sobre isso criar suas próprias e novas teorias. Einstein foi também um consciente, arguto e bem preparado pensador da ciência até o fim da vida, e não um ingênuo que se aventurava a filosofar sem base sólida quando refletia sobre seu fazer científico. Foi a força dessa dupla face do mais importante físico do século passado que emergiu da densa palestra do filósofo francês Michel Paty, diretor de pesquisa emérito do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), no domingo 14 de dezembro, no Parque do Ibirapuera. Ao situar o lugar especial de Einstein na construção humana de mundos pela via do conhecimento, a fala de Paty encerrou com grande propriedade o ciclo de palestras sobre o físico alemão organizado por Pesquisa FAPESP, paralelamente à exposição científica trazida ao Brasil pelo Instituto Sangari e aqui coordenada por Marcelo Knobel, professor de física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Na verdade, o tema proposto por Paty Einstein, o físico e o filósofo é um de seus objetos de estudo há muito tempo e, recentemente, foi publicado no Brasil, pela Estação Liberdade, um trabalho de 1997, Einstein(traduzido por Mário Laranjeira, do original francês Einstein, ou, la création scientifique du monde), em que ele aborda a personagem nessa dupla dimensão. Registre-se, aliás, que o próprio Paty, cujo currículo inclui uma já longa colaboração com o Brasil, da qual faz parte a condição de professor visitante da Universidade de São Paulo (USP) em algumas ocasiões, a mais recente delas de 2004 a 2006, é filósofo e físico. Doutorou-se em ambos os campos e circula à vontade entre eles.
Michel Paty começou por investir contra as fantasias mais recorrentes sobre Einstein, incapazes todas de traduzir para o público o significado da obra desse homem-chave do século XX, sejam elas a de um demiurgo que teria aberto as portas do mundo do futuro, desconhecido e inquietante, a de um cientista extravagante, longe da vida cotidiana e da maneira comum do pensar, ou ainda a de alguém apartado do mundo do pensamento, mais vinculado a uma ciência que é só prosaica transformação de formas materiais, longe do mundo das ideias.
Para ele, o que permite compreender, captar alguma coisa de essencial, encontrar um sentido profundo na obra realizada, sem que seja necessário dominá-la inteiramente nem, é claro, reinventá-la, é seguir o pensamento do cientista em seu trabalho de pesquisa. Mesmo parcial e limitado, esse apanhado de sua obra participa da intelecção do mundo que esta realiza, disse. Se o mais incompreensível é, como mais ou menos dizia Einstein, que o mundo seja inteligível, para Paty, vê-se que ele realmente o é, quando se avança nos caminhos do conhecimento, pelas pegadas do grande físico, e admira-se o mundo a se abrir pelo trabalho do pensamento. Dois aspectos aqui são notáveis: trata-se de trabalho do pensamento, e este cria, por assim dizer, formas novas de representação (dos fenômenos, do mundo) que atravessam a escuridão e nos fazem ver mais claramente, mais longe, mais profundamente, ressaltou.

As teias da física :Einstein

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Pesquisa FAPESP - -->

Os relatos apresentados neste encarte mostram como o pensamento de Albert Einstein se formou, se consolidou e se espraiou para muito além da física. E com uma contribuição do Brasil. Um desvio da trajetória da luz observado no eclipse solar em 1919 em Sobral, no interior do Ceará e também na África Ocidental , foi decisivo para dar credibilidade à teoria geral da relatividade e conferir prestígio a seu autor. Poucos anos depois o próprio Einstein esteve no país, especificamente no Rio de Janeiro, quando realizou um pequeno périplo pela América do Sul em 1925. No primeiro dia achou tudo maravilhoso, mas na volta para a Alemanha, quase dois meses depois, após passar por Buenos Aires e Montevidéu, não suportava mais o calor, a comida e as numerosas homenagens, contou o historiador da ciência Alfredo Tolmasquim em uma das apresentações.
Este segundo encarte, de três, faz parte da programação paralela da exposição Einstein, no pavilhão Armando Arruda Pereira, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
Os eventos são uma parceria do Instituto Sangari com Pesquisa FAPESP. Nas palestras, não só físicos mas também filósofos, antropólogos e pedagogos, entre outros representantes das ciências humanas, compareceram momentaneamente munidos de uma linguagem simples, para dialogar com a platéia e mostrar como a obra de Einstein influenciou suas respectivas áreas de trabalho. Na antropologia, o físico alemão inspirou o relativismopop, uma espécie de niilismo, como definiu o antropólogo Mauro Almeida. O teatro também tem sua maneira própria de lidar com o tempo, que no palco resulta da organização dos elementos de cada cena, como explicou o diretor teatral Sérgio de Carvalho.
Já o pedagogo Lino de Macedo mostrou como Einstein motivou o psicólogo suíço Jean Piaget a pensar o tempo da aprendizagem, em especial o das crianças. A força do físico alemão chegou a campos ainda menos imaginados como o ativismo social contra as disparidades sociais nos Estados Unidos no início do século XX.
O historiador da ciência Olival Freire contou em sua apresentação que o FBI, a agência norte-americana de investigações, quase expulsou o cientista dos Estados Unidos sob acusação de espionagem para a hoje extinta União Soviética.
O filósofo Silvio Chibeni mostrou que Einstein lançou também as bases de uma nova área da física, a mecânica quântica. Curiosamente, às vezes ele próprio desconfiava das implicações de suas teorias. O físico George Matsas comentou que Einstein morreu aos 76 anos, em 1955, possivelmente sem acreditar em buracos negros, corpos celestes extremamente compactos, dotados de um campo gravitacional descomunal a ponto de atrair até mesmo a luz, e previstos na teoria da relatividade geral, de 1915.
Os vídeos de cinco minutos com os principais momentos de cada apresentação e o texto sobre elas estão no site de Pesquisa FAPESP (www.revistapesquisa.fapesp.br).
Lá se encontram também os resumos, os vídeos e as íntegras das palestras complementares à exposiçãoRevolução genômica, que representaram a primeira experiência da revista em ampliar o debate sobre a ciência no Brasil e no mundo.

As muitas faces de um físico :Einstein

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Este é o primeiro de uma série de três encartes com a síntese das palestras apresentadas ao longo da exposiçãoEinstein, em cartaz no pavilhão Armando Arruda Pereira, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, até o dia 14 de dezembro. Organizadas pela revista Pesquisa FAPESP em parceria com o Instituto Sangari, as palestras mostram como o cientista alemão Albert Einstein não se envolveu apenas com a física, mas também em atividades sociais e políticas, construindo um perfil próprio de cientista, interessado em múltiplos temas de numerosas áreas. Alguns conceitos que ele criou, como o de tempo e espaço dinâmicos e flexíveis, abriram novas perspectivas de análise da realidade também para áreas aparentemente distantes da física, como antropologia, biologia, filosofia e cinema.
Tanto quanto o espaço e o tempo de Einstein, as palestras representam uma experiência bem-sucedida de flexibilidade, assim como já havia ocorrido em programação cultural similar, paralela à exposição Revolução genômica, que esteve em cartaz no mesmo local de março a julho deste ano. Especialistas nas mais diversas áreas da pesquisa acadêmica aceitaram o desafio de expor suas idéias e opiniões para um público diferente do que estão acostumados na universidade ou nas conferências pelo mundo afora. O resultado percebido até agora nas quatro primeiras apresentações foi o estabelecimento de um diálogo rico e cordial sempre nas tardes de sábado e nas manhãs de domingo.
As apresentações de sábado reuniram um físico e um pesquisador em ciências humanas que falaram sobre as noções de tempo e de espaço em suas respectivas áreas de trabalho. As de domingo exibiram aspectos pouco conhecidos da vida e do trabalho de Einstein, sempre atento ao contexto histórico.
As primeiras palestras, relatadas nas páginas a seguir, tiveram Carlos Escobar apresentando um Einsteinsocialista, defensor de uma sociedade mais justa; Peter Schulz mostrou como as crenças de uma época podem barrar o avanço de novas idéias; Nelson Studart contou do Einstein inventor, autor de patentes e idealizador de uma geladeira e de uma asa de um avião de combate; Roberto Martins tratou dos conceitos e de cientistas que embasaram o trabalho do físico alemão; e Carlos Alberto dos Santos descreveu a construção de seu pensamento, desde a infância até os estudos que propõem uma nova visão do Universo.
O vídeo de cinco minutos com os melhores momentos da apresentação, a íntegra destas e das próximas palestras e os detalhes da programação do ciclo de palestras encontram-se no site da revista Pesquisa FAPESP(www.revistapesquisa.fapesp.br). Lá estão também os resumos, os vídeos e as íntegras das palestras complementares à exposição Revolução genômica, que representaram a primeira experiência da revista em ampliar o debate sobre a ciência no Brasil e no mundo.