Revista Pesquisa Fapesp | BR
Trânsitos, transcrições, traduções, recriações de uma certa maneira e de muitas formas temos lidado com isso, ou seja, com reelaboração e deslocamentos de objetos de conhecimento de um lugar a outro, de um tempo a outro, de uma linguagem a outra, na série de palestras promovidas desde março pela Pesquisa FAPESP para compor a programação cultural da exposição Revolução genômica, organizada pelo Instituto Sangari. Mas talvez em nenhum momento isso tenha ficado mais claro do que na palestra de Rob DeSalle, curador da Divisão de Zoologia de Invertebrados na parte de pesquisa do Museu de História Natural de Nova York e curador da própria exposição Revolução Genômica, em 15 de junho passado. DeSalle foi extremamente eloqüente ao explicar o tamanho do desafio que foi para ele atravessar a fronteira entre as duas partes do museu, isto é, aquela onde o público tem sua curiosidade instigada pelas peças em exposição e a outra, como pode ser lido no texto sobre a palestra na página 53, quase secreta, onde pesquisadores circulam entre as caixas empoeiradas que abrigam coleções científicas. Era no fundo a metáfora do desafio de fazer transitar da linguagem técnica, onde se sentia tão à vontade, para a língua comum, do público em geral, os complexos e abstratos conceitos da genômica. Aliás, o biólogo, marcado por um estilo esportivo bem informal, chegou a confessar que em suas primeiras palestras ninguém entendia nada.
No caso da palestra do bioquímico Andrew Simpson, diretor científico do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, em Nova York, em 8 de junho, a idéia de trânsito e deslocamento serve melhor às expectativas da sociedade ante um problema de grande magnitude. O que quero dizer é que, se durante décadas discutiu-se acaloradamente a cura do câncer, hoje vai se disseminando a noção de que a humanidade terá que conviver tanto mais com a doença, que é plural, aliás, quanto mais longeva se torne, e que seu tratamento será diversificado e adaptado a cada paciente. Simpson, que foi o principal coordenador do projeto pioneiro da genômica no Brasil, o da Xylella fastidiosa, e depois coordenador do projeto Genoma Humano do Câncer, ambos bancados pela FAPESP entre 1997 e 2000, procurou mostrar como o conhecimento acumulado pela pesquisa genômica está ajudando justamente a desenvolver isso.
Questões sobre a necessidade crucial de sensibilizar o público, portanto, uma vez mais, de fazer transitar certos conhecimentos da esfera científica para a sociedade em geral, foram levantadas de forma enfática pelo biólogo Fernando Reinach, em 1º de junho, e pelo climatologista Carlos Nobre, em 14 de junho. Reinach, diretor da Votorantim Novos Negócios, observou que ante um planeta que deverá ter, em 2050, uma população de 11 bilhões de pessoas não há saída, senão tecnológica, para dobrar a produção de alimentos no mundo, sem tanta disponibilidade de terra, e evitar a fome dramática. Essa saída implica a combinação de transgenia, com adubos, bioinseticidas e novas tecnologias, e é aí que a sociedade terá que perceber que, ao contrário do que pregam os ambientalistas, a tecnologia sempre foi a melhor amiga da política ambiental. Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial e uma das autoridades mais respeitadas do país em clima e, agora, no campo da ciência do sistema terrestre, observou que ante o aquecimento global não se sustenta a velha fé no progresso e na idéia de que a ciência dará um jeito, porque há efeitos já irreversíveis do aquecimento. Entretanto, mostrou como a proteção inteligente e adequada à Amazônia e sua floresta poderá fazer do Brasil o primeiro país tropical efetivamente desenvolvido.
A idéia de bios para falar de certa dimensão fundamental do funcionamento da sociedade, a da comunicação, fecha bem essa sensação de deslocamentos conceituais que as palestras ligadas à Revolução genômica têm trazido. Refiro-me ao conceito de bios midiático que Muniz Sodré introduziu na discussão teórica da comunicação há alguns anos e sobre o qual discorreu com extrema erudição em sua palestra, em 27 de maio. A mídia constitui, ele explicou, uma nova forma de vida, um novo bios, e como esfera existencial é inteiramente regida pela economia monetária. E em larga medida, num mundo dominado pela imagem, é como se as pessoas todo o tempo estivessem entrando e saindo dessa esfera, desse bios midiático. Ou seja, o trânsito permanente entre real e virtual faz parte do cotidiano. Trânsito entre mundos, entre linguagens.
No caso da palestra do bioquímico Andrew Simpson, diretor científico do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, em Nova York, em 8 de junho, a idéia de trânsito e deslocamento serve melhor às expectativas da sociedade ante um problema de grande magnitude. O que quero dizer é que, se durante décadas discutiu-se acaloradamente a cura do câncer, hoje vai se disseminando a noção de que a humanidade terá que conviver tanto mais com a doença, que é plural, aliás, quanto mais longeva se torne, e que seu tratamento será diversificado e adaptado a cada paciente. Simpson, que foi o principal coordenador do projeto pioneiro da genômica no Brasil, o da Xylella fastidiosa, e depois coordenador do projeto Genoma Humano do Câncer, ambos bancados pela FAPESP entre 1997 e 2000, procurou mostrar como o conhecimento acumulado pela pesquisa genômica está ajudando justamente a desenvolver isso.
Questões sobre a necessidade crucial de sensibilizar o público, portanto, uma vez mais, de fazer transitar certos conhecimentos da esfera científica para a sociedade em geral, foram levantadas de forma enfática pelo biólogo Fernando Reinach, em 1º de junho, e pelo climatologista Carlos Nobre, em 14 de junho. Reinach, diretor da Votorantim Novos Negócios, observou que ante um planeta que deverá ter, em 2050, uma população de 11 bilhões de pessoas não há saída, senão tecnológica, para dobrar a produção de alimentos no mundo, sem tanta disponibilidade de terra, e evitar a fome dramática. Essa saída implica a combinação de transgenia, com adubos, bioinseticidas e novas tecnologias, e é aí que a sociedade terá que perceber que, ao contrário do que pregam os ambientalistas, a tecnologia sempre foi a melhor amiga da política ambiental. Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial e uma das autoridades mais respeitadas do país em clima e, agora, no campo da ciência do sistema terrestre, observou que ante o aquecimento global não se sustenta a velha fé no progresso e na idéia de que a ciência dará um jeito, porque há efeitos já irreversíveis do aquecimento. Entretanto, mostrou como a proteção inteligente e adequada à Amazônia e sua floresta poderá fazer do Brasil o primeiro país tropical efetivamente desenvolvido.
A idéia de bios para falar de certa dimensão fundamental do funcionamento da sociedade, a da comunicação, fecha bem essa sensação de deslocamentos conceituais que as palestras ligadas à Revolução genômica têm trazido. Refiro-me ao conceito de bios midiático que Muniz Sodré introduziu na discussão teórica da comunicação há alguns anos e sobre o qual discorreu com extrema erudição em sua palestra, em 27 de maio. A mídia constitui, ele explicou, uma nova forma de vida, um novo bios, e como esfera existencial é inteiramente regida pela economia monetária. E em larga medida, num mundo dominado pela imagem, é como se as pessoas todo o tempo estivessem entrando e saindo dessa esfera, desse bios midiático. Ou seja, o trânsito permanente entre real e virtual faz parte do cotidiano. Trânsito entre mundos, entre linguagens.
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