4 de março de 2013

JON CARAMANICA: O hip-hop perdeu sua autenticidade?


Folha de S.Paulo,4/3/2013

Apesar de o hip-hop ter inúmeros matizes, cores e dissidências internas, muitas vezes ele é mencionado como se fosse uma massa indiferenciada. Muitos o consideram um fenômeno externo, apesar de o hip-hop ter se tornado efetivamente o centro da música pop.
Essa compreensão estreita do hip-hop é ainda mais surpreendente porque parte do brilho do gênero é ele ter se distanciado das margens e vazado para a corrente dominante em lugares inesperados -fornecendo trilhas sonoras para comerciais, promovendo marcas, dando aos adolescentes novas gírias. Como o oxigênio, ele pertence a todos.
Então, inevitavelmente, os adeptos e os intrusos começam a fazer sucesso em seus próprios termos, o que leva a fenômenos como "Thrift Shop", de Macklemore & Ryan Lewis, e "Harlem Shake", de Baauer. Durante várias semanas em fevereiro, "Thrift Shop" esteve no primeiro lugar das paradas musicais dos EUA, e, desde o início de fevereiro, "Harlem Shake" tornou-se a trilha sonora da última mania viral dos videoclipes.
Isso reflete uma tremenda vitória cultural do hip-hop ou, possivelmente, o momento em que ele começa a perder significado. O que realmente mostra é um futuro descentrado do hip-hop, em que seus elementos e referências serão amplamente utilizados de maneiras imprevistas, inevitavelmente enfraquecendo o centro.
Sem dúvida, "Thrift Shop" é uma canção hip-hop, embora quase não tenha conexão com o hip-hop como gênero vivo. É uma canção leve sobre as emoções de comprar roupas de segunda mão, embora não seja a imitação robusta de clichês extravagantes do hip-hop que gostaria de ser.
Como rapper, Macklemore lembra vividamente o hip-hop independente progressivo do início dos anos 2000.
Foi quando o hip-hop ainda estava preenchendo suas margens, e um underground branco explorava o novo território.
O sucesso de Macklemore é um lembrete de que em 2013 é possível consumir hip-hop enquanto se permanece muito distante da cultura negra em geral. Não apenas porque Macklemore é branco. É porque em "Thrift Shop" o rap é meramente um instrumento para propor ideias que não são ligadas ao hip-hop.
Esse público -consciente do hip-hop, mas não exclusivo- é enorme e suas necessidades estão sendo supridas de várias maneiras.
Você pode ver a plateia em ação nos recentes videoclipes de "Harlem Shake", com dezenas de milhares de versões postadas no YouTube, mostrando grupos de pessoas dançando, não muito bem, o trecho de abertura da canção.
"Harlem Shake", de Baauer, não é uma canção hip-hop, mas é influenciada pelo hip-hop. Baauer está na vanguarda do trap, o último tipo emergente de música para dançar que tira sua inspiração e parte de seus "samples" do hip-hop agressivo sulino dos últimos anos.
Mas "harlem shake" é uma dança real. A dança no clipe, na medida em que é uma dança, não é o verdadeiro "harlem shake", que é um estilo vigente há mais de uma década no norte de Nova York. A explosão dessa canção e dos clipes que a acompanham ameaça tudo, menos eliminar a reivindicação original da dança a esse nome.

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