3 de março de 2013

'Os jovens recorrem à violência para obter espaço', diz pesquisadora Estudiosa das relações entre as torcidas entende que a busca pela autoafirmação leva muitos jovens a ter comportamento hostil 03 de março de 2013 | 9h 00 Notícia Comentários 177 A+ A- Assine a Newsletter Gonçalo Júnior - O Estado de S. Paulo SÃO PAULO - A professora Heloisa Reis, da Faculdade de Educação Física da Unicamp, considerada uma das principais pesquisadoras brasileiras da violência ligada ao esporte, diz que os adolescentes se filiam às torcidas organizadas porque procuram se juntar com grupos semelhantes. Considera essa associação, inicialmente, sadia. Mas alerta que a necessidade de autoafirmação acaba levando à violência e defende uma política de repressão e inteligência, para tirar os maus elementos das torcidas e puni-los. Veja também: Menor que confessou ter disparado sinalizador só é conhecido pelo apelido Cadastramento das torcidas organizadas ainda engatinha 'Não quero mais falar de torcida organizada', diz mãe com filhos envolvidos Meninos movidos à paixão e risco das torcidas organizadas O que leva os adolescentes a se associarem a uma torcida organizada? HELOISA REIS - A associação a uma torcida organizada é uma opção que os indivíduos fazem porque eles buscam se associar com grupos sociais semelhantes a eles. Os agrupamentos levam em consideração hábitos, gostos e costumes. Não há discriminação de classe social. Assim, se filiam às organizadas pessoas tanto da classe media alta e média, com até média baixa e baixa. Do ponto de vista do associativismo, acho que é muito interessante que a juventude se junte em torno de algo. Essa associação a princípio é positiva. Mas com o tempo as coisas mudam... HELOISA REIS - A questão mais importante da associação em torno de uma torcida de futebol é que muitas vezes a adoração pela torcida, seu símbolo, seu nome, se torna maior do que pelo clube. É nesse ponto, que eles (adolescentes) se tornam grupos que querem se autoafirmar. Nesse contexto, o futebol é uma forma de autoafirmação? HELOISA REIS - O próprio gosto dos homens pelo futebol e por o futebol ser uma atividade predominantemente masculina já é, por si só, um atrativo de autoafirmação. Nesses grupos essa possibilidade de afirmação de masculinidade mais violenta, viril, hostil é aumentada. O que ocorre então? HELOISA REIS - Esse grupo acaba criando uma identidade própria e passa a ter uma relação competitiva com grupos rivais. Qual a consequência dessa rivalidade? HELOISA REIS - Se torna tão hostil que eles começam a competir entre si no grupo. Quem é mais macho? Quem consegue impor mais medo ao outro, ferir o outro. Isso atrai os jovens às organizadas? HELOISA REIS - O atrativo inicialmente é: eu torço para o clube X e vou para determinada organizada. E existem pessoas na sociedade que são extremamente violentas e têm prazer pela violência. Essas costumam se associar àquelas torcidas que mais claramente são violentas. Há trabalhos acadêmicos que mostraram que no dia seguinte à morte de um torcedor, há filas de torcedores que vão se filiar àquela torcida que matou. São pessoas que gostam da violência? HELOISA REIS - Ele (o jovem) tem noção de sua violência. Pode ser que não consiga agir individualmente, então procura o grupo, porque ali vai se encorajar. Mas já é aquele indivíduo que adora filmes de luta, de terror, que adora ver um atropelamento, que se vê uma briga fica ali agitando para que batam mais. É um indivíduo que se formou com pouca repugnância à violência. Esses adolescentes acabam sendo usados pelos mais experientes? HELOISA REIS - Temos de ver que esses jovens, de 12 a 18 anos, não são tão ingênuos, inocentes assim. Então, mais do que os maiores de idade utilizá-los por conta da nossa legislação, eles mesmos vão criando um hábito violento dentro da torcida e tomam para si a tarefa de ser os protetores da torcida. Por que isso ocorre? HELOISA REIS - Porque essa tarefa lhes dá um reconhecimento e um status muito grande. Então, não agem assim porque receberam ordens? HELOISA REIS - Não é determinação da diretoria de torcida. O "batalhão de frente’’ normalmente é de menores, mas são menores que querem estar ali. Como isso se dá? HELOISA REIS - Numa caravana por exemplo. Tem um grupo que fala que vai no ônibus da bagunça. Naquele ônibus, tem de tudo, é onde as pessoas mais violentas estão. Mas vai nele porque alguém determinou. Eles podiam dizer que não querem integrar aquele grupo, mas fazem questão de ir porque é a única maneira que eles encontram de ser reconhecido é pela força, pela capacidade de briga, de agressão, de violência. Todas as torcidas são violentas? HELOISA REIS - Não. Há exemplos de torcidas organizadas que contribuem com a prevenção, que não se envolvem em brigas e confusões. A questão é que há uma minoria que sempre está em evidência na mídia... Se você considera que a maior torcida organizada de São Paulo tem 80 mil pessoas. Dessas, não há mais do que 200 indivíduos muito violentos. Mas esses 200 fazem muito estrago. O que deve ser feito? HELOISA REIS - Uma política de repressão e de inteligência para poder tirar essas pessoas das torcidas e puni-las conforme a lei. Acabar com as organizadas é solução? HELOISA REIS - A extinção é a pior medida que pode ser tomada. É obrigação do Estado propiciar políticas de lazer e de educação nessas associações para que a gente tente fazer com que esses jovens tenham prazer e compreendem que o caminho da ilegalidade, da violência, da agressão é o pior a ser escolhido.



Estudiosa das relações entre as torcidas entende que a busca pela autoafirmação leva muitos jovens a ter comportamento hostil

03 de março de 2013 | 9h 00
Gonçalo Júnior - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - A professora Heloisa Reis, da Faculdade de Educação Física da Unicamp, considerada uma das principais pesquisadoras brasileiras da violência ligada ao esporte, diz que os adolescentes se filiam às torcidas organizadas porque procuram se juntar com grupos semelhantes. Considera essa associação, inicialmente, sadia. Mas alerta que a necessidade de autoafirmação acaba levando à violência e defende uma política de repressão e inteligência, para tirar os maus elementos das torcidas e puni-los.

O que leva os adolescentes a se associarem a uma torcida organizada?
HELOISA REIS - A associação a uma torcida organizada é uma opção que os indivíduos fazem porque eles buscam se associar com grupos sociais semelhantes a eles. Os agrupamentos levam em consideração hábitos, gostos e costumes. Não há discriminação de classe social. Assim, se filiam às organizadas pessoas tanto da classe media alta e média, com até média baixa e baixa. Do ponto de vista do associativismo, acho que é muito interessante que a juventude se junte em torno de algo. Essa associação a princípio é positiva.
Mas com o tempo as coisas mudam...
HELOISA REIS - A questão mais importante da associação em torno de uma torcida de futebol é que muitas vezes a adoração pela torcida, seu símbolo, seu nome, se torna maior do que pelo clube. É nesse ponto, que eles (adolescentes) se tornam grupos que querem se autoafirmar.
Nesse contexto, o futebol é uma forma de autoafirmação?
HELOISA REIS - O próprio gosto dos homens pelo futebol e por o futebol ser uma atividade predominantemente masculina já é, por si só, um atrativo de autoafirmação. Nesses grupos essa possibilidade de afirmação de masculinidade mais violenta, viril, hostil é aumentada.
O que ocorre então?
HELOISA REIS - Esse grupo acaba criando uma identidade própria e passa a ter uma relação competitiva com grupos rivais.
Qual a consequência dessa rivalidade?
HELOISA REIS - Se torna tão hostil que eles começam a competir entre si no grupo. Quem é mais macho? Quem consegue impor mais medo ao outro, ferir o outro.
Isso atrai os jovens às organizadas?
HELOISA REIS - O atrativo inicialmente é: eu torço para o clube X e vou para determinada organizada. E existem pessoas na sociedade que são extremamente violentas e têm prazer pela violência. Essas costumam se associar àquelas torcidas que mais claramente são violentas. Há trabalhos acadêmicos que mostraram que no dia seguinte à morte de um torcedor, há filas de torcedores que vão se filiar àquela torcida que matou.
São pessoas que gostam da violência?
HELOISA REIS - Ele (o jovem) tem noção de sua violência. Pode ser que não consiga agir individualmente, então procura o grupo, porque ali vai se encorajar. Mas já é aquele indivíduo que adora filmes de luta, de terror, que adora ver um atropelamento, que se vê uma briga fica ali agitando para que batam mais. É um indivíduo que se formou com pouca repugnância à violência.
Esses adolescentes acabam sendo usados pelos mais experientes?
HELOISA REIS - Temos de ver que esses jovens, de 12 a 18 anos, não são tão ingênuos, inocentes assim. Então, mais do que os maiores de idade utilizá-los por conta da nossa legislação, eles mesmos vão criando um hábito violento dentro da torcida e tomam para si a tarefa de ser os protetores da torcida.
Por que isso ocorre?
HELOISA REIS - Porque essa tarefa lhes dá um reconhecimento e um status muito grande.
Então, não agem assim porque receberam ordens?
HELOISA REIS - Não é determinação da diretoria de torcida. O "batalhão de frente’’ normalmente é de menores, mas são menores que querem estar ali.
Como isso se dá?
HELOISA REIS - Numa caravana por exemplo. Tem um grupo que fala que vai no ônibus da bagunça. Naquele ônibus, tem de tudo, é onde as pessoas mais violentas estão. Mas vai nele porque alguém determinou. Eles podiam dizer que não querem integrar aquele grupo, mas fazem questão de ir porque é a única maneira que eles encontram de ser reconhecido é pela força, pela capacidade de briga, de agressão, de violência.
Todas as torcidas são violentas?
HELOISA REIS - Não. Há exemplos de torcidas organizadas que contribuem com a prevenção, que não se envolvem em brigas e confusões. A questão é que há uma minoria que sempre está em evidência na mídia... Se você considera que a maior torcida organizada de São Paulo tem 80 mil pessoas. Dessas, não há mais do que 200 indivíduos muito violentos. Mas esses 200 fazem muito estrago.
O que deve ser feito?
HELOISA REIS - Uma política de repressão e de inteligência para poder tirar essas pessoas das torcidas e puni-las conforme a lei.
Acabar com as organizadas é solução?
HELOISA REIS - A extinção é a pior medida que pode ser tomada. É obrigação do Estado propiciar políticas de lazer e de educação nessas associações para que a gente tente fazer com que esses jovens tenham prazer e compreendem que o caminho da ilegalidade, da violência, da agressão é o pior a ser escolhido. 

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