28 de dezembro de 2015

ENTREVISTA COM JORGE WERTHEIN: UMA LIÇÃO DE INCLUSÃO E PAZ



10/12/2003 - Maria Cristina Siqueira

Quando fala de brasileiros, ele usa o pronome nós. Cristovam Buarque, ministro da Educação, costuma dizer que ele não está no país a serviço da Unesco, mas na Unesco a serviço do país, onde chegou há sete anos como embaixador da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

— As questões do Brasil me tocam, me preocupam. Sinto-me parte do que está acontecendo — admite Jorge Werthein, um PhD em Educação que tem suas raízes na Argentina. Segundo ele, suas convicções só são abaladas no gramado, quando os dois países se enfrentam. Nessas situações a argentinidade lhe arrebata. Mas, fora do campo, a razão e o coração ostentam duas bandeiras.

Werthein esteve na Folha Dirigida na sexta-feira, 5, para formalizar uma parceria já efetivada em projeto comum com a Unesco, como o "Escrevendo a Paz", de incentivo à reflexão e à redação de textos sobre a temática da paz entre universitários. Na ocasião, concedeu entrevista em que fala de inclusão, violência, ciência e tecnologia e faz a seguinte revelação: o MEC está acionando os ministérios militares para que, motivados pelas escolas, os quartéis dêem acolhimento às comunidades nos fins de semana.

— Será fantástico que os quartéis, que serviram como lugar de repressão, sirvam hoje como local de inclusão social — comemora, antecipando vitória nas negociações.

Ainda nesta entrevista Werthein analisa, em primeira mão, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Ética em Ciência e Tecnologia, resultado de um encontro realizado no dia anterior, nesta cidade, entre os ministros Roberto Amaral (Brasil), Tulio del Bono (Argentina), Luis Alberto Lima (Paraguai), Maria del Rosário Guerra (Colômbia) e Benjamin Marticorena (Peru).

Em sua análise Werthein, que participou do encontro, destaca o item que propõe um consenso internacional para a conversão de uma parcela do serviço da dívida externa dos países em desenvolvimento para amortização dos investimentos em ciência e tecnologia. Segundo informou, a Unesco trabalhará no sentido de coordenar uma reunião com os credores internacionais para viabilizar a proposta.


FOLHA DIRIGIDA — O ministro Cristovam Buarque tem dito que o senhor não representa a Unesco no Brasil, mas sim o Brasil na Unesco. O que esta fala significa para o senhor? São muitas as afinidades entre a Unesco e o governo de Lula?

Jorge Werthein — Sim, são muitas. Isso significa o reconhecimento de Cristovam pelo que a Unesco faz. Quando alguém é representante de uma organização como a Unesco num país com as características do Brasil, um país aberto, que respeita e valoriza contribuições e apoio, que não se fecha a opiniões externas, sente-se uma grande responsabilidade. Falo do Brasil como se fosse brasileiro, uso o nós. Isso aconteceu há uma semana, na entrega do prêmio Unesco, diante das mais altas autoridades do Brasil e da Argentina. O embaixador argentino deve ter pensado que eu deixei de ser argentino. Para não deixar dúvidas, disse que quando o Brasil e a Argentina se enfrentam, eu continuo torcendo pela Argentina. Considero o Brasil meu segundo país, um país que amo muito, que respeito muito. Isso me faz assumir um compromisso não só institucional, como representante da Unesco, mas também meu, como Jorge. As questões do Brasil me tocam, me preocupam, e me sinto parte do que está acontecendo.

Folha Dirigida — As propostas da Unesco foram alicerçadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, redigida em 1947, quando o mundo tentava reerguer-se das conseqüências de uma guerra de proporções mundiais. O que foi possível avançar em direção à paz no mundo nos últimos 50 anos através da cultura e da educação?

Jorge Werthein — Houve mudanças muito significativas e a educação se firmou como instrumento fundamental para a promoção da paz e para derrotar a violência. Isso não significa que o mundo conseguiu construir a paz de forma universal, porque a violência ainda se manifesta através de guerras, de conflitos armados, que se mantêm em muitos países. Ela ainda se manifesta de forma significativa em todas as grandes cidades do mundo e há a violência simbólica, que se reproduz em muitos aspectos do cotidiano.

FOLHA DIRIGIDA — A violência tem liguagens diferenciadas no mundo. Há países em que ela se confronta com a guerra, há regiões onde o confronto é com o tráfico e o crime organizado, e há outros em que a paz é o oposto não dos confrontos armados, mas da indigência, da miséria, da fome. E há ainda as regiões em que estes conflitos se confundem. Como a Unesco enfrenta esta diversidade?

Jorge Werthein — As violências de fato são muitas, porque há violência na discriminação, na intolerância e nos índices tão dramáticos e inaceitáveis de exclusão social. Isso continua em vigência no mundo inteiro, não só no Brasil, mas eu creio que houve avanços significativos a partir de uma luta que começou com a Declaração dos Direitos Humanos e com a criação de instituições como a Unesco. Portanto, é uma luta que não terminará nunca.

Temos que lutar por mudanças continuamente e vamos ter que fazer isso para o resto de nossas vidas e das gerações futuras. É um trabalho sem fim, embora tenhamos avançado muito. Promulgar a Declaração dos Direitos Humanos, algo impensável antes, já demonstra um avanço significativo. Por outro lado, lamentavelmente sentimos que o tema da violência, da morte, da guerra, dos conflitos armados, chegou a um nível de banalização muito grande. Hoje nos assustamos menos, nos relacionamos com menos perplexidade com tudo isso.

FOLHA DIRIGIDA — A mídia tem alguma participação nisso?

Jorge Werthein — Muita. Primeiro, a mídia exagera ao mostrar o lado ruim e não o lado bom do cotidiano. Segundo, ela descreve a violência e não coloca ênfase em seus resultados, não analisa com profundidade as causas e as alternativas para eliminá-la. Ficou muito claro o dramático assassinato dos dois jovens (NR: Liana e Felipe, assassinados no mês passado em Juquitiba, na Grande São Paulo, num acampamento). Observou-se que a cobertura focalizou o tema da repressão e nenhum jornal fez a pergunta elementar: Por que o Brasil produz uma figura como esse jovem assassino? Por que na Finlândia seria difícil encontrar um exemplo similar? Se analisássemos isso, estaríamos analisando a pobreza, a exclusão social, a violência familiar, e analisaríamos como deve ter sido a vida desse menino quando nasceu. Mas a mídia mergulhou na banalidade.

FOLHA DIRIGIDA — Em conseqüência disso, o senhor acha que o governo, através do MEC, deveria ter alguma ingerência no conteúdo da mídia?

Jorge Werthein — Não só através do Ministério da Educação, mas de outros ministérios, como o da Justiça, das Comunicações e vários outros. E também é uma responsabilidade que a mídia tem que assumir e, muitas das vezes, não o faz. O pensamento habitual é de que notícia ruim vende e notícia boa não vende.

Isso se reproduz não só na imprensa, mas nos meios de comunicação em geral. Um exemplo que sempre cito é Friends (NR: De origem norte-americana, no Brasil este seriado é veiculado em TVs por assinatura), que é o programa mais exitoso da televisão e de maior audiência no mundo todo. Nele não há nenhum elemento de violência. É um bom exemplo de que a preocupação com a audiência não se justifica.

FOLHA DIRIGIDA — A Unesco pauta suas ações nas diferentes linguagens da violência?

Jorge Werthein — Absolutamente sim, somos o único organismo das Nações Unidas que tem, em sua constituição e como eixo fundamental de todas as suas atividades, a construção da paz na mente dos homens e mulheres. Todas as suas atividades são e têm que ser dirigidas à construção da paz e à derrota da violência.

FOLHA DIRIGIDA — A violência é produto da pobreza?

Jorge Werthein — Não, a violência é, fundamentalmente, um produto da exclusão social. Há países muito pobres, como a Índia, onde não se verifica índices de violência similares aos do Brasil. E não se observa esse nível de violência em outros países da América Latina. Há uma relação direta entre a exclusão social, as profundas desigualdades e a violência.

FOLHA DIRIGIDA — Como fazer uma reversão de expectativas, no sentido de que a educação se transforme num instrumento efetivo na busca de equilíbrio?

Jorge Werthein — A educação é tão poderosa e tão forte, que ela sempre vai ser utilizada como um instrumento para reproduzir as desigualdades. Na cobertura sobre os indicadores de educação do IBGE, na semana passada, o melhor título de todos os jornais para mim foi do Jornal do Brasil, que dizia o seguinte: "A educação como instrumento de reprodução das desigualdades".

Há uma velha tese que marcou muito a todos nós que trabalhamos com educação: Como ela pode ser utilizada como instrumento de exclusão e, ao mesmo tempo, como instrumento que permite a mobilização social pela inclusão? Embora ela seja a alavanca principal para alcançar a inclusão social, nos países com profundas desigualdades ela não está conseguindo isso. Há outras variáveis que são também importantes, como a capacidade de gerar emprego para a juventude.

FOLHA DIRIGIDA — O senhor acredita que Cristovam Buarque consiga deixar de ser uma voz isolada no contexto do economicismo que conduz a política do governo, para transformar a educação numa alavanca de transformação?

Jorge Werthein — Eu não vejo nenhum ministro da Educação, em nenhuma parte do mundo, que por si só, como política de ministério, possa fazer isso. Se a política é uma política de Estado, você consegue. Se há responsabilidade social por parte de todos, e isso inclui a sociedade civil, é possível. Não podemos falar de Cristovam sem cometer um erro, que no Brasil me assombra cada vez mais. Não percebemos que este país é uma federação e não exigimos a mesma coisa dos prefeitos e governadores. Os responsáveis pelo sistema educacional brasileiro são os governadores e os prefeitos, através dos secretários estaduais e municipais de Educação, e não Cristovam, que não tem escolas. Cristovam é um ministro do governo federal, que obviamente lança grandes políticas educacionais e apóia com recursos os estados e municípios, mas a responsabilidade é de governadores e prefeitos e o compromisso tem que ser de todos.

FOLHA DIRIGIDA — Cabe ao MEC estimular, através de políticas, a participação dos estados e municípios?

Jorge Werthein — No caso do Brasil isso é um problema, justamente por ser uma federação. Tomo como exemplo o SUS, que é um sistema nacional comandado pelo Ministério da Saúde. Não temos isso na educação, porque no Brasil há um sistema de educação em cada estado e há mais de cinco mil sistemas municipais, definidos pelos prefeitos. É um grande problema que Cristovam está tentando enfrentar com a criação de um sistema educacional único. Se não conseguirmos isso, vamos continuar mantendo as grandes disparidades e a educação vai continuar apoiando as desigualdades que temos entre norte e sul. Mas isso não se consegue só com a mobilização, com a provocação contínua que Cristovam vem fazendo. É preciso um pacto que inclua a federação.

FOLHA DIRIGIDA — Acredita que o incentivo do governo à criação de conselhos municipais favoreça a criação desse sistema único?

Jorge Werthein — Eu acho que sim. É uma tentativa de descentralizar a responsabilidade, a locação de recursos, a prioridade de cada escola. É uma forma de romper, também, com a escola totalmente fechada, onde o dono é seu diretor. Os conselhos são fundamentais para construção da cidadania, para começar a entender que a população tem o direito de exigir determinadas coisas e os prefeitos e diretores têm que responder a isso.

FOLHA DIRIGIDA — Inclusive acompanhar a aplicação de recursos, como o Fundef.

Jorge Werthein — Claro. Porto Alegre (RS) tem uma grande experiência de orçamento participativo, onde a sociedade fiscaliza a aplicação dos recursos. Mas a sociedade não sabe que tem esse direito, que tem que exigir que a criança esteja na escola. E tem que exigir isso dos prefeitos e governadores, não de Cristovam. Os conselhos são um exemplo e outro exemplo importante é o projeto Escolas da Paz, que rompe a ditadura da escola e da diretora que pensa que o prédio público não pertence à comunidade e permanece fechado nos fins de semana, quando as escolas devem ser transformadas em centros comunitários, em espaço destinado às atividades que a comunidade quer. Isso permite a inclusão, permite que a escola se comunique com a comunidade, permite que os pais comecem a freqüentar a escola, a acompanhar o processo educacional de seus filhos e a exigir mudanças.

FOLHA DIRIGIDA — O senhor disse que Cristovam não tem escolas. No entanto, ele tem universidades. Como analisa a postura do ministro em relação às instituições universitárias?

Jorge Werthein — Cristovam tampouco tem universidade. As universidades federais são apoiadas com 70% do orçamento do Ministério da Educação, mas elas são dos universitários, dos reitores e dos servidores. Como ministro, ele não tem como influenciar no cotidiano e nas decisões que tomam o colegiado da universidade.

FOLHA DIRIGIDA — O ministro José Dirceu, da Casa Civil, fez na semana passada um discurso duro em relação às universidades, dizendo que elas sofrerão reformas. Sabe-se que o governo se pauta num diagnóstico segundo o qual 46% dos recursos federais são alocados em universidades que abrigam alunos entre os 10% mais ricos da população. O senhor vê nisso uma ameaça à manutenção do ensino universitário público e gratuito?

Jorge Werthein — Este estudo mostra, com evidências empíricas, que a educação ajuda a reproduzir e a manter as desigualdades sociais. Eu acho que o pronunciamento do ministro Dirceu anuncia que está sendo discutido no governo que é necessário, como já falou o ministro Cristovam, que a universidade seja repensada, para corresponder às necessidades da sociedade. O ministro Dirceu está dizendo que é necessário fazer a reforma universitária. O tema da universidade gratuita e livre, a Unesco — como o governo brasileiro e o ministro Cristovam — sempre vai apoiar como obrigação do Estado. Agora o que não podemos apoiar é que o sistema educacional, ou a universidade, reproduzam e ajudem a fortalecer as desigualdades. Este tema é muito complicado, porque é muito difícil enfrentar uma corporação forte, unida, como a universidade.

Não é possível que continuemos privilegiando o setor da população que manda seus filhos, porque pode, para a escola privada na educação média, facilitando o ingresso na universidade. Os filhos das classes desfavorecidas vão para a escola média pública, que é uma escola que não tem qualidade no Brasil, e são completamente desfavorecidos na competição do vestibular. A possibilidade se reduz às universidades privadas, onde se tem que pagar mensalidades. Aqueles que podem deveriam pagar e aqueles que não podem não deveriam, porque pagando a universidade estadual ou federal gratuita, estaremos facilitando o ingresso de jovens dos setores mais pobres que não podem pagar.

FOLHA DIRIGIDA — Se o ensino básico fosse não apenas universal, mas de qualidade, o acesso não alcançaria a igualdade?

Jorge Werthein — Claro que sim. E tomo como exemplo a Argentina, onde uma parte da escola primária é privada e outra parte é pública e a secundária é pública e está aberta a todos. Aqui é o contrário, paga-se pela escola média, que dá acesso à universidade. Na Argentina não existe vestibular. O Brasil é um dos poucos países que têm vestibular. O ministro Cristovam tem dito continuamente à Unesco que é inaceitável que se tenha um ensino básico de baixa qualidade como no Brasil. Como é possível que meninos e meninas terminem a quarta série sem saber ler e escrever? Eles não têm futuro, não podem ingressar nem na escola média. Estes meninos e meninas estão sendo excluídos já no ensino fundamental.

FOLHA DIRIGIDA — Políticas como aprovação automática na base, e de cotas, na universidade, não estariam comprometendo a qualidade do ensino brasileiro?

Jorge Werthein — A Bolsa-Escola, que permite a permanência de crianças na escola, que permite acabar com o trabalho infantil, que permite a melhoria da saúde e nutrição no núcleo familiar, é uma política asistencialista importante. O problema é que nós continuamos com um sistema educacional de baixa qualidade, e o foco principal tem que ser a capacitação e a formação de professores. Existem avanços significativos no Brasil, como a distribuição gratuita de material escolar, a TV Escola, laboratórios de computação, incrementos significativos na matrícula, mas embora sejam medidas muito boas, são mais quantitativas que qualitativas. Esse é um problema que Cristovam quer focalizar como política do ministério. Depois do problema da baixa capacitação dos professores, o problema que tem impactado é o da permanência dos alunos e a violência nas escolas. Os alunos e os professores têm medo, porque a escola deixou de ser um ambiente protetor, para dar lugar às grandes violências físicas e simbólicas. Mas num país que vive altos índices de violência fora da escola, não se pode imaginar que não haja violência dentro dela.

FOLHA DIRIGIDA — O programa Escola da Paz já apresenta resultados mensuráveis?

Jorge Werthein — Sim, como outros programas que desenvolvemos em outros estados como São Paulo, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Sergipe e Piauí. Eles têm mostrado uma queda significativa nos índices de violência e uma elevação significativa na relação ensino/aprendizagem. A escola se converte num lugar muito mais protetor e muda a relação entre alunos e professores. Eles passam a se conhecer, a dialogar. Isso muda o cotidiano. A abertura das escolas nos fins de semana tem respostas positivas durante a semana. As políticas que fracassam são as repressivas, de instalação de grades e de sensores para detectar metais. Os programas preventivos são muito mais baratos e mais eficientes.

FOLHA DIRIGIDA — Este programa é desenvolvido em outros países?

Jorge Werthein — Sim, na Argentina, e de forma exitosa. Agora vai ser ampliado nacionalmente no Brasil com o nome "Pátios Abertos". E não pensamos só nas escolas. Também existem os quartéis, que ficam fechados e com soldados dentro, que podem abrir e receber a comunidade. Também ficam fechadas as quadras poliesportivas das indústrias da periferia, onde mora a maior parcela da população excluída. Se imaginarmos os quartéis se abrindo, muitas quadras de empresas se abrindo em parceria com as secretarias municipais de Educação, teremos um programa fantástico de inclusão social.

FOLHA DIRIGIDA — As escolas podem ser uma abertura para que estas instituições e entidades democratizem seus espaços?

Jorge Werthein — Claro que sim. No caso argentino, é interesse do ministro da Segurança Nacional abrir os quartéis. No Brasil, nós tentamos no ano passado e vejo sinais de que isso possa ocorrer. E isso tem um simbolismo fantático. A América Latina viveu com muitas ditaduras no Brasil, na Argentina, no Urugai, no Chile e simbolicamente será fantástico que os quartéis, que serviram como lugar de repressão e assassinatos, sirvam hoje como local de inclusão social. Estamos retomando essa discussão no Brasil neste momento.

FOLHA DIRIGIDA — A Unesco desenvolve em parceria com a Folha Dirigida um projeto que estimula os estudantes universitários a produzir textos com a temática da Paz. O que levou a organização a investir institucioanalmente neste programa e o que espera como resultado?

Jorge Werthein — Por um lado, é um incentivo claríssimo para a leitura e para a redação, coisas necessárias num país como o Brasil, que tem poucos leitores. Segundo, estamos lutando contra a banalização da violência e estamos mostrando que há que lutarmos contra essa violência não de forma violenta. Isso tem que ser feito na construção da chamada cultura de paz, no fomento à tolerância. Num país como o Brasil, que tem uma diversidade cultural maravilhosa, onde existem claras demonstrações de discriminação racial e de classe, quando se faz um convênio como o que é feito entre a Folha Dirigida e a Unesco, estamos lutando contra todas as formas de discriminação e promovendo a cultura de paz.

FOLHA DIRIGIDA — A Unesco, que tem focalizado com especial atenção a ciência e a tecnologia, participou na semana passada de um encontro com representantes de cinco países, que resultou na "Declaração do Rio de Janeiro Sobre Ética em Ciência e Tecnologia". Qual análise o senhor faz do documento? A Ciência e a Tecnologia vêm sendo desenvolvidas tendo a justiça social como uma de suas metas? Elas têm demonstrado convergência para o humanismo, para o homem como objetivo central do desenvolvimento?

Jorge Werthein — Essa declaração é muito importante, primeiro porque trabalha o tema da ética em todas as áreas de produção de conhecimento e levanta um tema que me parece fundamental em todo o mundo, que são os aspectos éticos que devem prevalecer sobre outros aspectos. A discussão transcorreu no sentido de como se poderia criar processos de desenvolvimento de ética nos paíse, através da educação.

Esta declaração é algo que temos defendido no Brasil e no mundo e vamos ter a possibilidade de alcançar alguns países desenvolvidos, se houver um investimento maciço e sistemático, apartidário, que começa hoje e não termina nunca em educação, ciência e tecnologia. São áreas fundamentais para o desenvolvimento porque são produtoras de conhecimento e conhecimento é o capital mais importante que o mundo tem hoje. Na América Latina, o Brasil, onde estamos muito mal em conhecimento, onde se tem populações tão numerosas excluídas dos benefícios da educação e da ciência e tecnologia, temos que socializar o conhecimento produzido. A declaração diz, entre outras coisas, que a ciência e a tecnologia não sirvam, como a educação, para reproduzir as desigualdades. O Brasil tem centros tecnológicos de primeiro mundo em estados como São Paulo, enquanto o norte, nordeste, o centro-oeste estão absolutamente abandonados. A política do Ministério da Ciência e Tecnologia, claramente posta na declaração, é de incentivar a redistribuição dos recursos para desenvolver as regiões e as populações hoje totalmente excluídas.

FOLHA DIRIGIDA — Nessas regiões há conhecimento sendo produzido no interior das universidades.

Jorge Werthein — Mas sem nenhum apoio do governo federal. O Ministério da Ciência e Tecnologia tem um orçamento concentrado fundamentalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Vamos apoiar as universidades dos outros estados, vamos apoiar os centros de pesquisa de outros estados, para que haja desenvolvimento tecnológico que siga o modelo que foi desenvolvido brilhantemente e eficientemente por São Paulo. Se fizermos isso, estaremos incluindo todos os setores da população e estaremos produzindo muito mais conhecimento e inovação, porque o Brasil tem todas as condições para fazer isso e uma política que permite fazer.

Por que temos a Embraer e somos capazes de produzir aviões e vendê-los em toda parte do mundo? Somos capazes de ter um programa espacial, somos capazes de ter um programa contra a Aids entre os melhores do mundo. Se houver uma política pública acertada, o Brasil responde. O que esta declaração quer, com a abertura do ministro da Ciência e Tecnologia, é justamente ajudar a romper as desigualdades através da inclusão de pesquisadores, de universidades e de centros de pesquisa de todo o país.

O documento propõe a troca dos serviços da dívida externa para investimentos em Ciência e Tecnologia. Isso já foi proposto por Cristovam Buarque e por Roberto Amaral (ministro da Ciência e Tecnologia) à Unesco, que recebeu com interesse e estamos trabalhando para coordenar uma reunião com os credores internacionais.

FOLHA DIRIGIDA — O que pensa do interesse demonstrado pela Organização Mundial do Comércio em regulamentar os serviços de educação no mundo?

Jorge Werthein — A postura da Unesco, que é a postura da maioria dos países, e o Brasil está entre eles, é que não concordamos porque educação nunca poderá ser confundida com mercadoria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário