24 de novembro de 2017

Professores terão curso de preparação sobre diversidade nas escolas

DA REDE ESTADUAL

Dentro dos temas tratados serão abordados o racismo, a discriminação por gênero, a homofobia, o bullying, entre outro
 


PUBLICADO EM 23/11/17 - O Tempo

Minas Gerais será o primeiro Estado a receber o curso de preparação de professores sobre a violência e a diversidade no ambiente escolar. Em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a Secretaria de Educação informa que acerta os últimos detalhes para viabilizar o curso. A expectativa é que ele comece já no primeiro semestre do ano que vem.
A ideia é preparar cerca de 1000 professores, analistas regionais de ensino, que são possíveis multiplicadores, e profissionais da educação para lidar com a diversidade nas escolas. Os recursos para a realização do curso são da Secretaria Estadual de Educação e o projeto faz parte do programa de convivência democrática no ambiente escolar do órgão. Cerca de 450 escolas da rede pública em diversos níveis de ensino serão contempladas.
A duração do curso é de cerca de 10 meses, incluindo aulas presenciais e à distância. Dentro dos temas tratados serão abordados o racismo, a discriminação por gênero, a homofobia, o bullying, entre outros. A coordenadora de Educação em Direitos Humanos e Cidadania, Kessiane Goulart Silva, explica que formar profissionais da educação para trabalharem o respeito, a valorização e o combate à discriminação nas escolas é essencial para que o ambiente escolar seja democrático e saudável.

“Isso é importante também para a formação do aluno, para que ele consiga refletir sobre a diversidade da sociedade. Ele precisa conhecer essa diversidade até para que ele possa criar seus próprios julgamentos a partir do conhecimento adquirido. Nós não temos uma sociedade única, ela é diversa, e isso precisa ser contemplado no ambiente escolar”, diz.
Escola sem partido
O projeto de lei que busca instituir o “Programa Escola Sem Partido” em Belo Horizonte, e já foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tem como um de suas premissas extinguir esse tipo de debate nas escolas. A proposta, no entanto, é rechaçada por especialistas em educação.
“A questão é que os professores geralmente não tem nenhuma formação para receber essa diversidade, e agora, com essa percepção equivocada sobre gênero, isso tende a piorar, porque está se demonizando o conceito de gênero, sem entender do que se trata. Ele está relacionado às relações sociais”, explica a socióloga e pesquisadora da Flacso, Mary Castro, também uma das autoras do estudo “Juventudes na Escolas, sentidos e buscas: por que frequentam?”.
A coordenadora do estudo, e de Juventude e Políticas Públicas na Flacso, Miriam Abramovay, explica que a violência homofóbica é “comum e cotidiana” e que ainda há muita resistência da sociedade em debater o tema. “Vide o número de homossexuais mortos anualmente. Não há formação de professores e gestores sobre o tema e as políticas públicas não conseguem permear as escolas, ainda mais no momento de conservadorismo que estamos passando”, analisa.
A coordenadora de Educação em Direitos Humanos e Cidadania, Kessiane Silva, acredita que o projeto Escola sem Partido tenta retirar das escolas a capacidade de autonomia e o acesso ao conhecimento amplos por parte dos estudantes. "É um projeto muito limitado que prega uma escola com pensamento único e não discute a sociedade de forma mais ampla. Ele contradiz inclusive o que está previsto na constituição e nas diretrizes da Educação".
Kessiane exemplifica: "Quanto conhecimento no mundo já não foi adquirido por conta de pesquisa, conhecimento, quantos avanços já foram conquistados além do que estava previsto na norma vigente? Já tivemos, na história, inclusive normas que faziam parte da moral e dos bons costumes e que hoje são tidas como execráveis, como a escravidão, por exemplo, que era prescrita em lei e justificada por uma crença de que os negros eram inferiores. É por isso que é necessário o debate, o desmonte de crenças sem nenhum respaldo, e isso é feito também no ambiente escolar. A orientação sexual, por exemplo, é algo que existe na sociedade. Como se desfazer a discriminação, os preconceitos, sem que se fale sobre isso, sobre algo que existe?".
Homofobia
Se os gestores do ensino tivessem um preparo para lidar com as diferenças e se nas escolas houvesse o debate da diversidade, provavelmente a estudante Laís Figuerôa não estaria passando, há um ano, por episódios de discriminação e perseguição por causa de sua orientação sexual dentro da faculdade. (Leia a reportagem aqui.)
A estudante acredita que se houvesse uma lei para criminalizar a homofobia, os agressores teriam mais medo de agirem dessa forma. “Ia diminuir o número de agressões sim, as pessoas ficam com medo. Igual no meu caso, o agressor sabe que não vai dar nada pra ele, como não tem dado mesmo. Mas eu vou adiante, quanto mais mobilização eu conseguir, melhor. As pessoas precisam saber que existe homofobia, o quanto isso é ruim, as pessoas sofrem por causa disso, prejudica a vida delas. Eu não estou fazendo mal nenhum a ninguém, eu apenas sinto atração pelo mesmo sexo. Por que eu não posso ter os mesmos direitos e a mesma segurança de uma pessoa heterossexual?”, questiona.
Além deste episódio em específico, Laís conta que sofre homofobia constantemente. “Sempre que eu entro em um banheiro, em um restaurante de mãos dadas com alguém, eu recebo olhares de julgamento, comentários maldosos. Não sei se é porque eu tenho o cabelo curto, por causa do meu estilo, mas já passei por muitos constrangimentos assim”.
Ela também lembra que entrou na faculdade aos 19 anos, mas precisou sair por questões familiares. Foi expulsa de casa por causa de sua orientação sexual e só conseguiu retomar os estudos aos 26 anos. Este é o seu último ano na faculdade e, ao invés de se concentrar em seu Trabalho de Conclusão de Curso, ela precisa se concentrar em driblar a discriminação, lidar com ameaças dentro da instituição de ensino e se proteger.
Casos como o de Laís são recorrentes dentro e fora das instituições de ensino. Leia aqui também, a reportagem sobre uma aluna que teria sido expulsa de uma escola no Ceará por ser transexual. 
Uma morte a cada 25 horas
O número de assassinatos da população LGBT no Brasil cresceu exponencialmente nos últimos anos. De 130 homicídios registrados em 2000, 260 foram registrados em 2010 e, no ano passado, 343, quase uma morte por dia. Os dados são do relatório anual do Grupo Gay da Bahia, a associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais mais antiga do Brasil.
Essas mortes não são registradas oficialmente porque a lei brasileira não tipifica morte por homofobia como crime, embora os assassinatos de homossexuais, travestis e transexuais sejam sempre muito violentos, com grande número de tiros, facadas ou espancamento, segundo a associação. A entidade traz ainda outro dado alarmante: o Brasil segue pelo sexto ano consecutivo como o campeão mundial de assassinatos da população LGBT. "Estamos no topo do ranking de crimes contra minorias sexuais e de gênero, matando-se, aqui, mais pessoas LGBT do que nos 13 países do Oriente Médio e África onde há pena de morte contra homossexuais", discorre a associação.

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