MUITOS PAPAS SE TORNARAM NOTÁVEIS COMO POLÍTICOS E DIPLOMATAS, MAS ESSE PAPEL FOI ESVAZIANDO-SE MAIS E MAIS
Thomas Mann, após receber o Prêmio Nobel pelo lançamento de "A Montanha Mágica" e ser considerado o maior escritor alemão depois de Goethe, visitou o papa Pio 12 e foi recebido como um chefe de Estado.
Estranhamente, ao se aproximar do ex-cardeal Pacelli, que fora núncio apostólico em Berlim durante a ascensão do nazismo, o escritor se ajoelhou diante da magra e hierática figura daquele que tem o seu pontificado discutido e até amaldiçoado por muitos.
Evidente que a mídia da época não o perdoou. A foto do escritor consagrado (e até amado), de joelhos diante do papa polêmico, escandalizou a inteligência da época e até hoje parece esquisita, ou pelo menos estranha. Criticado pela sua atitude dentro e fora da Alemanha, ele se explicou: "Ajoelhei-me diante do ícone branco do Ocidente".
Bem ou mal, a história da igreja é a própria história ocidental no que ela tem de bom ou reprovável. E foi diante desse símbolo que transcende a contingência de um indivíduo e da sua época que Thomas Mann adotou não a postura de um crente, mas a de um humanista que pressentia a barbaridade que o mundo em breve atravessaria.
Bem verdade que o mundo moderno desbastou em parte a figura de ícone, de rei dos reis e soberano em seus pronunciamentos e decisões.
Muitos papas se tornaram notáveis como políticos e diplomatas, dirimiram questões delicadas no cenário mundial, aliviaram tensões através de gestões muitas vezes sigilosas (basta lembrar a importância de João Paulo 2º e do presidente Ronald Reagan no esfacelamento da antiga União Soviética).
Mas esse papel político-diplomático foi perdendo importância, esvaziando-se mais e mais.
Afinal, como disse Stálin, o papa não tem divisões de infantaria e artilharia nem dispõe de um arsenal atômico. Mas, como acentuou Andrew M. Greeley, "paradoxalmente, foi o fato de perder o seu tradicional papel político e diplomático que acabou valorizando o papa perante os donos temporais da Terra: a liderança religiosa, pura e simples, acabou por ter enorme impacto político".
Pulando do plano da grande história para os dias recentes, temos agora um papa entre nós, recebendo homenagens e até veneração para desespero daqueles que, alegando o fato de ser o Brasil um estado laico, dizem que não se devia dar tanto espaço e dinheiro para receber o chefe supremo de uma religião que não representa a fé e o modo de outras religiões praticadas por grande parcela do povo brasileiro.
Curiosamente, quando Fidel Castro recebeu a visita de João Paulo 2º, fez tudo o que outros países costumam fazer: não só recebeu o visitante oficialmente, dentro e fora dos protocolos habituais, mas participou, de corpo presente, da missa rezada pelo papa ao lado de um amigo que não era cubano nem católico, o escritor Gabriel García Márquez. O mesmo aconteceu nas visitas de Bento 16 a países laicos e não laicos.
Questiúnculas à parte, o que sobra é o futuro que, de certa forma, pode ser melhorado ou piorado pela liderança espiritual de um homem que dá os primeiros passos no cenário mundial.
Esperar do papa Francisco uma ruptura com o dogma e a moral do cristianismo em sua versão católica é mais que um despropósito: é uma burrice. Ele está comprometido pela fé e pelo seu estado sacerdotal com um corpo de doutrinas que atravessou mais de 2.000 anos e pelo qual foi eleito não democraticamente, mas legitimamente pelos representantes da comunidade católica universal.
Em 1980, acompanhei a primeira visita de João Paulo 2º ao Brasil. Por interferência de dom Eugênio Sales, fiz parte da comitiva papal e guardei profissionalmente, como jornalista, as impressões de sua passagem por 13 cidades brasileiras.
O que me ficou não teve nada com a visita em si. Ao voltar para Roma, após um passeio pelo rio Amazonas que o deslumbrou, a um grupo pequeno de jornalistas que o rodeavam em sua cabine no avião da Alitalia o papa, em certo momento, desabafou: "Depois de tudo o que vi e ouvi, nem sei ao certo o que devo fazer em Roma".
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