18/07/2013 - 06h55
A sustentabilidade foi apropriada não só pelo discurso, mas pelas práticas das maiores marcas globais.
Coca-Cola, Nestlé, Procter&Gamble, Unilever, Walmart, McDonald's, Nike, IBM, Google, Siemens ou General Electric, cada uma delas lançou, nos últimos cinco ou dez anos, ambiciosos programas em que migram para fontes credenciadas de fornecimento, reduzem suas emissões de gases de efeito estufa ou diminuem sua pegada hídrica.
Maquiagem, propaganda enganosa, mudança cosmética? Muitas vezes, certamente sim. Mas é expor-se a riscos incompatíveis com o tamanho desses negócios prometer neutralidade em água, abastecimento vindo de produtores certificados, eliminação de resíduos tóxicos ou transição para energias renováveis e imaginar que o não cumprimento dessas metas possa passar em branco.
Essa constatação suscita, é claro, uma questão crucial: será que a transição das maiores empresas do capitalismo global para o eco-negócio é capaz de interromper as perdas ecossistêmicas a que tem levado o crescimento da economia mundial? Peter Dauvergne e Jane Lister respondem a essa pergunta com um enfático não, em livro recém publicado pela prestigiosa editora do Massachussets Institute of Technology.
Nessa contradição entre o empenho em melhorar o uso dos recursos materiais, energéticos e bióticos e o agravamento da deterioração ambiental talvez resida o maior desafio atual das sociedades humanas. Por que as empresas globais estão fazendo da sustentabilidade um objetivo estratégico? Por que, apesar disso, a destruição continua? Quais os caminhos para enfrentar este impasse?
É claro que a pressão da sociedade civil e a exposição crescente das grandes firmas a riscos reputacionais ajuda a explicar seu envolvimento com temas socioambientais. Dauvergne e Lister, entretanto, chamam a atenção para outros fatores nessa conversão. O fundamental é que o eixo de organização do capitalismo contemporâneo não é mais a fábrica operando num lugar fixo que reúne milhares de pessoas em torno de uma atividade claramente gerenciada e hierarquizada.
Ao contrário, o que predomina hoje são cadeias de valor que funcionam sobre a base de milhares de fornecedores. A Walmart, por exemplo, tem mais de 100 mil fornecedores, dos quais 20 mil só na China. A própria oferta de produtos industriais, que se trate de têxteis, calçados ou eletrônicos, apoia-se numa pulverização de produtores para cuja coordenação o melhor uso da água, da energia, a redução do lixo ou das emissões é indispensável.
Além disso, essas grandes marcas globais procuram contrapor-se à volatilidade dos mercados de commodities. A Coca-Cola é a primeira compradora mundial de alumínio e de açúcar, a segunda maior de vidro, a terceira de produtos cítricos e a quinta de café. Claro que a empresa tem todo o interesse não só em organizar o fornecimento desses produtos, mas também em estimular a reciclagem daquilo que utiliza, como já mencionado neste espaço. Não é à toa que o WWF celebrou há alguns dias um acordo com a Coca-Cola, prevendo redução nas emissões de gases de efeito estufa, no uso de água e a recuperação de embalagens.
São inúmeros os acordos das maiores ONGs globais com as grandes marcas. A influência dessas firmas sobre os agentes econômicos é, muitas vezes, superior à dos governos e dos organismos multilaterais. As grandes marcas tornaram-se autoridades privadas na regulação do uso dos recursos ecossistêmicos, num processo de "corporativização" da arena política global. O que elas decidem incide de maneira mais rápida sobre os fornecedores que as decisões governamentais.
Mas se é assim, se essas companhias empenham-se em usar menos água, transitar para fontes renováveis de energia e reciclar cada vez mais, por que, isso não se exprime, globalmente, em melhores indicadores ambientais?
A razão é que ao mesmo tempo em que buscam diminuir a base material, energética e biótica daquilo que oferecem, as corporações seguem lançando nos mercados cada vez mais produtos, mesmo que elaborados, cada um deles, de forma mais eficiente.
Como a fabricação de cada empresa não cessa de crescer, essa redução no uso dos recursos não basta para que a economia passe a caber no interior das fronteiras ecossistêmicas.
O automóvel individual é um exemplo gritante desse paradoxo: apesar do aumento em sua eficiência, a Agência Internacional de Energia prevê que as emissões anuais do setor de transporte dobrem até 2025. Apesar de mais eficientes, os carros particulares responderão por 90% deste aumento. A maior quantidade de carros vai contrabalançar seu melhor desempenho.
Outro exemplo vem da produção de cimento: entre 1990 e 2011, cada tonelada do produto foi produzida emitindo 17% a menos de gases de efeito estufa. Mas a produção aumentou tanto que as emissões totais do setor ampliaram-se 44% no período.
As mais expressivas organizações empresariais do mundo reconhecem esse impasse. O Fórum Econômico Mundial publicou, pouco antes da Rio + 20, um relatório mostrando a urgência de se repensar o crescimento econômico e o próprio sentido coletivo do consumo, cuja expansão não tem-se mostrado capaz de propiciar verdadeiro bem-estar às sociedade humanas.
Estimular o uso partilhado dos bens (e não sua propriedade), valorizar o tempo livre das pessoas e recuperar os espaços urbanos para a convivência social são valores decisivos, reconhece o Fórum Econômico Mundial.
Esse reconhecimento é importante, mas falta o essencial: a disposição de as grandes marcas globais orientarem suas atividades não por metas de crescimento sempre maior e sim por sua capacidade de preencher reais necessidades humanas.
Se as grandes ONGs conseguissem um diálogo com as grandes marcas globais não em torno da redução dos males, mas sim em torno das finalidades, dos propósitos e das utilidades daquilo que se oferece à vida social, seria um passo relevante para equacionar o atual impasse.
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RICARDO ABRAMOVAY, professor titular da FEA e do IRI/USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp, é autor de "Muito Além da Economia Verde", ed. Planeta Sustentável.
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