28 de julho de 2013

MARCELO LEITE Frio


No Ártico, o aquecimento global derrete o gelo marinho; em volta da Antártida, aumenta
Além do bebê de Kate e da turnê de Francisco, a semana foi dominada pelo frio que tomou conta da metade sul do Brasil. Até neve caiu, em mais de uma centena de cidades. Um prato cheio para a vingança de quem nega o aquecimento global ou que ele seja causado pelo homem.
Pouco importa que, no hemisfério Norte, grasse uma onda de calor. Ou que a calota de gelo sobre as águas do Ártico esteja perto de bater novo recorde de encolhimento.
Interessa é semear a dúvida entre os incautos. Ninguém melhor que um friorento para se convencer de que o efeito estufa seja uma balela.
Não faltou especialista para dizer que a frente fria tem origem no superavit de gelo sobre os mares que circundam a Antártida neste inverno. Nem para acrescentar, maliciosamente, que isso estaria em contradição com o aquecimento global.
Nada como acoplar um antecedente real (mais gelo) a uma conclusão fantasiosa (não há aquecimento da atmosfera) para turbinar a verossimilhança da segunda.
Sim, 2013 juntou mais gelo ao redor da Antártida. Também é verdade que a superfície marinha congelada resfria o que está acima dela, alimentando a massa de ar gelado que engrena a frente fria.
Poucos se dão conta, ou simplesmente omitem, que o próprio aquecimento global parece estar na origem desse fenômeno.
O que aumenta com o efeito estufa é a temperatura média da atmosfera da Terra. Como toda média, ela comporta que algumas partes se aqueçam (ou se resfriem) mais que outras. O saldo, contudo, é positivo: há mais ar quente em volta do planeta do que havia no passado.
Tomando por base essa média, todos os dez anos mais quentes já registrados ocorreram depois de 1998. São dados compilados por instituições respeitadas, como a Nasa, alguns deles em coleta desde 1880.
Uma atmosfera mais quente acarreta ventos mais fortes, pois estes se nutrem da diferença de temperatura entre massas de ar. Com a mudança do padrão de circulação dos ventos, uma região poderá enfrentar secas mais severas (como no Nordeste, atualmente), enquanto outra presenciará um aumento de chuvas torrenciais.
Tornam-se mais frequentes os chamados eventos extremos, uma das consequências mais previstas do aquecimento global. Entre eles, frentes frias de moer os ossos, como a que os brasileiros enfrentaram nos últimos dias.
O paradoxo do calor que traz mais frio parece ter origem, de fato, na Antártida, como explica Francisco Eliseu Aquino, geógrafo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um estudioso das massas de ar frio que chegam ao Brasil.
O ar mais quente sobre as águas antárticas impulsiona ventos mais encorpados, que ocasionam mais turbulência na superfície do mar. Isso faz com que a água mais profunda (e mais fria) chegue à superfície, o que se chama de ressurgência.
Há também quem atribua o excesso de gelo ao maior derretimento da calota sobre o continente antártico, como Richard Bintanja, do Instituto Meteorológico Real da Holanda. Nesta explicação, é a água das geleiras continentais que escorre para o mar e ajuda a resfriá-lo.
No Ártico, onde só há água em volta do polo Norte, o aquecimento global derrete o gelo sobre o mar. Em torno da Antártida, um continente, ele aumenta o gelo marinho.
Entendeu? É complicado, mesmo.

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