Folha de S.Paulo, 18/7/2013
Roberto Calderoli, vice- presidente do Senado da Itália e membro da Liga Norte, sediada em Milão e inimiga da imigração, falando sobre Cecile Kyenge, ministra da Integração no governo italiano, declarou o seguinte: "Amo os animais --ursos e lobos, como todo mundo sabe--, mas, quando vejo fotos de Kyenge, não consigo deixar de pensar --e não estou dizendo que ela o seja-- nas feições de um orangotango".
Cecile Kyenge nasceu em Katanga, na República Democrática do Congo. Ela vive na Itália desde 1983. Estudou medicina e cirurgia em Roma e leciona oftalmologia na Universidade de Modena. Em fevereiro, foi eleita para o Legislativo italiano representando a região da Emilia Romagna pelo Partido Democrata, de centro-esquerda.
Em abril, depois que os democratas formaram um governo de coalizão sob o primeiro-ministro Enrico Letta, ela se tornou a primeira pessoa negra a ocupar um ministério no governo italiano. Calderoli disse que seu sucesso en- corajaria a imigração ilegal na Itália. Ela recomenda que os filhos de imigrantes nascidos no território italiano recebam a cidadania do país.
Calderoli não é a primeira pessoa a chamar a atenção para os orangotangos. Thomas Jefferson também o fez. Ao discutir raça em seu "Notes on the State of Virginia", publicado em 1787, ele escreveu: "Não seria [a diferença de cor] a fundação de uma proporção maior ou menor de beleza nas duas raças? (...) Acrescente-se a isso (...) seu próprio julgamento em favor dos brancos, por conta de sua preferência por eles, tão uniforme quanto é a preferência dos orangotangos por mulheres negras a fêmeas de sua espécie".
Jefferson queria que os escravos afro-americanos fossem devolvidos à África (teoricamente, porque ele tinha 45 escravos em Monticello e outros 142 em seis propriedades na Virgínia). Isso não o impediu, é claro, de viver por muitos anos com Sally Hemings, uma de suas escravas, com quem teve filhos.
O professor Bruno Carvalho, da Universidade Princeton, escreveu um maravilhoso estudo comparando Jefferson a Cláudio Manuel da Costa (dono de pelo menos 29 escravos) e sua escrava Francisca Archangelo de Souza, com quem ele viveu e teve filhos.
Ao contrário de Jefferson, que mantinha Hemings es-condida em Monticello, Cláudio escreveu um belo sone- to para Francisca em 1768: "Mais formosa de Eulina/ Respirava a beleza/ De ouro a madeixa rica, e peregrina/ Dos corações faz presa".
Como aponta o professor Carvalho, há mais de 25 livros sobre Sally Hemings nos Estados Unidos. Mas Francisca Archangelo de Souza mal é mencionada no Brasil.
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