23 de fevereiro de 2016

A violência no trote, Rosely Sayão

rosely sayão
Psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças-feiras.

23/02/2016  

Todo santo ano, sem exceção, nesta época, lemos notícias a respeito de trotes universitários violentos, que às vezes se transformam em tragédias, envolvendo morte ou lesões sérias em jovens, e outras vezes modificam radicalmente a vida de calouros, que abdicam de seu projeto profissional por conta desse costume, que de civilizado não tem nada. Neste ano, por exemplo, já li duas notícias desse tipo —e eu me recuso a ler mais, porque já estou suficientemente afetada pelo que li.
Numa delas, fiquei sabendo que calouros do curso de agronomia na cidade de Vilhena (RO) foram queimados, alguns gravemente, com uma mistura de um larvicida —usada em animais de grande porte— com creolina. Na segunda notícia, soube que um calouro da Famerp (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto), no interior paulista, desistiu do curso por ter sido seriamente humilhado e machucado fisicamente por veteranos na chamada "Festa do Bicho", que foi realizada em um clube da cidade. Ao comentar com colegas que tomaria providências com a direção da faculdade, o calouro recebeu ameaças de morte.
No primeiro caso, a diretora geral da instituição lançou uma "Nota de Repúdio", em que anuncia que os veteranos responsáveis serão punidos. No segundo, a mesma atitude: a faculdade comunicou que, assim que os responsáveis forem identificados, serão punidos. Como assim? Essa é a única coisa que essas faculdades podem —e devem— fazer? Não: esses comunicados só servem para poupar e proteger a instituição e os adultos, e responsabilizar os jovens veteranos —e somente eles— pelos fatos acontecidos. Coincidentemente, foi justamente agora, no início do ano letivo, que entrou em vigor a lei de combate ao bullying, que determina que toda a sociedade —escola, principalmente, acrescento eu- deve ter programas de combate a esse tipo de violência. Os clubes e agremiações recreativas —como o que recebeu a "Festa do Bicho" da Faculdade de Medicina em São José do Rio Preto— também têm o dever de ter essa programação.
E vamos parar com essa lenga-lenga de que educação se recebe em casa, de que na escola os mais novos devem receber é instrução. Como afirma Fernando Savater, não é possível educar sem instruir e instruir sem educar. Os alunos de agronomia estavam devidamente instruídos para o uso das substâncias que usaram para machucar seus colegas, não é? Só que todo tipo de instrução deve vir acompanhado do princípio do amor à vida. A escola —da educação infantil à universidade— tem a obrigação, a missão de ensinar valor moral e ética, que devem fazer parte de seu currículo. Isso exige planejamento e prática. Não! Não cabe apenas à família essa função, porque é na escola que os mais novos encontram seus pares, com os quais não têm ligação afetiva alguma.
É na escola que os mais novos devem aprender a ter relações interpessoais democráticas, justas e respeitosas. Você conhece algum curso universitário, de ensino médio ou do ensino fundamental que cumpra essa parte de seu currículo, caro leitor?
Vamos ignorar os rankings baseados em ensino de conteúdos. Eles não significam nada! Aliás, conteúdo nem sempre resulta em conhecimento. Vamos, de fato, valorizar a boa educação! As escolas que não formam bons cidadãos devem ser consideradas fracas por nossa sociedade. 

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