Estudos mostram como nosso sistema educacional, em vez de reduzir, acaba produzindo desigualdades no aprendizado
“Sem resolver a desigualdade de oportunidades, ficar falando em meritocracia é piada. Como discutir o mérito de quem chegou em primeiro lugar em uma corrida onde as pessoas saíram em tempo e distância diferentes?”. A afirmação foi feita por um dos maiores especialistas em desigualdade no Brasil, o economista Ricardo Paes de Barros, em entrevista à repórter Lígia Guimarães, do “Valor Econômico”. Alguns estudos nos ajudam a entender como nosso sistema educacional acaba reforçando essas desigualdades, em vez de corrigi-las.
Agora, em 2016, completam-se 50 anos da publicação de um relatório encomendado pelo governo americano ao sociólogo James Coleman. Ele foi o primeiro a identificar que o nível socioeconômico das famílias era o fator que mais impactava o aprendizado dos alunos. Ou seja, crianças filhas de pais mais ricos e escolarizados já trazem de casa uma vantagem que nada tem a ver com o que acontece nas escolas. Essa conclusão de Coleman foi confirmada em várias pesquisas realizadas em diferentes países, inclusive o Brasil.
Recentemente, novos estudos mostraram que essa desigualdade aparece muito cedo, antes mesmo de as crianças ingressarem na escola. Um trabalho divulgado em 2013 por pesquisadores da Universidade de Stanford revela que, aos 18 meses de vida, crianças pobres americanas já apresentam uma defasagem no vocabulário em relação às mais ricas.
Isso significa que, especialmente numa sociedade tão desigual como a nossa, não bastaria dar a todas as crianças condições iguais de ensino. Precisaríamos dar às mais pobres desde cedo as melhores escolas para corrigir diferenças de berço. O que fazemos, porém, é justamente o oposto. E essa distorção acontece não apenas no acesso diferenciado a escolas públicas e privadas. Ela é verificada também dentro da rede pública.
Um dado tabulado pelo Instituto Ayrton Senna a pedido da coluna retrata bem isso: nas escolas públicas que estão entre as 20% de piores resultados em matemática, 77,2% dos alunos são de famílias que estão no grupo das mais pobres do país, de acordo com um indicador de nível socioeconômico criado pelo MEC. No outro extremo, de escolas com melhores resultados, a proporção de alunos mais pobres cai a apenas 19,8%.
Se esse quadro fosse fruto apenas do esforço pessoal de cada estudante, o resultado seria menos incômodo. Mas ele reflete também o acesso diferenciado às escolas. Mesmo dentro da rede pública, um padrão fica muito claro: quanto mais pobre um estudante, maior a chance de ele estar matriculado num colégio com pior infraestrutura. Esta constatação consta de um estudo de José Francisco Soares (hoje presidente do Inep) e Maria Tereza Alves, da UFMG.
Claro que isso tudo acaba se refletindo nos resultados. Os mesmos autores já demonstraram que a distância (medida pelo desempenho nos testes do MEC de matemática e português) de alunos que estão entre os 20% mais ricos do país para os 20% mais pobres está aumentando no país, em vez de diminuir.
Como disse Paes de Barros na entrevista ao “Valor”, para resolver o problema, “temos que sair de ações que discriminavam negativamente, não para ser neutro, mas para discriminar positivamente”.
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