SÃO PAULO - Hoje vou discordar do editorial da Folha publicado no último domingo. Não acho que a descriminalização do aborto deva ser decidida em plebiscito, como defendeu o texto. A consulta direta à população é uma excelente ferramenta para definir uma série de políticas públicas, que vão das prioridades orçamentárias a normas de convívio social, mas penso que ela não serve bem para lidar com direitos e garantias fundamentais –o que, no fundo, é o caso do aborto.
A inoportunidade do plebiscito fica patente com um experimento mental. Num país com expressiva e aguerrida maioria religiosa, uma proposta para tornar oficial e obrigatório o credo mais popular seria facilmente aprovada, apesar de constituir clara violação ao princípio da liberdade individual das minorias.
Transpondo o raciocínio para o caso do aborto, não me parece correto delegar a vizinhos a decisão sobre o que a mulher pode fazer com suas vísceras. Existe uma esfera da vida privada que é tão íntima que o Estado não tem legitimidade para regular. Nessas situações, faz mais sentido que o Judiciário trace, por via jurisprudencial, a linha entre o que pode ser objeto de leis e o que fica reservado ao livre-arbítrio do indivíduo.
Não é só a interrupção da gravidez que cai no guarda-chuva da intimidade. Ele deveria abarcar também o uso de drogas e a eutanásia. O que cada um faz com o próprio corpo e não afeta diretamente terceiros (embriões com poucas semanas de desenvolvimento ainda não são pessoas) não é da conta de mais ninguém.
Embora possa parecer antidemocrático não dar ouvidos ao que pensa a maioria, creio que prevalece aqui o princípio da ampliação das liberdades individuais, que é indissociável da consolidação da democracia. Basta lembrar que, até poucas décadas atrás, a maioria dos países ocidentais ainda mantinha leis que criminalizavam o homossexualismo, o que hoje soa absurdamente ditatorial
A inoportunidade do plebiscito fica patente com um experimento mental. Num país com expressiva e aguerrida maioria religiosa, uma proposta para tornar oficial e obrigatório o credo mais popular seria facilmente aprovada, apesar de constituir clara violação ao princípio da liberdade individual das minorias.
Transpondo o raciocínio para o caso do aborto, não me parece correto delegar a vizinhos a decisão sobre o que a mulher pode fazer com suas vísceras. Existe uma esfera da vida privada que é tão íntima que o Estado não tem legitimidade para regular. Nessas situações, faz mais sentido que o Judiciário trace, por via jurisprudencial, a linha entre o que pode ser objeto de leis e o que fica reservado ao livre-arbítrio do indivíduo.
Não é só a interrupção da gravidez que cai no guarda-chuva da intimidade. Ele deveria abarcar também o uso de drogas e a eutanásia. O que cada um faz com o próprio corpo e não afeta diretamente terceiros (embriões com poucas semanas de desenvolvimento ainda não são pessoas) não é da conta de mais ninguém.
Embora possa parecer antidemocrático não dar ouvidos ao que pensa a maioria, creio que prevalece aqui o princípio da ampliação das liberdades individuais, que é indissociável da consolidação da democracia. Basta lembrar que, até poucas décadas atrás, a maioria dos países ocidentais ainda mantinha leis que criminalizavam o homossexualismo, o que hoje soa absurdamente ditatorial
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