09/25/2017 - Folha de S.Paulo
JAIRO MARQUES
SPECIAL ENVOY TO BELO HORIZONTE
SPECIAL ENVOY TO BELO HORIZONTE
Dozens of white students have been getting into medical school at the Federal University of Minas Gerais (UFMG) - one of the most prestigious schools in the country - by manipulating racial quotas.
The complaints, which have been put forth by students, have also been backed by the black movement as well as student organizations.
The university has stated that it is aware of possible misconduct and that it intends to improve its affirmative-action selection process, while also investigating official complaints.
UFMG has not disclosed how many cases are under review, but the university has declared that if it concludes that a student has cheated the system, then it will cancel that student's enrollment. The investigation is in its final stages.
The most disturbing case is that of Vinicius Loures, 23. Despite having identified as black, the student has blonde hair, white skin and light-colored eyes. When approached for an interview, the student said that he "has nothing to say on the matter".
When candidates participating in the UFMG selection process identify as black, brown or indigenous, they get to dispute a vacancy among those within the same category.
The cut-off grade on the nationwide standardized exam within such categories can sometimes fall 28 points below the cut-off grade applied for candidates enrolled in the regular selection process.
On top of a student's self-declared identity, the university will start to demand a formal letter in which candidates will explain why they consider themselves black, brown or indigenous on a sociological level.
From 2018 onward, all graduate school programs will also implement affirmative action, which will contemplate somewhere between 20% to 50% of all vacancies.
Translated by THOMAS MATHEWSON
Dezenas de brancos estão ingressando no curso de medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), um dos melhores do país, fazendo uso fraudulento do sistema de cotas da instituição, criado em 2009. A queixa parte de alunos e é endossada pelo movimento negro e pelas entidades estudantis.
A universidade diz estar ciente de possíveis desvios em seu programa de ações afirmativas e, após ser procurada pela Folha, informou que vai aperfeiçoar o sistema de cotas e investiga denúncias que foram oficializadas.
O caso mais inquietante entre a comunidade acadêmica é do calouro Vinicius Loures, 23. Embora ele tenha se autodeclarado negro na inscrição, chamam a atenção seus cabelos loiros e a pele e olhos muito claros.
Além disso, Loures, que já fez trabalhos como modelo publicitário, não teria nenhuma relação social e cultural com a realidade negra. Procurado, ele se limitou a dizer que "sobre esse assunto, não tenho nada a declarar".
Com sobrenome de origem italiana, a estudante Bárbara Facchini, 19, é outra que tem questionada sua identificação como negra, conforme declarou ao disputar uma vaga na medicina.
A caloura também não quis se manifestar. Disse apenas que o "assunto é delicado" e que muitas pessoas "distorcem" as coisas. "Prefiro manter minhas concepções pra mim", declarou.
Quando o candidato se autodeclara negro, pardo ou índio no sistema da UFMG, concorre a uma vaga dentro do subgrupo que se colocou [são quatro variações na universidade]. As notas de corte para cotistas chegam a ter 28 pontos a menos no Enem do que na ampla concorrência.
Outro caso apontado como "absurdo" pela comunidade acadêmica é o de Rhuanna Laurent. Procurada, ela não quis se manifestar.
Agatha Oluwakemi da Silva Soyombo, 20, negra filha de pai nigeriano, entrou na medicina sem a política de cotas. Ela lamentou que haja uso inadequado da autodeclaração e deturpação do benefício, que considera legítimo.
"É muito difícil entrar no curso de medicina. Fiz três anos de cursinho e não vou julgar ninguém. O que barra uma pessoa a não se autodeclarar negra é sua ética", diz.
O que ela não tolera, diz, é ouvir que, no Brasil, todos são pardos e miscigenados. "Quem são os seguidos pelos seguranças no shopping? Quem é inferiorizado pelo tipo de seu cabelo ou pelo formato do nariz? É preciso ser mais criterioso, para além de uma declaração."
REVOLTA
Filha de uma professora e de um mecânico e oriunda de escola pública, Poliana Faria Fradico, 25, teve de esperar sete meses em lista de espera antes de ser chamada para uma vaga na medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Ela tem evidentes traços negros.
"Quando você vê uma pessoa de pele branca e olhos azuis entrar na sua frente, porque se autodeclarou negra de uma forma absurda, a sensação é de extrema revolta", afirma.
Para ela, é preciso mais rigor, já no momento da matrícula, no caso de alunos que se autodeclararam negros.
"A gente entra na sala de aula e vê 10% de alunos negros. Há um motivo histórico para que haja a cota racial, que é para mudar essa realidade de exclusão", diz.
"Então, é muito triste ver a iniciativa sendo usada de maneira fraudulenta por algumas pessoas. Ainda é preciso muita conscientização e medidas sérias para evitar esses desvios."
Thais Felizberto Alves Pereira, 20, também ingressante na medicina por cotas, se vê como uma "sobrevivente".
"Durante um tempo, pensei que havia vencido um sistema de exclusão porque havia entrado na faculdade de medicina, mas não há vitória quando um monte de gente fica para trás."
Por meio de nota, o diretório acadêmico do curso de medicina se manifestou afirmando que "a UFMG precisa encontrar formas de coibir ações fraudulentas, de modo que a finalidade da política de ações afirmativas se instaure de maneira efetiva".
"Assim, tanto a Faculdade de Medicina quanto a universidade poderão deixar de ser ambientes tão elitizados e de reprodução de opressões", afirma o diretório no texto. "Desse modo, tais espaços estarão aptos a se tornar mais democráticos, pintando-se com a verdadeira face do povo brasileiro."
Ligado ao movimento negro da UFMG, Marcos Vinicius Ribeiro, um dos mais jovens calouros cotistas da medicina, com 17 anos, considera que as fraudes têm sido "sistêmicas".
"Infelizmente, está se incluindo quem nunca foi excluído da universidade. Negros que deveriam estar participando do saber médico continuam entram no hospital apenas como pacientes."
OUTRO LADO
A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) informou que pretende aprimorar o controle de acesso em suas ações afirmativas a partir do ano que vem e que uma comissão de sindicância analisa todas as denúncias formais de possíveis fraudes em cotas.
A universidade não revela quantos casos estão em análise, mas declara que, se constatada fraude, o aluno terá sua matrícula cancelada. Os trabalhos de investigação estão em fase final.
"São diversas as informações sobre percepções de fraude, mas só podemos agir diante denúncias formalizadas na ouvidoria, que serão apuradas", diz Rodrigo Ednilson de Jesus, pró-reitor adjunto de Assuntos Estudantis.
"A participação do aluno, fazendo o controle social dentro da universidade, é fundamental para o aprimoramento da política de cotas."
Segundo ele, o alerta de possíveis falhas ajuda. "Mas não podemos nos pautar apenas pelo juízo das pessoas, pois isso pode fragilizar a política afirmativa, que tem como base a autodeclaração. A possibilidade de defesa está sendo irrestrita".
Segundo o pró-reitor, a universidade se concentrou, nos últimos anos, em aprimorar o acesso e a permanência do beneficiado por cotas e, agora, é preciso aperfeiçoar o sistema de entrada.
Além da autodeclaração, a universidade passará a exigir dos postulantes a um vaga por cotas raciais uma carta formal em que ele relate elementos que o fazem se reconhecer socialmente como negro, pardo ou índio.
"A carta será um documento que ficará em poder da universidade e que será confrontada em casos de dúvida. A ideia é que o sujeito se identifique com a máxima responsabilidade, mostrando sua relação social com a raça", declara Jesus.
A universidade pretende começar em breve um processo de divulgação da medida em escolas públicas, além de fazer alertas para que alunos não façam a "a autodeclaração racial vazia."
Também a partir de 2018, todos os cursos da pós-graduação da UFMG devem contar com cotas raciais, que destinarão entre 20% e 50% das vagas ao público alvo.
Seleção
O estudante entra na universidade pela nota do Enem, por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada)
Sistema de cotas
A porcentagem de vagas reservadas para cotistas depende do curso; na medicina, é de 50%
O curso de medicina
1.958 alunos na graduação
3º melhor do país, segundo o o RUF**
Raio-X da universidade
Fundação: 7.set.1927 (90 anos)
Posição no RUF**: 4ª melhor do país
Alunos
33.242 na graduação
14.013 na pós-graduação
Ensino
77 cursos de graduação
80 programas de pós-graduação
750 núcleos de pesquisa
*Considera os dois semestres
**Ranking Universitário Folha
Fonte: UFMG
Brancos usam cota para negros e entram no curso de medicina da UFMG
A universidade diz estar ciente de possíveis desvios em seu programa de ações afirmativas e, após ser procurada pela Folha, informou que vai aperfeiçoar o sistema de cotas e investiga denúncias que foram oficializadas.
O caso mais inquietante entre a comunidade acadêmica é do calouro Vinicius Loures, 23. Embora ele tenha se autodeclarado negro na inscrição, chamam a atenção seus cabelos loiros e a pele e olhos muito claros.
Além disso, Loures, que já fez trabalhos como modelo publicitário, não teria nenhuma relação social e cultural com a realidade negra. Procurado, ele se limitou a dizer que "sobre esse assunto, não tenho nada a declarar".
Com sobrenome de origem italiana, a estudante Bárbara Facchini, 19, é outra que tem questionada sua identificação como negra, conforme declarou ao disputar uma vaga na medicina.
A caloura também não quis se manifestar. Disse apenas que o "assunto é delicado" e que muitas pessoas "distorcem" as coisas. "Prefiro manter minhas concepções pra mim", declarou.
Quando o candidato se autodeclara negro, pardo ou índio no sistema da UFMG, concorre a uma vaga dentro do subgrupo que se colocou [são quatro variações na universidade]. As notas de corte para cotistas chegam a ter 28 pontos a menos no Enem do que na ampla concorrência.
Outro caso apontado como "absurdo" pela comunidade acadêmica é o de Rhuanna Laurent. Procurada, ela não quis se manifestar.
Agatha Oluwakemi da Silva Soyombo, 20, negra filha de pai nigeriano, entrou na medicina sem a política de cotas. Ela lamentou que haja uso inadequado da autodeclaração e deturpação do benefício, que considera legítimo.
"É muito difícil entrar no curso de medicina. Fiz três anos de cursinho e não vou julgar ninguém. O que barra uma pessoa a não se autodeclarar negra é sua ética", diz.
O que ela não tolera, diz, é ouvir que, no Brasil, todos são pardos e miscigenados. "Quem são os seguidos pelos seguranças no shopping? Quem é inferiorizado pelo tipo de seu cabelo ou pelo formato do nariz? É preciso ser mais criterioso, para além de uma declaração."
Filha de uma professora e de um mecânico e oriunda de escola pública, Poliana Faria Fradico, 25, teve de esperar sete meses em lista de espera antes de ser chamada para uma vaga na medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Ela tem evidentes traços negros.
"Quando você vê uma pessoa de pele branca e olhos azuis entrar na sua frente, porque se autodeclarou negra de uma forma absurda, a sensação é de extrema revolta", afirma.
Para ela, é preciso mais rigor, já no momento da matrícula, no caso de alunos que se autodeclararam negros.
"A gente entra na sala de aula e vê 10% de alunos negros. Há um motivo histórico para que haja a cota racial, que é para mudar essa realidade de exclusão", diz.
"Então, é muito triste ver a iniciativa sendo usada de maneira fraudulenta por algumas pessoas. Ainda é preciso muita conscientização e medidas sérias para evitar esses desvios."
Thais Felizberto Alves Pereira, 20, também ingressante na medicina por cotas, se vê como uma "sobrevivente".
"Durante um tempo, pensei que havia vencido um sistema de exclusão porque havia entrado na faculdade de medicina, mas não há vitória quando um monte de gente fica para trás."
Por meio de nota, o diretório acadêmico do curso de medicina se manifestou afirmando que "a UFMG precisa encontrar formas de coibir ações fraudulentas, de modo que a finalidade da política de ações afirmativas se instaure de maneira efetiva".
"Assim, tanto a Faculdade de Medicina quanto a universidade poderão deixar de ser ambientes tão elitizados e de reprodução de opressões", afirma o diretório no texto. "Desse modo, tais espaços estarão aptos a se tornar mais democráticos, pintando-se com a verdadeira face do povo brasileiro."
Ligado ao movimento negro da UFMG, Marcos Vinicius Ribeiro, um dos mais jovens calouros cotistas da medicina, com 17 anos, considera que as fraudes têm sido "sistêmicas".
"Infelizmente, está se incluindo quem nunca foi excluído da universidade. Negros que deveriam estar participando do saber médico continuam entram no hospital apenas como pacientes."
OUTRO LADO
A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) informou que pretende aprimorar o controle de acesso em suas ações afirmativas a partir do ano que vem e que uma comissão de sindicância analisa todas as denúncias formais de possíveis fraudes em cotas.
A universidade não revela quantos casos estão em análise, mas declara que, se constatada fraude, o aluno terá sua matrícula cancelada. Os trabalhos de investigação estão em fase final.
"São diversas as informações sobre percepções de fraude, mas só podemos agir diante denúncias formalizadas na ouvidoria, que serão apuradas", diz Rodrigo Ednilson de Jesus, pró-reitor adjunto de Assuntos Estudantis.
"A participação do aluno, fazendo o controle social dentro da universidade, é fundamental para o aprimoramento da política de cotas."
Segundo ele, o alerta de possíveis falhas ajuda. "Mas não podemos nos pautar apenas pelo juízo das pessoas, pois isso pode fragilizar a política afirmativa, que tem como base a autodeclaração. A possibilidade de defesa está sendo irrestrita".
Segundo o pró-reitor, a universidade se concentrou, nos últimos anos, em aprimorar o acesso e a permanência do beneficiado por cotas e, agora, é preciso aperfeiçoar o sistema de entrada.
Além da autodeclaração, a universidade passará a exigir dos postulantes a um vaga por cotas raciais uma carta formal em que ele relate elementos que o fazem se reconhecer socialmente como negro, pardo ou índio.
"A carta será um documento que ficará em poder da universidade e que será confrontada em casos de dúvida. A ideia é que o sujeito se identifique com a máxima responsabilidade, mostrando sua relação social com a raça", declara Jesus.
A universidade pretende começar em breve um processo de divulgação da medida em escolas públicas, além de fazer alertas para que alunos não façam a "a autodeclaração racial vazia."
Também a partir de 2018, todos os cursos da pós-graduação da UFMG devem contar com cotas raciais, que destinarão entre 20% e 50% das vagas ao público alvo.
Sitema de cotas na UFMG
Federal de Minas Gerais reserva 50% de suas vagas de medicina para cotistasSeleção
O estudante entra na universidade pela nota do Enem, por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada)
Sistema de cotas
A porcentagem de vagas reservadas para cotistas depende do curso; na medicina, é de 50%
O curso de medicina
1.958 alunos na graduação
3º melhor do país, segundo o o RUF**
Raio-X da universidade
Fundação: 7.set.1927 (90 anos)
Posição no RUF**: 4ª melhor do país
Alunos
33.242 na graduação
14.013 na pós-graduação
Ensino
77 cursos de graduação
80 programas de pós-graduação
750 núcleos de pesquisa
*Considera os dois semestres
**Ranking Universitário Folha
Fonte: UFMG
Colaborou CAROLINA LINHARES
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