RIO — Por trás da aparente apatia da sociedade, que desocupou as ruas, esconde-se um movimento silencioso, porém vigoroso, que reúne voluntários, organizações não governamentais, empresas e organismos de financiamento que trabalham principalmente na educação e na saúde para ajudar crianças e jovens, especialmente os que se encontram em situação de risco. Visto no detalhe, esse movimento mostra a força da solidariedade e faz imensa diferença na vida de quem recebe ajuda. Observado em seu conjunto, expõe o nervo da questão: as políticas públicas, que têm papel protagonista no desafio de vencer barreiras históricas, como a da formação escolar deficiente, dormem em gavetas de burocratas, ou sofrem cortes brutais por causa da crise econômica.
Na educação e na saúde, as ações dos governos municipal e estadual mais parecem um perverso jogo de tabuleiro no qual, à mercê de quem está no comando por conta de uma eleição, pode-se ficar várias vezes sem jogar ou, pior, voltar várias casas. Até 2014, a educação pública, na capital e no estado, caminhava para começar a resolver seu maior problema, a qualidade, uma vez que o número de crianças matriculadas no ensino básico vinha melhorando. As iniciativas, porém, foram atropeladas pela falência do Estado do Rio. A violência fez surgir um trágico “indicador”, monitorado dia a dia: o número de escolas fechadas e crianças sem aula por conta de tiroteios.
A interrupção de programas a cada mudança de governo e a falta de dados confiáveis para planejar e acompanhar as ações estão entre as dificuldades para implantação de políticas públicas de longo prazo. O sociólogo e cientista político Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), diz que a falta de continuidade, inclusive a constante troca de professores nas turmas, mostra a ausência de um trabalho sistemático de gerenciamento das escolas. Também a falta de segurança atrapalha a discussão de qualidade do ensino. Um caso de deficiência em políticas públicas de duas áreas, produzindo um desastre.
— Primeiro, a escola tem que funcionar, não ter violência, não ser atacada a tiros — afirma o professor.
A execução orçamentária do governo do estado em 2016 expõe as principais vítimas dos cortes: segundo o Tribunal de Contas do Estado, não foram respeitados os repasses mínimos constitucionais para saúde, educação e pesquisa.
Para o professor Fernando do Amaral Nogueira, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, que estuda a descontinuidade administrativa nas políticas públicas, uma forma de a sociedade se proteger é estruturar melhor as carreiras no setor público.
— Os políticos tornaram-se muito dependentes dos cargos comissionados, fora do funcionalismo. Quando esses comissionados saem, em geral perde-se a memória do trabalho realizado. As boas iniciativas não encontram quem as defenda na administração pública — avalia.
No ensino superior, a cidade do Rio de Janeiro reúne o maior número de universidades federais e privadas do país, bem como de institutos de pesquisa de renome internacional, como Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Fiocruz, Observatório Nacional, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), entre outros. Falta garantir que essa imensa vantagem competitiva não seja prejudicada por oscilações de investimento, historicamente afetado em momentos de crise.
— O Estado do Rio, com grande contribuição da cidade do Rio de Janeiro, é o segundo maior produtor de conhecimento científico do país, em áreas como medicina, nanotecnologia, energias renováveis, entre outras. A capital é sede de quatro universidades entre as 20 melhores do país: UFRJ na segunda posição e Uerj, na oitava — diz o professor Jerson Silva, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), destacando que os pesquisadores do Rio viveram um “ciclo virtuoso de financiamento” até 2014, que gerou muitos resultados. — Cerca de 5% do conhecimento sobre Zika foram feitos nos laboratórios do estado.
A Coppe/UFRJ, maior centro de ensino e pesquisa em engenharia da América Latina, também sofre com ameaças de cortes no orçamento e redução do investimento da Petrobras.
— Os cortes anunciados nos levam de volta a 2010 — diz o vice-diretor da Coppe, professor Romildo Toledo.
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