Mais de 5% de todas as riquezas produzidas no Brasil vão para a Educação. Esse número pode impressionar, e muitas vezes é usado por quem defende que o Estado já gasta o bastante nessa área. O argumento é reforçado por comparação. Afinal, outros países em desenvolvimento, como Argentina (4,9%), Chile (4,0%), Colômbia (4,2%) e México (4,6%), gastam proporcionalmente menos que o Brasil e um deles, o Chile, vai muito melhor do que o nosso país nas pesquisas internacionais. É um argumento forte e reforça a necessidade de melhorarmos a gestão do dinheiro que vai para a educação. Porém, ele pode e deve ser relativizado - sobretudo após a divulgação do estudo Education at a Glance, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A entidade é formada por 35 países — a maioria desenvolvidos e com alto PIB per capita — e procura levantar informações para a comparação de políticas públicas. O Brasil não é membro da OCDE, mas é convidado para alguns dos estudos, como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Esses relatórios são importantes para comparar diversos aspectos econômicos e sociais brasileiros com o de países desenvolvidos e com outras nações em desenvolvimento.
No Education at a Glance 2017, a OCDE mostrou como o percentual do PIB destinado à área pelo Brasil não é dos piores, mas apontou o problema no gasto por estudante. O país investe apenas 5,6 mil dólares por ano por aluno da Educação Básica (ou cerca de 466 dólares mensais), enquanto a média das demais nações avaliadas pelo relatório é de 10,8 mil dólares (ou 33,6 mil reais). Esse valor inclui 1) salário e formação de professores 2) material e infraestrutura 3) políticas públicas para atrair novos docentes e 4) medidas para diminuir o número de alunos por sala.
Aqui, na NOVA ESCOLA, nós acreditamos que os professores devem participar do debate público. Quem conhece a sala de aula tem plenas condições, quando bem preparado, de debater com políticos e técnicos das secretarias de ensino. Ao olhar o relatório, nós pensamos em perguntas que você provavelmente já ouviu, E, com dados desse estudo, mostramos que respostas você pode dar sempre que alguém te disser "o Brasil gasta muito em educação". Esperamos que seja útil.
O Brasil gasta muito em Educação?
Não. Mas antes, vamos entender o que o dado significa. O PIB (Produto Interno Bruto) é a soma de todas as riquezas produzidas por um país, mas é apenas um valor de referência, que considera o setor público e privado. Não existe um cofre ou conta bancária onde “o dinheiro do PIB” fica guardado. Então, dizer que parte do PIB é investido em algum setor serve apenas para comparar a soma monetária de quanto o país produz em bens e serviços com o quanto o governo envia para a Educação (e esse dinheiro vem, principalmente, da arrecadação de impostos, não do lucro de alguma produção).
Apesar de investirmos uma porcentagem relativamente alta do PIB, maior do que a de outros países, isso não significa que estamos gastando muito. A comprovação vem do dado que mostra quanto o país gasta com cada aluno. Primeiro, é preciso considerar que o PIB do Brasil não é tão grande se for considerado o tamanho da população e a crise econômica atual. O valor total, de 1,796 trilhão de dólares, dividido pelos 207,7 milhões de habitantes, gera um PIB por pessoa de 8.649,95 dólares. O da Rússia é 8,7 mil; da Argentina, 12,5 mil; do Chile, 13,8 mil; e do Uruguai, 15,2 mil.
Segundo Marcelino Rezende, especialista em financiamento da Educação e professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto, soma-se a isso o fato de que o PIB brasileiro está escolhendo (redução de 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016). “A porcentagem do PIB é apenas um índice e não reflete o quanto chega aos alunos. Como o PIB está reduzindo, se continuarmos gastando a mesma quantidade de dinheiro, daqui um ano vai parecer que investimos mais, porque a porcentagem vai aumentar, mas não é essa a realidade.”
Outra análise é a da dívida histórica que temos com a Educação brasileira. De acordo com Pilar Lacerda, ex-secretária nacional de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC) e diretora da Fundação SM, que trabalha para fortalecer a Educação pública, enquanto os países desenvolvidos gastavam entre 6% e 7% do PIB com o setor educacional, o Brasil destinava apenas 3%.
Por que o percentual do PIB e o gasto por aluno apontam resultados tão discrepantes?
A discrepância entre a porcentagem do PIB e o gasto por aluno é elevada devido ao grande número de estudantes. Segundo Pilar, são 42 milhões de alunos na Educação Básica, somados aos adultos que precisam da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e também a parte da população que não é alfabetizada. “Às vezes, temos um orçamento que parece alto, mas não é. O valor que pode ser suficiente para uma cidade desenvolvida do interior de São Paulo é insuficiente para municípios como Manaus, por exemplo, que tem especificidades devido à existência de escolas ribeirinhas, rurais e urbanas, que exigem transporte e regime de trabalho diferenciados, sob um mesmo orçamento”, explica Pilar.
É preciso notar ainda que o gasto por aluno só leva em consideração as despesas das instituições educacionais, enquanto o investimento como percentual do PIB considera também as despesas relacionadas à Educação que não vão diretamente para a qualidade educacional, como bolsas de ajuda de custo que o governo dá diretamente para o aluno.
Tudo bem. Nós investimos pouco em Educação, mas a gestão não ajuda, certo?
Correto. Falta, em muitas secretarias, conhecimento técnico para administrar o dinheiro. É comum escolas receberem todo o recurso para o ano letivo apenas em novembro, por exemplo. “Aí a escola não pode gastar por gastar, para constar nos números. Aquele dinheiro fica sem destino e parece que está sobrando”, diz Pilar.
E se diminuirmos a corrupção, teremos mais dinheiro para a Educação?
Sim, mas não tanto quanto parece. Na Educação, a corrupção atinge uma porcentagem pequena, segundo Marcelino. Não há dados oficiais sobre corrupção no setor, mas Marcelino estima um desvio de 2% do orçamento. É uma área que abre menos espaço para desvio de recurso público porque grande parte tem destino certo, como a folha de pagamento. “De acordo com o Fundeb, 60% do dinheiro é para pagamento de professor. Bem ou mal, já é um recurso carimbado, destinado a um uso específico”, explica Pilar.
Mas, apesar de ser uma porcentagem pequena, há espaço, sim, para corrupção. Como 90% da verba de Educação Básica é destinada à folha de pagamento (de professores e funcionários), há brecha para a contratação de pessoas por interesse político. Os outros dois focos de corrupção, segundo Marcelino, são os serviços terceirizados de merenda, transporte escolar e material didático, além das obras. E, quando falta dinheiro, todo recurso importa.
Isso pode piorar com o teto de gastos na Educação?
Sim. A PEC do Teto de Gastos, promulgada em dezembro de 2016, limita os gastos públicos de um ano ao que foi gasto no ano anterior. Por exemplo, em 2018 só será possível gastar com saúde e Educação a mesma quantidade que foi gasta em 2017, corrigido pela inflação. “A PEC que congela os gastos públicos passará a ser sentida a partir do ano que vem e, como viemos de um cenário de recessão econômica, as previsões não são boas”, diz Marcelino.
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