21 de janeiro de 2013

Alunos de escolas reprovadas pelo MEC se destacam em olimpíadas de Matemática e Português by Demétrio Weber



BRASÍLIA - Alunos de escolas públicas reprovadas em avaliações do Ministério da Educação (MEC) estão entre os ganhadores de medalhas de ouro em olimpíadas de Matemática e Língua Portuguesa. Diferentemente dos colégios onde estudam, eles driblam a pobreza, a baixa escolaridade dos pais e a má formação dos professores.
Em Sítio do Mato (BA), a 800 quilômetros de Salvador, o estudante Felipe Vieira Costa, de 13 anos, já conquistou três medalhas — uma de bronze e duas de ouro — na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Ele ficou em 33º lugar, entre cinco milhões de inscritos das séries finais do ensino fundamental, na edição 2012 — os 200 melhores ganham ouro.
O bom desempenho de Felipe contrasta com o da Escola Municipal Professor Avelino Nunes Rodrigues, onde estuda. Ela ocupa a posição 29.204, entre 30.842 estabelecimentos públicos, no mais recente ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb 2011), principal indicador de qualidade do ensino brasileiro.
Na paraibana Pombal, a 370 quilômetros da capital João Pessoa, a estudante Patrícia Vieira de Queiroga, de 16 anos, foi uma das 20 medalhistas de ouro na última Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro — que teve 3,2 milhões de participantes em todo o país. Ela venceu na categoria Artigo de Opinião.
Filha de um pedreiro analfabeto que só sabe assinar o próprio nome, Patrícia é aluna da Escola Estadual Monsenhor Vicente Freitas, que aparece na colocação 8.075, entre 10.076 colégios, no ranking de provas objetivas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2011).
O diretor adjunto do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Claudio Landim, diz que a baixa qualidade do ensino brasileiro não estimula, e é insensível a mentes brilhantes.
— É evidente. Isso está acontecendo todo ano. Há muitos alunos brasileiros talentosos que não estão tendo a oportunidade de desenvolver suas aptidões — diz Landim, que é o coordenador-geral da Obmep.
Em Sítio do Mato, Quirino Sousa Costa, pai do medalhista Felipe, diz que o filho sempre teve habilidade com números e consegue superar as deficiências do ensino público na cidade. Em 2011, a escola onde Felipe estuda obteve seu melhor resultado no Ideb: 2,4. Abaixo, portanto, das médias gerais nacional (4,1) e baiana (3,3).
— Ele aprende com facilidade, faz cálculos de cabeça, fora do normal. Se a gente levar em consideração a escola, a bagunça, acho que é um dom — afirma Quirino.
Aos 37 anos, o pai conta que voltou para Sítio do Mato em 2008, depois de tentar a sorte na cidade de São Paulo, por mais de uma década. Foi na capital paulista que Felipe nasceu e estudou até a 3ª série, enquanto o pai trabalhava como vigilante, e a mãe — uma ex-professora primária —, como atendente de call center.
— Meus primeiros brinquedos foram um dicionário e uma calculadora. Fui para a escola sabendo ler e escrever — conta o garoto.
Ele fala em cursar Engenharia na universidade, de preferência na Noruega, com bolsa do programa Ciência sem Fronteiras:
— É um país desenvolvido e o primeiro no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano.
O êxito acadêmico de Felipe mobiliza a família. Quirino conta que uma tia que trabalhou como empregada doméstica em São Paulo chegou a enviar livros didáticos usados pelos filhos do patrão numa escola particular.
Em 27 de agosto do ano passado, a presidente Dilma Rousseff compareceu à premiação da Obmep de 2011 — nessa, Felipe também foi medalhista de ouro. Quirino lamenta não ter acompanhado o filho na cerimônia, no Teatro Municipal do Rio. Diz que faltou dinheiro. O garoto e outros vencedores tiraram fotos com Dilma. Felipe não conseguiu posar sozinho ao lado da presidente, mas deu um jeito: editou a imagem.
— Pedimos para cortar e ampliar, para colocarmos na sala — explica.
A foto de Felipe e Dilma está num porta-retrato.
Em Pombal, o artigo que garantiu a vitória de Patrícia, na Olimpíada de Língua Portuguesa, trata da derrubada da chaminé de uma antiga fábrica, motivo de acirrada polêmica na cidade.
— Foi incrível. Sempre gostei muito de ler, só que não tinha o hábito de escrever. Desenvolvi durante as aulas. A professora focou bastante nas olimpíadas. Pode parecer clichê, mas só escreve bem quem lê. Eu indico isso: leitura acima de tudo. Meu pai está muito orgulhoso — diz Patrícia.
Antes de ser transferida para a Escola Monsenhor Vicente Freitas, ela foi aluna de outro colégio estadual no município, o João da Mata. A ex-escola não está listada no mais recente ranking do Enem. Mas o desempenho de suas turmas de ensino fundamental, no Ideb, dá uma ideia das dificuldades que o ex-colégio de Patrícia enfrenta. Em 2011, o João da Mata teve Ideb 2,3 nas séries finais do fundamental, resultado que o deixou na posição 29.581, num universo de 30.842 estabelecimentos públicos no país.
Patrícia terminará o ensino médio este ano. Ela quer ser médica:
— É um curso muito concorrido. Pelo menos na redação, eu me garanto.

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