11 de agosto de 2013

Juventude desperdiçada

Até 2023, Brasil terá 33 milhões de jovens de 15 a 24 anos. Apesar do potencial de força de trabalho, educação ruim dificulta acesso a emprego
O Brasil tem dez anos para aproveitar oportunidade rara: até 2023, o país terá 33 milhões de jovens de 15 a 24 anos em sua população. Na última década, eles estudaram mais, porém sua taxa de desemprego recuou menos. Estudo do IBGE mostra que o desemprego em geral caiu 53,8% entre 2003 e 2013 nas seis maiores regiões metropolitanas; entre os jovens, a queda foi de 41,6%, informa Clarice Spitz. A qualificação ruim, alertam analistas, explica essa performance e pode levar o país a desperdiçar a janela demográfica.

Geração desperdiçada


Educação. A técnica de informática Clara Lopes trabalha


Educação e mercado de trabalho
SEM BÔNUSAté 2023, país terá população jovem de 33 milhões. Mas baixa qualificação dificulta emprego
Educação. A técnica de informática Clara Lopes trabalha desde os 18 anos para ajudar o orçamento familiar e acha que tem vantagem sobre quem tem só ensino médio
Clarice Spitz
O Brasil terá na próxima década uma oportunidade que, se não for bem aproveitada, pode se tomar o maior desperdício de sua História. Até 2023, a população de jovens entre 15 e 24 anos somará mais de 33 milhões. É uma força de trabalho que tem potencial para aumentar o crescimento econômico do pais. Mas, na última década, o desempenho dos jovens no mercado de trabalho ficou aquém da média nacional. Eles estudaram mais, porém tiveram dificuldade maior para obter emprego. Levantamento exclusivo do IBGE mostra que, entre junho de 2003 e junho de 2013, a taxa de desemprego dos jovens de 16 a 24 anos caiu 41,6%. Na média dos trabalhadores de todas as idades das seis maiores regiões metropolitanas do país, a queda foi bem maior, de 53,8%.
E isso ocorreu num momento de maior crescimento econômico e fone redução do desemprego. E, ainda, em meio a um avanço da escolaridade dos jovens. Em junho de 2003, pouco mais dametade dos brasileiros de 16 a 24 anos que estavam no mercado de trabalho tinham ensino médio. Hoje, entre os que estão empregados e os que buscam uma vaga, quase dois terços já concluíram o ensino médio.
FALTA DE EXPERIÊNCIA É OBSTÁCULO
Para o professor João Sabóia, do Instituto de Economia da UFRJ, o ideal seria a taxa de desocupação dos jovens ter acompanhado o mesmo ritmo da queda média do país. Mas ele lembra que a entrada do jovem no mercado de trabalho será sempre um desafio. E lista ainexperiência como um empecilho. Aliado a isso, cita os baixos níveis de qualidade do ensino médio e a falta de um viés mais profissionalizante na educação como entraves.
- Mesmo com mais escolaridade, ele é mais inexperiente. Além disso, temos a questão da qualidade. Se tivéssemos desenvolvido um ensino mais técnico, teríamos nos voltado mais para o mercado de trabalho. O ensino hoje é genérico, tem em seu conteúdo coisas que não serão sequer utilizadas - diz Sabóia.
O coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, chama atenção para o fato de que, tradicionalmente, os jovens têm de superar mais obstáculos para obter um posto de trabalho.
- Os jovens são a maioria na fila da desocupação. Eles são mais inexperientes e têm mais dificuldade de inserção no mercado de trabalho, também são os primeiros a serem cortados.
Marcelo Neri, ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipca), lembra que, até os 17 anos, o ideal é que ojovem esteja apenas estudando, para ter uma inserção de maior qualidade no mercado de trabalho na vida adulta. Ele afirma que o país está desperdiçando a oportunidade de preparar esses jovens e aproveitar essa força de trabalho para aumentar o crescimento econômico do país. A janela demográfica favorável, afinal, tem prazo para acabar.
- É um desperdício. O jovem é a porta de entrada da economia e da sociedade. A porta de entrada da inclusão digital e da inovação. Talvez seja um sinal de que o país do futuro não está tão próspero afirma.
PERPETUAÇÃO DA DESIGUALDADE
A carioca Clara Lopes teve na qualificação uma porta de entrada para o mercado de trabalho. Ela optou pelo ensino técnico aos 14 anos, já pensando em ajudar no orçamento familiar, e começou a trabalhar aos 18 anos. Aos 26 anos, Clara acaba de concluir o ensino superior em Sistemas para Internet no Senac Rio. Com isso, ganha o triplo do que recebia antes da graduação. Elatrabalha numa empresa no centro do Rio como analista de testes. E acha que levou vantagem sobre amigos que fizeram apenas o ensino médio, muitos deles hoje desempregados.
- É mais difícil para eles, que só têm o ensino médio. As empresas exigem cada vez mais formação e experiência - conta Clara.
A professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Tatiane Menezes destaca que, sem qualificação, os jovens poderão ser um problema para o país no futuro. E lembra que, apesar do avanço da escolarização, fatia significativa dos jovens ainda não concluiu o ensino médio.
- Perdemos uma oportunidade em todos os sentidos. À medida que o país cresce, se desenvolve, precisa de mão de obra produtiva. Os jovens que não conseguem se colocar pela falta dequalificação terão cada vez mais dificuldade para se inserir, o que significa que estamos perpetuando a pobreza e a desigualdade.

Para especialistas, é preciso ampliar ensino profissionalizante


Mais jovens no ensino técnico
País vai precisar de 5,5 milhões de trabalhadores qualificados até 2015Clarice Spitz
A expansão do ensino técnico e da formação profissional é vista por especialistas como uma maneira de fazer avançar a educação no país e facilitar a inserção do jovem no mercado de trabalho. A cerca de um ano e meio para se chegar à data limite para o cumprimento da meta do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), que prevê a abertura de 2,5 milhões de vagas em cursos técnicos, metade já saiu do papel, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
Enquanto a qualificação técnica não avança, o setor de serviços vem ganhando espaço da indústria na contratação de jovens. Levantamento do IBGE mostra que, na última década, a parcela dos brasileiros de 16 a 24 anos que trabalhava na indústria caiu de 18,5% para 16% nas seis maiores regiões metropolitanas do país. A participação deles no comércio, que emprega a maior parte da população, permaneceu estável em 25,4%. Nos serviços prestados a empresas, houve aumento significativo de ocupação, que passou de 14,1% para 20,1%. E, nos outros serviços, de 16,6% para 18,2%
O jovem acaba sendo alocado, sobretudo, em postos mais ligados à tecnologia da informação e aos serviços do comércio, onde são importantes o conhecimento de computação e a boa aparência afirma Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.
O gerente do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) Felipe Morgado considera natural que, com o mercado de trabalho aquecido, o jovem prefira uma oportunidade de trabalho mais perto da sua realidade e busque ocupação nos serviços.
A demanda da indústria é por uma mão de obra mais qualificada. A indústria, apesar de remunerar mais, precisa de mais esforço, de cursos de mais longa duração afirma.
CURSO TÉCNICO SEM 'STATUS'
Segundo o Senai, de 2013 até 2015, o Brasil terá de formar 5,5 milhões de trabalhadores em nível técnico e em áreas de média qualificação para atuarem em profissões industriais. Serão oportunidades em 177 ocupações, que vão desde trabalhadores da indústria de alimentos (cozinheiros industriais) e padeiros até supervisores de produção de indústrias químicas e petroquímicas.
Para especialistas, assim como o ensino médio precisa ser reformulado, o mesmo ocorre com o ensino técnico. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), relativos a 2010, apenas 6,6% dos estudantes brasileiros até 25 anos estavam matriculados em cursos técnicos. Em países como Áustria, Finlândia, Holanda, Eslovênia, Suíça, essa taxa supera os 70%.
É preciso reformular o currículo do ensino médio, adequando-o ao Enem, e precisamos inserir cursos profissionalizantes no ensino médio regular. Hoje ele é muito difícil e está direcionado para a universidade avalia a professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Tatiane Menezes.
A professora Hildete Pereira, da UFF, considera que as dificuldades de expansão do ensino técnico no país esbarram nas raízes ibéricas da formação cultural do país.
Nunca demos importância social a cursos ligados a ofícios e damos muita atenção ao diploma. Temos uma cultura bacharelesca afirma.
MEC: OFERTA DE 240 MIL VAGAS
Para Diana Grosner, diretora de projetos da educação da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), o ensino médio e técnico têm estado desinteressante.
O Pronatec está com dificuldade de preenchimento de vagas. Alguma coisa diz que não é o assunto, mas o formato. É preciso adequar o formato que valoriza a autonomia, o jovem tem direto a escolhas. O mundo é digital e o sistema de educação é analógico.
O MEC nega que o Pronatec tenha dificuldades de preenchimento de vagas. O ministério informa que, desde 2011, o governo federal investe em diversas frentes para ampliar a rede de ensino técnico. Segundo o MEC, o govemo prepara pela primeira vez uma seleção unificada para escolas técnicas públicas e privadas em todo o país, em que 239.792 vagas são ofertadas.
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"Nunca demos importância social a cursos ligados a ofícios e damos muita atenção ao diploma. Temos uma cultura bacharelesca
Hildete Pereira
Professora da UFF


'Se não for neste momento, não se colhe mais'
Corpo a corpoJosé Eustáquio Alves
Segundo demógrafo, outros países aproveitaram janela favorável para enriquecer. Aqui, falta planejamento
Os demógrafos chamam de bônus demográfico o momento em que a parcela da força de trabalho na população de 15 a 64 anos de um país é muito maior do que sua população dependente, formada por idosos e crianças. A idéia é que, com menos dependentes, cresce o dinheiro disponível para se investir em capital econômico e humano. São muitas as correntes e as maneiras de se observar o fenômeno. Para o professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) José Eustáquio Alves, as mudanças começaram na sociedade brasileira no fim da década de 70 e começarão a declinar a partir de 2025.
Já começamos a colher o bônus demográfico?
Na década de 80, perdemos o bônus, a renda per capita caiu, o desemprego e a inflação estavam muito altos. Na década de 90, houve a estabilização da economia e a educação começou a melhorar, quando as crianças foram postas na escola. Nos anos 2000, com uma conjuntura internacional extremamente favorável, crescemos mais e o desemprego baixou. Conseguimos colher parte do bônus, mas podíamos ter aproveitado mais. O bônus é temporário.
O que aconteceu com outros emergentes?
A China tinha uma população muito pobre e muito jovem. Na década de 70, mesmo que de maneira autoritária, com a política de um filho por casal, eles fizeram um planejamento para aproveitar seu bônus demográfico. Também implementaram uma política de juros baixos, câmbio desvalorizado e valorização da educação. Nós não planejamos nada A queda de fecundidade aqui ocorre porque o país está mais urbanizado e a mulher está entrando mais no mercado de trabalho.
Como estamos agora em face dos próximos dez anos?
Se não se colhe o bônus neste momento, não se colhe nunca mais. Se não se enriquece o país neste momento, é muito difícil enriquecê-lo depois. Para colher o bônus é preciso ter emprego e educação de qualidade. Os europeus, EUA, Japão, Cingapura, Coréia, China, Taiwan, todos esses países aproveitaram. O Brasil precisaria crescer ao menos 4%. Se o PIB fica abaixo de 2%, não é possível. Além do que deixamos a desejar em educação. Estamos presos à armadilha da renda média. (Clarice Spitz)
O Globo, 10/8/2013

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