2 de outubro de 2013

MATIAS SPEKTOR Recomposição

Folha de SP, 2/10/2013
Em momentos de fragilidade é bom ter um canal de comunicação com o governo americano
O pior momento da relação com os EUA nos últimos vinte anos foi a Declaração de Teerã de 2010. A suspensão da visita de Estado, entretanto, chega perto. "A atmosfera é atroz", assegura um conhecedor.
O mal-estar se deve, em parte, ao orgulho ferido da Casa Branca, uma instituição tão ciosa de sua própria imagem quanto o Planalto.
Porém, a causa principal da indisposição é o fato de o sistema político americano ter deixado de ver o Brasil como mero negociador difícil, enxergando-o mais uma vez como obstáculo.
Na opinião de diplomatas americanos, a proposta brasileira sobre governança da internet pretende substituir a atual situação, imperfeita, por outra pior, fazendo o jogo de russos e chineses. Para gente influente, é irresponsabilidade.
Brasília discorda, denunciando os males da hegemonia americana na rede. Convencerá alguém? Perguntei a diplomatas alemães, franceses, japoneses e indianos. Todos manifestaram descontentamento com o status quo, mas repetiram que a proposta brasileira não decola.
Assim, a causa do Brasil pode ser justa, mas há risco de isolamento.
É uma ironia da história que esta situação coincida com a promissora abertura americana em relação a Teerã, dando fôlego a quem, lá atrás, rotulou a iniciativa turco-brasileira de irresponsável.
Ninguém espera a restauração imediata do espírito cooperativo entre Planalto e Casa Branca.
Ambos os países têm a perder com a ausência de diálogo, mas o assunto é particularmente grave para o Brasil porque o futuro imediato é de turbulência: campanha presidencial e possível aperto fiscal em meio a novas tensões entre capital, trabalho e Estado.
Como FHC e Lula aprenderam durante seus respectivos mandatos, em momentos de fragilidade, é bom ter um canal de comunicação desimpedido junto ao governo americano: quando não para pedir ajuda, pelo menos para prevenir problemas adicionais.
Hoje, esse canal está obstruído, e a capacidade de Dilma de restaurá-lo é limitada, pois a pompa do cargo a engessa. O cuidadoso trabalho de bastidor que precisa ser feito demanda flexibilidade.
No passado, quando os presidentes se viram de mãos atadas, a função foi delegada a gente como Pedro Malan ou Pedro Parente, Antônio Palocci ou José Dirceu. E hoje, quem tem peso e credenciais para operar na capital americana?
Michel Temer é um deles. Outro é o próprio Lula, que esteve recentemente com o assessor de segurança nacional de Joe Biden no melhor encontro entre os dois países em muito tempo.
Costurada de última hora e mantida na informalidade, a conversa ao pé do ouvido foi avaliada como extremamente valiosa pelos americanos, apesar das inúmeras discordâncias.
Se quiser recompor a relação no médio prazo, o governo brasileiro precisará patrocinar mais iniciativas desse tipo.
Fazê-lo não significa capitulação. Ao contrário, trata-se de reduzir danos diante das prováveis sacudidas no ano que se aproxima.

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