Secretário de SP 'esquece' educação como direito e comete erro de português
2

Hugo Araújo
Do UOL, em São Paulo

 Ouvir texto

0:00
 Imprimir Comunicar erro
  • Junior Lago/UOL
Um texto assinado pelo secretário da Educação do Estado de São Paulo, José Renato Nalini, publicado nesta semana no site da secretaria gerou polêmica nas redes sociais. No artigo, Nalini, diz que o Estado deve permitir o desenvolvimento pleno da iniciativa privada e só deve responder por missões elementares e básicas, como a segurança e a justiça. Nalini não cita a Educação como missão do Estado.
Para Salomão Ximenes, professor de políticas públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC), o uso do site da Secretaria da Educação para a emissão de "uma determinada doutrina do secretário é inoportuno e beira a ilegalidade". "Ele tem todo o direito de expressar a opinião em espaços privados de comunicação, como jornais e blogs. Mas utilizar sua função de poder e hierarquia na Secretaria para impor a publicação no site é inoportuno", explica.
"Muito ajuda o Estado que não atrapalha. Que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada. Apenas controlando excessos, garantindo igualdade de oportunidades e só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça, como emblemáticas. Tudo o mais, deveria ser providenciado pelos particulares", afirma Nalini no artigo.
Segundo Ximenes, a visão do secretário é oposta ao que assegura a Constituição de 1988. "A Constituição fala que é dever do Estado assegurar a educação", afirma. "Ele diz, no site da Secretaria da Educação, que a secretaria não deveria existir. Ele entende que não é função do Estado prestar educação para as pessoas. Eu acho muito grave", explica.
"É um texto que demonstra uma forte incompreensão do papel do Estado na sociedade brasileira. Uma incompreensão da República estabelecida pela Constituição Federal de 1988", afirma Daniel Cara, mestre em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo) e coordenador geral da Campanha Nacional pela Educação.
"No exercício de secretário da Educação, ele deve aplicar a Constituição, mesmo que discorde", conclui Ximenes.
Em outro trecho do artigo, Nalini afirma: "A população se acostumou a reivindicar. Tudo aquilo que antigamente era fruto do trabalho, do esforço, do sacrifício e do empenho, passou à categoria de 'direito'. E de 'direito fundamental', ou seja, aquele que não pode ser negado e que deve ser usufruído por todas as pessoas".
"Ele parte do pressuposto que a sociedade brasileira é justa. Para ele, só é necessário as pessoas trabalharem. Ele culpa as pessoas pela posição que elas ocupam na sociedade. Se [a afirmação de Nalini] fosse verdade, o Brasil seria outro. É difícil de encontrar um país em que as pessoas trabalham como no Brasil. O problema do Brasil não é a falta de esforço, é que a sociedade é desigual", contrapõe Cara.
Na tarde de quinta-feira (7) o UOL entrou em contato com a secretaria e pediu uma entrevista com Nalini, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Erros de português

No primeiro parágrafo do artigo, o secretário da Educação comete dois erros gramaticais. Nalini desrespeita a concordância verbal -- o verbo não concorda com o sujeito: "A fragmentação da família, a perda de importância da figura paterna – e também a materna – a irrelevância da Igreja e da Escola em múltiplos ambientes, gera um convívio amorfo". No período seguinte, ele comete o mesmo erro: "Predomina o egoísmo, o consumismo, o êxtase momentâneo por sensações baratas, a ilusão do sexo, a volúpia da velocidade, o desencanto e o niilismo". 
Em outro momento, Nalini comete outro erro de concordância ao tratar das instâncias do Executivo, Legislativo e Judiciário: "Todas elas alvo fácil das exigências, cabidas e descabidas, de uma legião ávida por assistência integral". O correto seria "alvos fáceis".


O secretário de Alckmin que prescinde de educação gratuita e defende verba extra para juiz

À frente da Educação desde janeiro, Nalini contraria Constituição e provoca críticas

Convocado em janeiro deste ano por Geraldo Alckmin (PSDB)  para controlar um setor em crise em meio à forte mobilização estudantil , o secretário de Educação de São Paulo, José Renato Nalini, acabou virando nesta semana ele mesmo foco de controvérsia. Nalini publicou no site da pasta texto em que prescinde de citar a educação gratuita como missão básica do Estado - uma obrigação explicitamente prevista na Constituição - e recebeu uma saraivada de críticas. O caso jogou holofotes no histórico de declarações polêmicas do ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, entre elas a defesa em 2014 do auxílio-moradia para juízes  como compensação, entre outras coisas, pelos gastos dos magistrados com vestuário.
Alckmin e Nalini, em dezembro. Ciete Silvério/ A2img
"Muito ajuda o Estado que não atrapalha, que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada (...), só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça como emblemáticas. Tudo o mais deveria ser providenciado pelos particulares", escreveu Nalini em A sociedade órfã, texto que também chamou atenção por erros de concordância e de uso da vírgula.
O ex-presidente do TJ de São Paulo, que fez toda trajetória na área jurídica, como magistrado e como professor da área, defende uma visão pouco usual no debate público brasileiro inclusive entre os tucanos. Referentes da educação no PSDB, como o falecido ministro Paulo Renato e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, defenderam o investimento público especialmente na educação básica, cujas fontes de recursos estão previstas por lei. As obrigações do Estado com o setor tem, inclusive, aumentado. Na esteira dos protestos de Junho de 2013, o Congresso aprovou a destinação de 10% do PIB para a educação. A lei foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2014.
A repercussão do artigo nas redes sociais e na imprensa foram quase imediatas. Nalini, que comanda a maior rede de ensino pública do país com 3,8 milhões de estudantes, matizou parte do conteúdo do texto sem esclarecer se ele reflete a visão dele como secretário ou da Administração Alckmin. "Li e reli e não acho que tenha nada a se estranhar. Só pode ser má-fé ou ignorância, não há como fugir desse dilema. A maioria do processo de educação fica a cargo do Estado. A família negligenciou o currículo culto, aquilo que as mães deveriam ensinar para as crianças", disse.

Conciliador

"Não dá inveja de um povo que prefere se imolar por causa de uma ideia enquanto aparentemente a gente não tem ideia alguma?"
NALINI, EM PROGRAMA NA TV EM 2014
A chegada do ex-magistrado, aos 70 anos, na Educação do Estado começou a ser costurada ainda no ano passado, em meio ao maior movimento estudantil dos últimos anos em São Paulo em resistência ao projeto de reorganização escolar. O projeto previa remanejamento de alunos da rede estadual e o fechamento de 92 escolas. Considerado pouco hábil na crise, o então secretário Herman Woorvald caiu em dezembro no mesmo dia em que o Alckmin foi forçado pelos protestos a anunciar a suspensão dos planos.
O posto estratégico ficaria vago por mais de um mês, à espera de que o magistrado se desligasse de seu cargo no Tribunal de Justiça. Já como cotado para a Educação, o então presidente do TJ, considerado próximo de Alckmin e sua família, foi o anfitrião do lançamento da biografia que comemora o centenário de José Geraldo Rodrigues Alckmin, tio do governador que foi ministro do Supremo.
Mesmo antes da nomeação, Nalini já havia atraído atenção dos críticos por declarações na TV. No Jornal da Cultura, emissora sob controle do Governo estadual, o então presidente do TJ declarou ser interessante o "idealismo" e as "convicções" do grupo terrorista Estado Islâmico: "Não dá inveja de um povo que prefere se imolar por causa de uma ideia enquanto aparentemente a gente não tem ideia alguma?" Antes, já havia provocado repercussão ao defender o auxílio-moradia para os juízes, uma verba de 4.300 reais por mês que já custou aos cofres públicos cerca de 1,25 bilhão de reais desde sua extensão em 2014. Em outubro daquele ano, Nalini disse na TV: "Aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de Imposto de Renda, ele tem que pagar plano de saúde, ele tem que comprar terno. Não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, que cada dia da semana ele tem que usar um terno diferente, ele tem que usar uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem que ter um carro", disse. "A população tem que entender isso".
Os episódios não complicaram os planos da nomeação, vista com reservas por educadores por sua falta de experiência específica. A ida de Nalini para o Governo também contou com apoio ativo do secretário municipal da Educação de São Paulo, Gabriel Chalita (PMDB), que já ocupou o mesmo cargo. Foi Chalita quem fez o discurso para receber o magistrado na Academia Brasileira de Educação. Além dessa instituição, o atual secretário é ex-presidente da Academia Paulista de Letras e membro titular da Academia Cristã de Letras. Como o secretário paulistano, tem vários títulos publicados, a maioria na área jurídica ou mesclando seus interesses como em Pronto para Partir? Reflexões Jurídico-Filosóficas sobre a Morte, de 2011. "Ele tem um espírito conciliador, é um homem de muito diálogo, que tem uma maturidade muito grande para o exercício desse cargo”, afirmou Chalita em janeiro, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.

Merenda e greve dos professores

Agora, com suas novas declarações controversas, Nalini, ao invés de conciliar, pode acirrar ainda mais os ânimos no embate entre a secretaria de Educação e especialistas e ativistas, que desconfiam dos propósitos da reorganização escolar. Os planos de mudança foram suspensos, mas não cancelados. No ano passado, os integrantes da Faculdade de Educação da USP divulgaram texto no que diziam ver no projeto "uma intenção irresponsável de economia de gastos públicos que (...) apontam para o descompromisso com a oferta pública da educação, funcionando como estímulo para a privatização do ensino".
Além disso, o secretário enfrenta dias turbulentos por causa do crescimento do escândalo de desvios de verba na compra da merenda da rede estadual, em que estão acusados aliados do governador Geraldo Alckmin (PSDB), e a reclamação dos alunos a respeito da qualidade da alimentação oferecida nos colégios. Na semana passada, a secretaria da Educação entrou de novo no foco das investigações porque um documento citado no escândalo da merenda sumiu de dentro de suas instalações. Nalini tem de lidar também com a retomada dos protestos dos alunos nas ruas. Ainda pequenos se comparados com 2015, os atos agora miram justamente a questão da merenda. Em pelo menos um episódio houve repressão da polícia aos manifestantes.
No texto publicado na página da secretaria, o titular da pasta não soa receptivo a protestos em geral. "A população se acostumou a reivindicar." Mais adiante, ele segue:  "Tudo o que antes era fruto do trabalho passou à categoria de direito (...) A proliferação de direitos fundamentais causou a trivialização do conceito de direito e, com esse nome, começaram a ser exigíveis desejos, aspirações, anseios, vontades mimadas e até utopia."
Questionado sobre a situação da merenda, foi o secretário quem recorreu a anseios utópicos. "Não sei se é utopia, mas eu gostaria muito que nós voltássemos a isso que já houve em São Paulo. Hortas, cozinhas dentro da escola, com as mães se oferecendo, voluntariamente. Veja, uma escola tem 500, tem mil alunos. Será que é muito difícil encontrar pessoas que quisessem, em rodízio, ajudar a fazer isso?”, disse o secretário no mês passado em programa da Rede Vida, conforme registra o Estado. “O Estado economizaria, a merenda seria muito melhor e sobraria recurso para remunerar melhor o nosso pessoal.”
O próximo desafio de Nalini é ligado à remuneração. A Apeoesp, principal sindicato dos professores da rede pública estadual, declarou na sexta-feira entrar estar em estado de greve para reivindicar aumento de salário. No dia 29 haverá uma nova assembleia para decidir se categoria parará ou não.


O secretário de Alckmin que prescinde de educação gratuita e defende verba extra para juiz

À frente da Educação desde janeiro, Nalini contraria Constituição e provoca críticas

Convocado em janeiro deste ano por Geraldo Alckmin (PSDB)  para controlar um setor em crise em meio à forte mobilização estudantil , o secretário de Educação de São Paulo, José Renato Nalini, acabou virando nesta semana ele mesmo foco de controvérsia. Nalini publicou no site da pasta texto em que prescinde de citar a educação gratuita como missão básica do Estado - uma obrigação explicitamente prevista na Constituição - e recebeu uma saraivada de críticas. O caso jogou holofotes no histórico de declarações polêmicas do ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, entre elas a defesa em 2014 do auxílio-moradia para juízes  como compensação, entre outras coisas, pelos gastos dos magistrados com vestuário.
Alckmin e Nalini, em dezembro. 
"Muito ajuda o Estado que não atrapalha, que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada (...), só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça como emblemáticas. Tudo o mais deveria ser providenciado pelos particulares", escreveu Nalini em A sociedade órfã, texto que também chamou atenção por erros de concordância e de uso da vírgula.
O ex-presidente do TJ de São Paulo, que fez toda trajetória na área jurídica, como magistrado e como professor da área, defende uma visão pouco usual no debate público brasileiro inclusive entre os tucanos. Referentes da educação no PSDB, como o falecido ministro Paulo Renato e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, defenderam o investimento público especialmente na educação básica, cujas fontes de recursos estão previstas por lei. As obrigações do Estado com o setor tem, inclusive, aumentado. Na esteira dos protestos de Junho de 2013, o Congresso aprovou a destinação de 10% do PIB para a educação. A lei foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2014.
A repercussão do artigo nas redes sociais e na imprensa foram quase imediatas. Nalini, que comanda a maior rede de ensino pública do país com 3,8 milhões de estudantes, matizou parte do conteúdo do texto sem esclarecer se ele reflete a visão dele como secretário ou da Administração Alckmin. "Li e reli e não acho que tenha nada a se estranhar. Só pode ser má-fé ou ignorância, não há como fugir desse dilema. A maioria do processo de educação fica a cargo do Estado. A família negligenciou o currículo culto, aquilo que as mães deveriam ensinar para as crianças", disse.

Conciliador

"Não dá inveja de um povo que prefere se imolar por causa de uma ideia enquanto aparentemente a gente não tem ideia alguma?"
NALINI, EM PROGRAMA NA TV EM 2014
A chegada do ex-magistrado, aos 70 anos, na Educação do Estado começou a ser costurada ainda no ano passado, em meio ao maior movimento estudantil dos últimos anos em São Paulo em resistência ao projeto de reorganização escolar. O projeto previa remanejamento de alunos da rede estadual e o fechamento de 92 escolas. Considerado pouco hábil na crise, o então secretário Herman Woorvald caiu em dezembro no mesmo dia em que o Alckmin foi forçado pelos protestos a anunciar a suspensão dos planos.
O posto estratégico ficaria vago por mais de um mês, à espera de que o magistrado se desligasse de seu cargo no Tribunal de Justiça. Já como cotado para a Educação, o então presidente do TJ, considerado próximo de Alckmin e sua família, foi o anfitrião do lançamento da biografia que comemora o centenário de José Geraldo Rodrigues Alckmin, tio do governador que foi ministro do Supremo.
Mesmo antes da nomeação, Nalini já havia atraído atenção dos críticos por declarações na TV. No Jornal da Cultura, emissora sob controle do Governo estadual, o então presidente do TJ declarou ser interessante o "idealismo" e as "convicções" do grupo terrorista Estado Islâmico: "Não dá inveja de um povo que prefere se imolar por causa de uma ideia enquanto aparentemente a gente não tem ideia alguma?" Antes, já havia provocado repercussão ao defender o auxílio-moradia para os juízes, uma verba de 4.300 reais por mês que já custou aos cofres públicos cerca de 1,25 bilhão de reais desde sua extensão em 2014. Em outubro daquele ano, Nalini disse na TV: "Aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de Imposto de Renda, ele tem que pagar plano de saúde, ele tem que comprar terno. Não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, que cada dia da semana ele tem que usar um terno diferente, ele tem que usar uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem que ter um carro", disse. "A população tem que entender isso".
Os episódios não complicaram os planos da nomeação, vista com reservas por educadores por sua falta de experiência específica. A ida de Nalini para o Governo também contou com apoio ativo do secretário municipal da Educação de São Paulo, Gabriel Chalita (PMDB), que já ocupou o mesmo cargo. Foi Chalita quem fez o discurso para receber o magistrado na Academia Brasileira de Educação. Além dessa instituição, o atual secretário é ex-presidente da Academia Paulista de Letras e membro titular da Academia Cristã de Letras. Como o secretário paulistano, tem vários títulos publicados, a maioria na área jurídica ou mesclando seus interesses como em Pronto para Partir? Reflexões Jurídico-Filosóficas sobre a Morte, de 2011. "Ele tem um espírito conciliador, é um homem de muito diálogo, que tem uma maturidade muito grande para o exercício desse cargo”, afirmou Chalita em janeiro, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.

Merenda e greve dos professores

Agora, com suas novas declarações controversas, Nalini, ao invés de conciliar, pode acirrar ainda mais os ânimos no embate entre a secretaria de Educação e especialistas e ativistas, que desconfiam dos propósitos da reorganização escolar. Os planos de mudança foram suspensos, mas não cancelados. No ano passado, os integrantes da Faculdade de Educação da USP divulgaram texto no que diziam ver no projeto "uma intenção irresponsável de economia de gastos públicos que (...) apontam para o descompromisso com a oferta pública da educação, funcionando como estímulo para a privatização do ensino".
Além disso, o secretário enfrenta dias turbulentos por causa do crescimento do escândalo de desvios de verba na compra da merenda da rede estadual, em que estão acusados aliados do governador Geraldo Alckmin (PSDB), e a reclamação dos alunos a respeito da qualidade da alimentação oferecida nos colégios. Na semana passada, a secretaria da Educação entrou de novo no foco das investigações porque um documento citado no escândalo da merenda sumiu de dentro de suas instalações. Nalini tem de lidar também com a retomada dos protestos dos alunos nas ruas. Ainda pequenos se comparados com 2015, os atos agora miram justamente a questão da merenda. Em pelo menos um episódio houve repressão da polícia aos manifestantes.
No texto publicado na página da secretaria, o titular da pasta não soa receptivo a protestos em geral. "A população se acostumou a reivindicar." Mais adiante, ele segue:  "Tudo o que antes era fruto do trabalho passou à categoria de direito (...) A proliferação de direitos fundamentais causou a trivialização do conceito de direito e, com esse nome, começaram a ser exigíveis desejos, aspirações, anseios, vontades mimadas e até utopia."
Questionado sobre a situação da merenda, foi o secretário quem recorreu a anseios utópicos. "Não sei se é utopia, mas eu gostaria muito que nós voltássemos a isso que já houve em São Paulo. Hortas, cozinhas dentro da escola, com as mães se oferecendo, voluntariamente. Veja, uma escola tem 500, tem mil alunos. Será que é muito difícil encontrar pessoas que quisessem, em rodízio, ajudar a fazer isso?”, disse o secretário no mês passado em programa da Rede Vida, conforme registra o Estado. “O Estado economizaria, a merenda seria muito melhor e sobraria recurso para remunerar melhor o nosso pessoal.”
O próximo desafio de Nalini é ligado à remuneração. A Apeoesp, principal sindicato dos professores da rede pública estadual, declarou na sexta-feira entrar estar em estado de greve para reivindicar aumento de salário. No dia 29 haverá uma nova assembleia para decidir se categoria parará ou não.

O secretário de Alckmin que prescinde de educação gratuita e defende verba extra para juiz

À frente da Educação desde janeiro, Nalini contraria Constituição e provoca críticas

Convocado em janeiro deste ano por Geraldo Alckmin (PSDB)  para controlar um setor em crise em meio à forte mobilização estudantil , o secretário de Educação de São Paulo, José Renato Nalini, acabou virando nesta semana ele mesmo foco de controvérsia. Nalini publicou no site da pasta texto em que prescinde de citar a educação gratuita como missão básica do Estado - uma obrigação explicitamente prevista na Constituição - e recebeu uma saraivada de críticas. O caso jogou holofotes no histórico de declarações polêmicas do ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, entre elas a defesa em 2014 do auxílio-moradia para juízes  como compensação, entre outras coisas, pelos gastos dos magistrados com vestuário.
Alckmin e Nalini, em dezembro. 
"Muito ajuda o Estado que não atrapalha, que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada (...), só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça como emblemáticas. Tudo o mais deveria ser providenciado pelos particulares", escreveu Nalini em A sociedade órfã, texto que também chamou atenção por erros de concordância e de uso da vírgula.
O ex-presidente do TJ de São Paulo, que fez toda trajetória na área jurídica, como magistrado e como professor da área, defende uma visão pouco usual no debate público brasileiro inclusive entre os tucanos. Referentes da educação no PSDB, como o falecido ministro Paulo Renato e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, defenderam o investimento público especialmente na educação básica, cujas fontes de recursos estão previstas por lei. As obrigações do Estado com o setor tem, inclusive, aumentado. Na esteira dos protestos de Junho de 2013, o Congresso aprovou a destinação de 10% do PIB para a educação. A lei foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2014.
A repercussão do artigo nas redes sociais e na imprensa foram quase imediatas. Nalini, que comanda a maior rede de ensino pública do país com 3,8 milhões de estudantes, matizou parte do conteúdo do texto sem esclarecer se ele reflete a visão dele como secretário ou da Administração Alckmin. "Li e reli e não acho que tenha nada a se estranhar. Só pode ser má-fé ou ignorância, não há como fugir desse dilema. A maioria do processo de educação fica a cargo do Estado. A família negligenciou o currículo culto, aquilo que as mães deveriam ensinar para as crianças", disse.

Conciliador

"Não dá inveja de um povo que prefere se imolar por causa de uma ideia enquanto aparentemente a gente não tem ideia alguma?"
NALINI, EM PROGRAMA NA TV EM 2014
A chegada do ex-magistrado, aos 70 anos, na Educação do Estado começou a ser costurada ainda no ano passado, em meio ao maior movimento estudantil dos últimos anos em São Paulo em resistência ao projeto de reorganização escolar. O projeto previa remanejamento de alunos da rede estadual e o fechamento de 92 escolas. Considerado pouco hábil na crise, o então secretário Herman Woorvald caiu em dezembro no mesmo dia em que o Alckmin foi forçado pelos protestos a anunciar a suspensão dos planos.
O posto estratégico ficaria vago por mais de um mês, à espera de que o magistrado se desligasse de seu cargo no Tribunal de Justiça. Já como cotado para a Educação, o então presidente do TJ, considerado próximo de Alckmin e sua família, foi o anfitrião do lançamento da biografia que comemora o centenário de José Geraldo Rodrigues Alckmin, tio do governador que foi ministro do Supremo.
Mesmo antes da nomeação, Nalini já havia atraído atenção dos críticos por declarações na TV. No Jornal da Cultura, emissora sob controle do Governo estadual, o então presidente do TJ declarou ser interessante o "idealismo" e as "convicções" do grupo terrorista Estado Islâmico: "Não dá inveja de um povo que prefere se imolar por causa de uma ideia enquanto aparentemente a gente não tem ideia alguma?" Antes, já havia provocado repercussão ao defender o auxílio-moradia para os juízes, uma verba de 4.300 reais por mês que já custou aos cofres públicos cerca de 1,25 bilhão de reais desde sua extensão em 2014. Em outubro daquele ano, Nalini disse na TV: "Aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de Imposto de Renda, ele tem que pagar plano de saúde, ele tem que comprar terno. Não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, que cada dia da semana ele tem que usar um terno diferente, ele tem que usar uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem que ter um carro", disse. "A população tem que entender isso".
Os episódios não complicaram os planos da nomeação, vista com reservas por educadores por sua falta de experiência específica. A ida de Nalini para o Governo também contou com apoio ativo do secretário municipal da Educação de São Paulo, Gabriel Chalita (PMDB), que já ocupou o mesmo cargo. Foi Chalita quem fez o discurso para receber o magistrado na Academia Brasileira de Educação. Além dessa instituição, o atual secretário é ex-presidente da Academia Paulista de Letras e membro titular da Academia Cristã de Letras. Como o secretário paulistano, tem vários títulos publicados, a maioria na área jurídica ou mesclando seus interesses como em Pronto para Partir? Reflexões Jurídico-Filosóficas sobre a Morte, de 2011. "Ele tem um espírito conciliador, é um homem de muito diálogo, que tem uma maturidade muito grande para o exercício desse cargo”, afirmou Chalita em janeiro, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.

Merenda e greve dos professores

Agora, com suas novas declarações controversas, Nalini, ao invés de conciliar, pode acirrar ainda mais os ânimos no embate entre a secretaria de Educação e especialistas e ativistas, que desconfiam dos propósitos da reorganização escolar. Os planos de mudança foram suspensos, mas não cancelados. No ano passado, os integrantes da Faculdade de Educação da USP divulgaram texto no que diziam ver no projeto "uma intenção irresponsável de economia de gastos públicos que (...) apontam para o descompromisso com a oferta pública da educação, funcionando como estímulo para a privatização do ensino".
Além disso, o secretário enfrenta dias turbulentos por causa do crescimento do escândalo de desvios de verba na compra da merenda da rede estadual, em que estão acusados aliados do governador Geraldo Alckmin (PSDB), e a reclamação dos alunos a respeito da qualidade da alimentação oferecida nos colégios. Na semana passada, a secretaria da Educação entrou de novo no foco das investigações porque um documento citado no escândalo da merenda sumiu de dentro de suas instalações. Nalini tem de lidar também com a retomada dos protestos dos alunos nas ruas. Ainda pequenos se comparados com 2015, os atos agora miram justamente a questão da merenda. Em pelo menos um episódio houve repressão da polícia aos manifestantes.
No texto publicado na página da secretaria, o titular da pasta não soa receptivo a protestos em geral. "A população se acostumou a reivindicar." Mais adiante, ele segue:  "Tudo o que antes era fruto do trabalho passou à categoria de direito (...) A proliferação de direitos fundamentais causou a trivialização do conceito de direito e, com esse nome, começaram a ser exigíveis desejos, aspirações, anseios, vontades mimadas e até utopia."
Questionado sobre a situação da merenda, foi o secretário quem recorreu a anseios utópicos. "Não sei se é utopia, mas eu gostaria muito que nós voltássemos a isso que já houve em São Paulo. Hortas, cozinhas dentro da escola, com as mães se oferecendo, voluntariamente. Veja, uma escola tem 500, tem mil alunos. Será que é muito difícil encontrar pessoas que quisessem, em rodízio, ajudar a fazer isso?”, disse o secretário no mês passado em programa da Rede Vida, conforme registra o Estado. “O Estado economizaria, a merenda seria muito melhor e sobraria recurso para remunerar melhor o nosso pessoal.”
O próximo desafio de Nalini é ligado à remuneração. A Apeoesp, principal sindicato dos professores da rede pública estadual, declarou na sexta-feira entrar estar em estado de greve para reivindicar aumento de salário. No dia 29 haverá uma nova assembleia para decidir se categoria parará ou não.