19 de fevereiro de 2013

CLÓVIS ROSSI Saem intrigas, entra o Espírito Santo


Folha de S.Paulo, 19.2.2013
O cardinalato, ainda atônito com a renúncia, invoca ajuda dos céus para decidir em quem votar
ROMA - Luigi Accattoli, vaticanista que não presume ter linha direta com o Espírito Santo, pôs ontem na capa do "Corriere della Sera" um sentimento que flutua claramente nas ruas de Roma, entre fiéis e não tanto: a Igreja Católica ainda está tonta com a renúncia de seu chefe, faz uma semana.
"O ambiente eclesiástico parece ter chegado ao encontro [com o desafio representado pela renúncia] totalmente despreparado".
Para Accattoli, uma renúncia era previsível, visto que, "de Pio 12 em diante (papa de 1939 a 1958), todos os papas estudaram a possibilidade de demitir-se".
Agora que Bento 16 de fato demitiu-se, os cardeais remetem ao Espírito Santo a decisão sobre o novo papa, como o fez um dos "papabili" mais citado, o norte-americano Timothy Dolan, 63, em entrevista a "La Stampa". Perguntado com qual espírito vai a Roma para o conclave, respondeu: "Como primeira coisa, procurarei a ajuda do Espírito Santo, porque precisamos que nos inspire nesta escolha".
Sei que os não-crentes e mesmo alguns fiéis (ou muitos?) duvidarão que o Espírito Santo se intrometa entre os humanos para decidir o voto. Mas os cardeais refugiam-se nele mesmo quando em conversas informais.
Aconteceu comigo na véspera da votação anterior, em 2005, em uma conversa com um dos eleitores, que agendei na vã ilusão de que ele me abriria as portas para os segredos do conclave.
Dolan pelo menos leva a vantagem de parecer despachado, tanto que dispensou o Espírito Santo para dizer que quem o coloca entre os "papabili" favoritos "fumou maconha". Meu neto não diria coisa diferente e não é cardeal.
Ajuda no desconcerto do "ambiente eclesiástico" o fato de que dois inimigos cordiais comandarão o período chamado de "sede vacante", ou seja, a fase posterior à morte/renúncia de um papa em que o Vaticano fica sem chefe. São Angelo Sodano, decano do Colégio Cardinalício, e Tarcisio Bertone, o camerlengo.
Bertone substituiu Sodano como secretário de Estado e logo afastou os homens ligados a seu antecessor, uma das lutas fratricidas que "desfiguraram o rosto da igreja", como Bento 16 diria na Missa de Cinzas.
"Ninguém gostaria de assistir à prolongação do conflito", escreve Accattoli.
Quando não remetem ao Espírito Santo, os cardeais refugiam-se na negativa, como Giuseppe Versaldi, 69, que diz, sobre o escândalo financeiro que acabou com a demissão do presidente do chamado "Banco do Vaticano":
"Estou há cerca de um ano e meio na presidência dos assuntos econômicos da Santa Sé, e não tenho a sensação de escândalos financeiros nos últimos tempos. Ao contrário, à parte acusações infundadas de quem quer falar mal da igreja de qualquer jeito, já está em ação uma renovação do sistema econômico-financeiro em respeito às exigências de transparência e credibilidade da igreja."
Se for verdade, o Espírito Santo já cuidou dessa parte. Falta agora ajudar os atônitos cardeais a votar.

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