Artista chinês afirma que vive como prisioneiro e que condições políticas pioraram desde março, com novo governo
China faz de tudo para manter 'invisível' o ativista, que em 2011 passou 81 dias detido e incomunicável
O artista chinês Ai Weiwei completou 56 anos na quarta-feira de forma discreta. Vivendo na mira do governo, não convinha fazer festa, sob o risco de os convidados serem intimados a "tomar chá" --eufemismo usado no país para interrogatórios policiais.
Poucos dias antes, Ai recebeu a Folha em seu megaestúdio, num distrito artístico da periferia de Pequim, onde vive e trabalha cercado de 25 gatos e uma enorme equipe de colaboradores.
Mais de dois anos depois de ficar detido e incomunicável durante 81 dias, quando passou por mais de 50 interrogatórios, o artista continua vivendo como um prisioneiro em seu país.
"Há câmeras à minha volta, meu telefone está grampeado, eles vigiam quem vem aqui e não tenho passaporte", diz, em voz baixa. "E ninguém me diz claramente por que e quanto isso vai durar".
Seu blog, que tinha milhares de seguidores, foi retirado do ar pela censura em 2009, o que privou o artista de sua principal válvula de escape e da ferramenta mais direta de comunicação que tinha com o público chinês.
Grande parte dos arquivos foi apagada, mas fatia considerável se salvou. Um livro que reúne os textos foi lançado há pouco no Brasil --"O Blogue de Ai Weiwei" (ed. Martins Fontes, R$ 49,80).
O fim do blog não calou a voz de Ai na internet. Ele passou a usar com a mesma intensidade o Twitter, microblog também bloqueado na China, mas que pode ser lido por meio de VPN, um sistema de acesso remoto.
"O Twitter é o meu país", diz o artista. "Minha existência na China é negada".
Ai virou uma celebridade mundial com sua arte iconoclasta e provocativa, aliada a um ativismo político que insiste em desafiar o autoritarismo do Estado chinês, sempre com humor corrosivo.
Na China, porém, o governo faz de tudo para mantê-lo como um cidadão invisível. Sem muito sucesso.
"Ninguém pode mencionar meu nome na internet. Isso me torna mais popular, porque os jovens se perguntam: Por que o nome desse sujeito não pode ser digitado na internet chinesa?", diz.
Nos postes em frente a seu estúdio, Ai pendurou lanternas vermelhas para sinalizar a presença das câmeras do governo que o vigiam dia e noite. Deitado preguiçosamente numa van com as portas abertas, um homem observa quem entra e sai.
Apesar do cerco policial, a condição de estrela do inconformismo atrai mais que admiradores virtuais.
Na manhã em que Ai recebeu a Folha, de bermuda e sandálias ortopédicas, jovens posavam para fotos diante do estúdio, onde está gravada a palavra "Fake" (falso, em inglês), como é chamada a empresa de design do artista.
Hiperativo na internet, Ai mantém-se prolífico também na arte, embora ela raramente encontre espaço em seu país. Há duas semanas, um museu particular desistiu na última hora da exposição de um trabalho seu. Foi mais um de uma série de cancelamentos recentes, explica.
Resta a ele satisfazer a enorme demanda no exterior, o que pode exigir uma logística digna de filmes de espionagem para driblar a censura e o controle da alfândega.
Mesmo ausente, Ai foi o destaque da Bienal de Veneza deste ano, com uma instalação que reproduzia nos mínimos detalhes as condições em que ficou preso.
A operação montada para retirar os modelos em tamanho natural da China até hoje é mantida em sigilo.
Em condições cada vez mais repressivas, o cuidado é redobrado. Para Ai Weiwei, a esperança de que houvesse uma distensão política com a chegada do novo governo, em março, durou pouco.
"Houve mudança, mas para pior", decreta. "O governo começou a prender gente por uma simples palavra na internet. É difícil acreditar, mas está piorando."
O endurecimento das condições políticas no país apagou de vez as fronteiras entre o artista e o ativista. "Numa sociedade como esta, como um artista pode ser apolítico? Há 80 milhões de membros comunistas. Eles têm a polícia e o sistema. Mas, se um artista estúpido faz um comentário, isso faz você tremer? Não consigo entender."
Enquanto o governo aperta o cerco, Ai Weiwei amplia sua atuação. Há três meses, lançou um clipe de heavy metal, em que volta a encenar sua prisão e surpreende com um final debochado, vestido e maquiado como mulher.
Suas referências são pessoais. Se é para citar nomes, mantém-se fiel a Andy Warhol e Marcel Duchamp, que conheceu quando viveu nos EUA (1981-1993).
Admirador de como fizeram da vida uma "performance total", ele diz que trilhou o mesmo caminho forçado pelas circunstâncias.
A ânsia de escapar da política o levou à arte, após crescer sob o trauma da perseguição maoísta ao pai poeta e da loucura coletiva da Revolução Cultural. "Ironicamente, eu me tornei o mais político de todos."
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