10 de setembro de 2013

ANNA VERONICA MAUTNER De olho na passeata


Diluem-se as reivindicações e se expressa a inquietação. Parece que queremos incomodar, mas não a ponto de provocar uma reação
O que procuramos na rua?! Os meios de comunicação --jornais, revistas, rádios e televisão--, há mais de um mês, procuram uma resposta. Aqui, vou sugerir uma possível.
Eu diria que nos esgueiramos para fora das quatro paredes, onde estamos enclausurados pelas tecnologias modernas, para reencontrar, nas ruas, em carne e osso, o "outro".
As tecnologias da comunicação pretenderam nos devolver o "corpo próprio" em sua essência --nosso eu virtual. Na rua, recapturamos o corpo --aquele que, um dia, brincou livre e solto nas calçadas em frente das casas de cada um.
Esse corpo livre movimenta-se sem qualquer intenção. Voltar ao espaço público vem se realizando em um clima fraco de fé, isto é, sem uma forte motivação, quase como era o nosso brincar de calçada.
Ninguém dirá, mesmo sob questionamento, que acredita na possibilidade de recapturar a liberdade e segurança que sentíamos então. Esse bem-estar, essa liberdade não são próprios do funcionamento natural da sociedade de massas. Essa liberdade pertence às relações de comunidades, nas relações face a face.
As passeatas de hoje não ocorrem exclusivamente como uma forma de comunicar ideologias e, sim, de expressar um desconforto, uma insatisfação. Esse movimento coletivo para as ruas é a resposta a uma insatisfação de grau médio de desconforto, e não a uma prisão total.
Os baderneiros que fazem da violência um esporte misturam-se aos que apenas procuram se livrar do desconforto. Curiosamente, os movimentos se alastram pouco e, em geral, lentamente. Os pacíficos não são contagiados pelos baderneiros que violam, quebram e atacam.
Nas passeatas, dá para distinguir claramente uns dos outros. Mas a impressão que fica, a partir de uma observação casual, é que ninguém está ali para mudar algo em seu entorno. Curiosa é a ausência de reivindicações explícitas. "Queremos...", "Não queremos...".
Ouvimos esses gritos aqui e ali, mas não uníssonos, pelo fato de a maioria das passeatas, se não todas, não ter resultado em revoluções, isto é, não provocaram mudanças.
Vamos às ruas, em passeio ou passeata. Juntos, gritamos a insatisfação. Mas são poucas as placas, poucas as faixas, oradores oram, mas, fique entendido, não está bom.
As passeatas de hoje, quase passeios, são muito diferentes dos movimentos de massa que mudavam os destinos das nações. As revoluções de 1932 e de 1964, por exemplo, foram acompanhadas por fortes movimentos de rua em todas as grandes cidades em sinal de apoio.
Como hoje saímos de casa à procura do "outro", retornamos às quatro paredes, onde a tecnologia nos traz, de volta, o mundo exterior. Tanto a alegria quanto a revolta nos impregnam mais pelas ondas hertzianas e pelas imagens da televisão do que pelo nosso participar "junto com".
Eu diria que hoje saímos às ruas para mostrar aos céus que existimos. Diluem-se as reivindicações e se expressa inquietação. Por que acontece assim? Parece que queremos incomodar, mas não o suficiente para que provoque uma reação.
E, assim, saímos de casa e a ela voltamos, inteiros, tendo apenas dado o nosso recado.

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