Valor
Econômico, 12 de setembro de 2013
Por Alysson Paolinelli, Manuel
Otero, Maurício Antônio Lopes, Roberto Rodrigues e Wagner Furtado Veloso
A humanidade experimenta enormes mudanças nas
últimas décadas. A cada momento surgem novas formas de se interpretar e alterar
a realidade, assim como novas fontes de compreensão sobre a natureza, a
sociedade e os processos históricos. Fica cada vez mais evidente a importância
da ciência e de processos aprimorados de análise e antevisão, para lidarmos com
a complexidade que marca o nosso tempo.
É nestas circunstâncias que identificamos um
movimento em curso nas instituições técnicas nacionais e internacionais, nos
centros de pesquisa, nas universidades, expresso em artigos, debates e
contribuições diversas, que aqui sintetizamos: urge à sociedade emprestar
"um novo olhar sobre a agricultura brasileira".
Por um lado, a agropecuária e a bioenergia oferecem
uma histórica janela de oportunidades (renda, divisas e emprego) para o Brasil
e para os brasileiros, do campo, ou das cidades. Por outro, tais objetivos
podem e devem ser lastreados na sustentabilidade em seu sentido mais amplo, que
articula compromissos ambientais, econômicos e de inclusão social. Valores que
se corporificam no fortalecimento do conceito de democracia alimentar:
alimentos mais nutritivos e saudáveis, produzidos em maior quantidade, com uso
mais inteligente e racional dos recursos naturais, com preços mais acessíveis
para a população.
Entre mitos e realidades, o Brasil tem
a invejável condição de poder escolher a qualidade do próprio futuro
Para tanto, é indispensável construir um canal de
comunicação entre o campo e a cidade. Apresentar o Brasil ao Brasil. Tal
diálogo será mais eficaz se a leitura da realidade for interpretada pelos
paradigmas e comparativos praticados pela ciência. Eles nos ensinam a separar a
ideologia do ideário, a emoção dos fatos. A agricultura precisa ser percebida
por seu real significado para o presente e futuro dos brasileiros. O peso
histórico desta realidade exige-nos uma leitura mais atenta, justa e elaborada
- mais realista e menos passional.
Em 40 anos, o desenvolvimento de uma agricultura
tropical brasileira projetou o país para um papel crucial na oferta. E as
projeções de crise alimentar são indiscutíveis, resultado do aumento da
população (de 7 para 9 bilhões, até 2050) e da renda. Um dilema grave, já que a
oferta planetária de alimentos exibe um quadro crítico de limitações:
intensificação de estresses climáticos, obsolescência tecnológica, limitada
disponibilidade de terras, fadiga dos sistemas convencionais de produção,
dentre outras. É neste quadro que a FAO reserva ao Brasil a missão de fornecer
40% da demanda suplementar de alimentos das próximas décadas. Ou, produzir mais
100 milhões de toneladas de grãos em 20 anos.
Num mercado global cada vez mais competitivo, onde
outros segmentos encontram sérias limitações, a agricultura brasileira figura
como uma apólice de seguro de crescimento econômico já contratado.
Esse panorama coloca a nação face a face com suas
verdades e responsabilidades. Trata-se de um dos maiores desafios de nossa
história. De um lado, perspectiva real de desenvolvimento sustentado. De outro,
obstáculos colossais. Estudos recentes apontam para uma limitada
disponibilidade de terras de novas fronteiras. A produtividade, a segunda
safra, a integração de cultivos e a reconversão de pastagens ainda oferecem
espaço de crescimento, mas exigem inédito esforço de pesquisa e de
desenvolvimento tecnológico, ao lado de providências normativas na
infraestrutura e na segurança jurídica, que são condição preliminar para
assegurar o ritmo de investimento.
A percepção do interesse coletivo é o espaço que
permite colocar soluções no lugar de preconceitos, aferição no lugar de
premonição, e gerenciamento do território e planejamento estratégico no lugar
da emoção.
A mídia aos poucos traduz o verdadeiro sentido da
agricultura para a sociedade, seja tentando explicar a vitória sobre o
Corinthians de um time plantado na fronteira agrícola, o incógnito Luverdense,
seja pontuando que nos últimos três anos cerca de 80% do crescimento do PIB
vieram da agricultura. Os fatos transitam em julgado: no espaço de uma geração,
a pesquisa promoveu o frango do adágio ("quando o pobre come frango, é
porque um dos dois está doente") à condição de proteína popular - barata e
generalizada. Mas, reconhecemos, faltam elementos para ilustrar o debate.
Por isto, o Agropensa, da Embrapa, o Fórum do
Futuro, o FGV-Agro, a Fundação Dom Cabral e o IICA estão promovendo uma série
de seminários e eventos, que convergem na aferição da dimensão da ruralidade no
Brasil e do real peso social, econômico e ambiental da agricultura. Na
construção do diálogo entre o campo e a cidade, o referencial científico é o
capital de confiança. Investigar, medir (aferições agroecossistêmicas),
comparar pré-requisitos. A escolha do futuro passa por elementos mensuráveis e
esclarecedores, capazes de orientar a sociedade na eleição de suas prioridades.
Exemplo: investir sem demora no conhecimento profundo de cada um dos seis
biomas brasileiros, condição sine qua non para a interação ideal com cada um
deles, para o bem do campo e das cidades.
O desafio de combater o espectro da fome e o
desiderato da responsabilidade ambiental marcaram inapelável encontro na mesma
visão de futuro. Por isso é imperioso que todos os brasileiros compartilhem o
que acontece em Sorriso, Rio Verde, Cristalina e Luiz Eduardo Magalhães, e
saibam como isto impacta suas vidas e o porvir do planeta. É decisivo envolver
a juventude. São os jovens estudantes das universidades ditas urbanas (das
áreas de engenharia, mecatrônica, economia, informática, de tecnologia em
geral) que podem oferecer ao país soluções que conciliem a produção de mais
alimentos, com mais inclusão social, e menos impacto sobre os recursos
naturais. No caminho inverso, mas no mesmo sentido, as universidades ditas
agrárias abraçando cada vez mais os espaços de tecnologia, tecendo um
networking de comprometimento nacional.
A resposta para minimizar o uso e o custo da água
na irrigação, por exemplo, pode estar neste momento na cabeça de um estudante
de robótica de uma universidade situada numa grande cidade, mas que ainda não
atentou para a relevância da agricultura como espaço profissional que já opera
no estado da arte das tecnologias. A história convoca o Brasil para ser
vanguarda na construção de um novo tempo, no qual nada é mais nobre do que
produzir alimentos. Não é a reputação da agricultura que está em jogo, nem se
trata aqui do interesse isolado de um segmento econômico. Trata-se aqui de um
projeto de sociedade, de um projeto de política maior. Entre mitos e
realidades, o Brasil administra a invejável condição de poder crescer na
liderança, de escolher a qualidade do próprio futuro. E o momento é agora.
Alysson Paolinelli é presidente do
conselho consultivo do Fórum do Futuro
Manuel Otero é representante do
Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) no Brasil
Maurício Antônio Lopes é presidente da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Roberto Rodrigues, do Centro de
Agronegócio da FGV (FGV-Agro)
Wagner Furtado Veloso é presidente
executivo da Fundação Dom Cabral
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