19/06/2017 O Globo
Estudo mostra que, no mesmo colégio, alunos mais pobres tendem a estudar com professores menos experientes
Logo que começou a dar aulas na rede municipal do Rio, Paula Cid Lopes foi direcionada para a turma considerada mais complicada da escola. Eram alunos com mais defasagem idade/ano, problemas de aprendizado e indisciplina. Como consolo, ouviu da diretora que não precisava se preocupar, pois assim que chegasse um novo professor, ela poderia abandonar a turma. “Essa fala da direção foi um choque para mim na época. Estávamos em maio, e eu já era a terceira professora daquelas crianças no ano. Saí da Uerj querendo trabalhar na rede pública e aquela experiência representava muito para mim. Decidi ficar com a turma até o final”.
O caso aconteceu em 1999 - Paula hoje é coordenadora do curso de Pedagogia da Uerj -, mas situações como essas persistem. Um estudo que será divulgado pelo Idados, feito pela pesquisadora Mariana Leite com base em dados da Prova Brasil, revela que, dentro das mesmas escolas, o perfil de professores e de alunos em turmas de maior e menor desempenho varia significativamente. Para investigar as razões dessa discrepância, o estudo trabalhou com uma amostra de 426 escolas que tinham, sob o mesmo teto, turmas que estavam entre as 25% melhores e 25% piores do país em matemática.
A pesquisa mostra que alunos em turmas de pior desempenho têm maiores chances de terem aulas com professores temporários e de menor experiência, que terão mais dificuldades para dar todo o conteúdo previsto no ano e manter a disciplina. No outro extremo, das classes com estudantes de melhor nota, professores relatam passar e corrigir muito mais deveres de casa, estimular as crianças a expressarem suas opiniões, discutir mais as resoluções de problemas, e propor menos que os estudantes simplesmente copiem atividades. Nas melhores turmas (em termos de notas), 66% acreditam que seus alunos do 5o ano conseguirão chegar ao ensino superior. Nas piores, essa proporção cai para 33%.
Um dado que pode explicar como acontecem essas discrepâncias dentro de uma mesma escola vem também dos questionários da Prova Brasil, mas a partir das respostas dos diretores tabuladas no site Qedu. Dentre os vários critérios adotados para escolher como distribuir as turmas, o mais comum (em 30% das respostas) foi a preferência do próprio professor, de acordo com o seu tempo de serviço. Apenas 6% dos diretores disseram que alocam os profissionais mais experientes para as turmas de aprendizagem mais lenta. Sendo a prioridade de escolha do docente mais experiente, é difícil imaginar que, por livre e espontânea vontade, ele vá preferir justamente as turmas mais complicadas.
Este não é um problema apenas do Brasil. Em 2013, pesquisadores da Universidade Stanford e do Banco Mundial identificaram no maior distrito escolar de Miami (e quarto maior dos EUA em número de alunos) que, dentro da mesma escola, as chances de um aluno de menor nível socioeconômico ter aulas com um professor menos experiente e formado numa faculdade de menor prestígio eram muito maiores do que a de seus colegas mais ricos. Outro estudo, em 2015, analisou dados da desigualdade dentro de escolas em 33 países da amostra do Pisa (o exame internacional de alunos organizado pela OCDE). Publicado no jornal científico da Associação de Pesquisadores de Educação dos EUA, o trabalho mostrou que, dentro da mesma escola, a tendência era de estudantes de menor nível socioeconômico terem menos oportunidades de aprender conteúdos mais rigorosos de matemática.
Na semana passada, pesquisa da Fundação Lemann, também a partir de dados da Prova Brasil, mostrou que alunos mais pobres tendem a estudar em escolas piores. Os resultados do Idados, alinhados com as evidências de outros estudos, mostram que é preciso combater a desigualdade também dentro da escola.
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