Adams Carvalho/Folhapress | ||
Depois de muito refletir sobre a pindaíba em que nos encontramos, ou melhor, nos perdemos, cheguei a duas propostas para o Brasil. O leitor culto, conhecedor da nossa história, pode achar as propostas um tanto, digamos, heterodoxas, mas situações radicais exigem soluções radicais -não foi nadando cachorrinho que Moisés atravessou o Mar Vermelho; não será de jangada que cruzaremos o mar de lama.
Primeira proposta: e se tivéssemos um conjunto de leis que fosse válido para todos, ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, senadores e auxiliares de almoxarifado? Eu sei que soa absurdo, completamente contrário aos nossos costumes e ao funcionamento das nossas instituições. "Seria o caos!", dirão alguns. Defenderão que gente diferenciada merece tratamento diferenciado e de fato temos 517 anos de jurisprudência, das senzalas aos cercadinhos VIP, do Borba Gato ao Gilmar Mendes, para comprová-lo. Mas teve um pessoal lá na França, em torno do século 18, que pensou de maneira diferente. Talvez valha a pena, sei lá, dar uma olhada -mesmo a França sendo esse país estranho que elege um presidente casado com uma mulher, vejam só, mais velha.
Segunda proposta: e se tivéssemos educação pública de qualidade para todos, ricos e pobres, brancos e negros, meninos e meninas, filhos de senadores e de auxiliares de almoxarifado? Imagina todos aprendendo lado a lado a ler e a escrever, a somar e a subtrair, a desvendar o mistério das mitocôndrias e a contar as sílabas poéticas de "As casas espiam os homens/ que correm atrás de mulheres./ A tarde talvez fosse azul,/não houvesse tantos desejos."? Eu sei que soa absurdo, completamente contrário aos nossos costumes e ao funcionamento das nossas instituições: o filho do auxiliar de almoxarifado vai ter as mesmas chances do filho do empresário que gera empregos e corre riscos? (Que risco corre o auxiliar de almoxarifado além de ser demitido e virar mendigo e acabar no crack e morrer de inanição?).
Cadê a meritocracia, gente? Educação universal de qualidade é uma proposta bem doida mesmo, concordo, mas alguns países como Estados Unidos e Japão e Coreia do Sul e a Europa inteira, pelo que eu ouvi por aí, aparentemente conseguiram bons resultados com essa ousadia. Talvez valha a pena dar uma olhada, ainda que muitos destes países tenham legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto, a maconha e a velocidade máxima permitida em muitas de suas cidades não chegue a 50 km/h.
Como eu já disse, não são soluções simples. Teremos que fazer enormes sacrifícios, abandonar direitos seculares adquiridos com muita luta, chicote, pau de arara, bala e gás lacrimogêneo. Teremos que abrir mão de cela especial. De alvará comprado. Da carta de motorista comprada. De carteirinha de estudante falsa. De furar fila.
É, não sei. Escrevendo o último parágrafo, fiquei na dúvida. Talvez o Brasil ainda não esteja preparado para uma revolução tão profunda. Talvez seja melhor continuar na trilha proposta pelos grandes teóricos da pacificação, Romero Jucá e Sérgio Machado, "botar o Michel, num grande acordo nacional", "com o Supremo, com tudo", pra "estancar essa sangria" e chegar "do outro lado (sic) da margem". Ali seguiremos, ali onde insistimos em nos colocar, desde sempre, no concerto da civilização: à margem.
Primeira proposta: e se tivéssemos um conjunto de leis que fosse válido para todos, ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, senadores e auxiliares de almoxarifado? Eu sei que soa absurdo, completamente contrário aos nossos costumes e ao funcionamento das nossas instituições. "Seria o caos!", dirão alguns. Defenderão que gente diferenciada merece tratamento diferenciado e de fato temos 517 anos de jurisprudência, das senzalas aos cercadinhos VIP, do Borba Gato ao Gilmar Mendes, para comprová-lo. Mas teve um pessoal lá na França, em torno do século 18, que pensou de maneira diferente. Talvez valha a pena, sei lá, dar uma olhada -mesmo a França sendo esse país estranho que elege um presidente casado com uma mulher, vejam só, mais velha.
Segunda proposta: e se tivéssemos educação pública de qualidade para todos, ricos e pobres, brancos e negros, meninos e meninas, filhos de senadores e de auxiliares de almoxarifado? Imagina todos aprendendo lado a lado a ler e a escrever, a somar e a subtrair, a desvendar o mistério das mitocôndrias e a contar as sílabas poéticas de "As casas espiam os homens/ que correm atrás de mulheres./ A tarde talvez fosse azul,/não houvesse tantos desejos."? Eu sei que soa absurdo, completamente contrário aos nossos costumes e ao funcionamento das nossas instituições: o filho do auxiliar de almoxarifado vai ter as mesmas chances do filho do empresário que gera empregos e corre riscos? (Que risco corre o auxiliar de almoxarifado além de ser demitido e virar mendigo e acabar no crack e morrer de inanição?).
Cadê a meritocracia, gente? Educação universal de qualidade é uma proposta bem doida mesmo, concordo, mas alguns países como Estados Unidos e Japão e Coreia do Sul e a Europa inteira, pelo que eu ouvi por aí, aparentemente conseguiram bons resultados com essa ousadia. Talvez valha a pena dar uma olhada, ainda que muitos destes países tenham legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto, a maconha e a velocidade máxima permitida em muitas de suas cidades não chegue a 50 km/h.
Como eu já disse, não são soluções simples. Teremos que fazer enormes sacrifícios, abandonar direitos seculares adquiridos com muita luta, chicote, pau de arara, bala e gás lacrimogêneo. Teremos que abrir mão de cela especial. De alvará comprado. Da carta de motorista comprada. De carteirinha de estudante falsa. De furar fila.
É, não sei. Escrevendo o último parágrafo, fiquei na dúvida. Talvez o Brasil ainda não esteja preparado para uma revolução tão profunda. Talvez seja melhor continuar na trilha proposta pelos grandes teóricos da pacificação, Romero Jucá e Sérgio Machado, "botar o Michel, num grande acordo nacional", "com o Supremo, com tudo", pra "estancar essa sangria" e chegar "do outro lado (sic) da margem". Ali seguiremos, ali onde insistimos em nos colocar, desde sempre, no concerto da civilização: à margem.
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