8 de junho de 2017

RICARDO HENRIQUES Precisamos sonhar nossos jovens


"Eu quero participar da mudança, não quero só aplaudir a mudança. Se eu quiser e meus colegas quiserem, a gente faz a mudança" afirma, categórica, Jamile Melo, com confiança e energia desafiantes que surpreendem e contrastam com o sorriso tímido da jovem negra de 17 anos, em seu uniforme de estudante secundarista, sentada no pátio de escola em Santarém (PA).
Jamile é uma das dezenas de jovens ouvidos no documentário "Nunca me Sonharam", que retrata a realidade dos colégios públicos de ensino médio do Brasil na voz de estudantes, gestores, professores e especialistas.
Chega-se ao final do filme com a convicção de que a juventude brasileira tem enorme potência criativa, contrariando a frequente leitura conservadora de que os jovens seriam desinteressados.
Não é isso que vimos e vivemos em todas as regiões do país. Eles estão inquietos, organizam-se em coletivos, reivindicam direitos, querem criar e transformar a sociedade. Desejam uma educação de qualidade que abra caminhos para a realização de seus projetos de vida. Querem participar das mudanças na educação e nos rumos do país.
São inegáveis os avanços nos últimos 30 anos. Ampliamos o acesso: 99% das crianças de 6 a 10 anos estão na escola. De 1981 a 2015, a proporção de jovens que já havia completado o ensino médio aos 19 anos cresceu de 11% para 53%, enquanto o percentual daqueles que não concluíram o ciclo fundamental caiu de 67% para 15%.
No entanto, 46% do grupo entre 18 e 21 anos ainda não terminou o ensino médio. Na avaliação oficial de matemática ao final do ciclo escolar, cerca de 92% dos estudantes estão abaixo da proficiência esperada, sendo que a metade não atingiu nem mesmo o nível reconhecido como básico.
Os índices de retenção e evasão são altos, e os resultados de aprendizagem, sofríveis. Assim, entre os que ingressam na escola, a maioria não conclui seus estudos na idade esperada. Os que ficam até o fim pouco aprendem e muito do que é discutido nas salas de aula tem pouco significado para suas vidas.
Avançamos sim, mas sem a qualidade necessária e a passos muito lentos. A lentidão só expressa a falta de sonhos da sociedade em relação a seus jovens.
Outra declaração tocante e contundente, que inspirou o nome do filme, foi feita por Felipe Lima, 19 anos, estudante secundarista de Nova Olinda (CE).
"Como meus pais não foram bem- sucedidos na vida, eles também não me influenciavam, não me davam força para estudar. Acho que nunca me sonharam sendo um psicólogo, nunca me sonharam sendo professor, nunca me sonharam sendo um médico. Não me sonharam."
Somos uma sociedade que, aparentemente, ainda não reconheceu o valor da educação. Precisamos debater o modelo que queremos, discuti-lo na mesa de jantar, no bar, no café, assim como fazemos com o futebol, a novela ou a série favorita.
A responsabilidade pelo projeto de educação do país deve ser compartilhada por todos nós -família, movimentos sociais, ONGs, setor privado e, claro, as três esferas de governo. Esse é o caminho para construirmos políticas educacionais transformadoras e reparadoras de fragilidades resultantes da descontinuidade e da falta de visão estratégica de longo prazo.
Desenhar políticas públicas capazes de garantir direitos e melhorar as condições de vida depende da capacidade de sonhar os cidadãos e o futuro a que se quer chegar. O Brasil é um país sem futuro enquanto não sonhar os seus jovens.
Aos leitores interessados: "Nunca me Sonharam", com direção de Cacau Rhoden e produção da Maria Farinha Filmes, é apresentado pelo Instituto Unibanco. Está disponível, gratuitamente, na plataforma VIDEOCAMP
O documentário estreia nesta quinta-feira (8) em São Paulo e Rio de Janeiro, com sessões gratuitas de 8 a 11/06. Em São Paulo, no Espaço Itaú de Cinema Augusta - Sala 3, às 20h (rua Augusta, 1.475 - Consolação). No Rio de Janeiro, no Espaço Itaú de Cinema Botafogo - Sala 3, às 20h (Praia de Botafogo, 316 - Botafogo).
RICARDO HENRIQUES, economista, é superintendente executivo do Instituto Unibanco

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