5 de janeiro de 2015

Jovem negro corre 5 vezes o risco do branco de ser morto no Nordeste


Estudo compara taxas de homicídio de negros e brancos de 12 a 29 anos; Paraíba é o pior Estado

Enquanto morte de jovens brancos cai 5,5% de 2007 a 2012, ela aumenta 21,3% entre jovens negros
FERNANDA MENADE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 5/1/2015
Ser jovem e negro no Brasil é correr 2,5 vezes o risco de morte de um jovem branco. No Nordeste, esse perigo é de cinco vezes. Na Paraíba, 13,4.
É o que aponta o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade (IVJ 2014), pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a pedido do governo federal, que deve divulgá-la nos próximos dias.
O estudo calculou taxas de homicídio ponderadas de jovens negros (pretos e pardos) e brancos, de 12 a 29 anos, a partir de dados de 2012 do Datasus (banco de dados do Sistema Único de Saúde), em que o indicativo de cor é preenchido por agentes de saúde.
A pesquisa concluiu que a desigualdade racial cotidiana do país encontra sua expressão mais aguda na comparação dos dados de morte por homicídio da juventude.
Com exceção do Paraná, todas as outras unidades da Federação têm maior risco de morte por homicídio para o jovem negro que para o branco.
Os casos mais graves são Paraíba (risco de 13,4 vezes), Pernambuco (11,5), Alagoas (8,7), Distrito Federal (6,5) e Espírito Santo (5,9).
No outro extremo, bem abaixo da média nacional, estão Tocantins (1,8), Rio Grande do Sul (1,7), São Paulo (1,5), Santa Catarina (1,4) e Paraná (0,7) --único em que o jovem branco tem mais risco de ser alvo de homicídio que o negro.
Dos quase 30 mil jovens assassinados em 2012, 76,5% eram negros ou pardos. Ou seja: morreram 225% mais jovens negros do que brancos.
De 2007 a 2012, enquanto o total de homicídios de jovens brancos caiu 5,5%, o de jovens negros subiu 21,3%.
O estudo deve orientar políticas públicas para a juventude e responde a campanhas e protestos dos movimentos negro e de direitos humanos que apontam para o fenômeno como um genocídio da juventude negra brasileira.
Entre suas recomendações, o IVJ 2014 indica que políticas públicas para a juventude negra podem acelerar não só a redução da desigualdade racial mas também a da violência no Brasil.
"É uma tragédia e uma questão civilizatória ", diz José Luiz Ratton, sociólogo da UFPE. "É impossível pensar o desenvolvimento do país com taxas de homicídio como estas."

    Morte de jovens negros cresce 21% em 5 anos

    Total dessas vítimas da violência no Brasil é maior do que a média anual em conflitos como a guerra civil de Angola
    Para pesquisador, dados do levantamento reiteram ideia de genocídio, lançada pelo movimento negro
    FERNANDA MENADE SÃO PAULOSó em 2012, foram mortos quase 23 mil jovens pretos e pardos de 12 a 29 anos no país.
    O número é superior à média anual de mortes em conflitos como o da guerra civil de Angola, com 20,3 mil mortos ao ano de 1975 a 2002.
    Segundo o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade (IVJ) 2014, a morte de jovens negros em 2012 cresceu 21,3% em relação a 2007. Esta é a primeira vez que a desigualdade racial entra no cômputo do quanto o jovem está vulnerável em cada localidade do país.
    Para Valter Roberto Silvério, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFSCar, esses dados reiteram a ideia de genocídio dos jovens pretos e pardos, lançada pelo movimento negro em 2007.
    "É um termo forte para a academia e a imprensa, mas, se pegarmos esses indicadores espantosos, eu pergunto: que termo usar quando morrem milhares de jovens negros ao longo de anos?"
    Segundo Silvério, o debate ainda é marginal e tímido porque o Brasil é uma sociedade racista desde os tempos da Colônia. "Há uma ideologia da mestiçagem que nega o recorte de cor. E, se você coloca esse recorte, se torna algoz, e não vítima."
    'POPULAÇÃO PERIGOSA'
    José dos Reis Santos Filho, do Núcleo de Estudos da Violência da Unesp, avalia que "há estereótipos historicamente introjetados que dizem que a população de baixa renda, especialmente negros e mulatos, é perigosa."
    "Além disso, a população pobre é mais desprotegida. E isso é agravado pelo descompasso entre a omissão das políticas públicas e a discriminação aberta do cotidiano."
    Para Claudio Beato, da UFMG, essa é uma questão racial que se confunde com uma questão econômica. "Quem morre no Brasil é pobre e essa parcela se confunde com a população preta e parda. O dramático é assistirmos passivamente a essa tragédia. Isso porque é um governo que diz se preocupar com os pobres."
    VULNERÁVEIS
    Os casos mais extremos de risco relativo são na Paraíba e em Pernambuco, onde um jovem preto ou pardo tem, respectivamente, 13,4 e 11,5 vezes o risco de ser vítima de violência letal (veja mapa).
    Esse risco relativo foi obtido levando-se em consideração a proporção de pretos, pardos e brancos na população de cada território. Ou seja, na Paraíba e em Pernambuco o jovem negro tem mais chance ser assassinado não porque lá haja mais pretos e pardos que brancos, mas porque a vulnerabilidade deles é maior.
    É por isso também que o único Estado onde um jovem branco tem mais risco de morte que um negro é o Paraná (0,7), mesmo que a proporção de negros lá (28,3%) seja maior que em Santa Catarina (15,3%)e no Rio Grande do Sul (16,2%).
    Além do índice de risco relativo, o IVJ avaliou 288 municípios com mais de 100 mil habitantes em itens como frequência escolar, emprego, renda familiar, morte por causas violentas e desigualdade.
    Aqueles em que a juventude está mais sujeita à violência estão concentrados no Norte e Nordeste, e os com melhor índice estão principalmente no Sudeste. Alagoas é onde o jovem está mais vulnerável; São Paulo, onde está menos.

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