30 de janeiro de 2015

Caminhos para reformar o Ensino Médio

30 de janeiro de 2015
Um número crescente de estados não alcança as metas estabelecidas para o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) dessa etapa de nsino

Fonte: Valor Econômico (SP)



Quando o ministro da Educação, Cid Gomes, defendeu no seu discurso de posse a necessidade de reformar o currículo do Ensino médio, ele tocou em um ponto quase consensual entre gestores, pedagogos e pesquisadores da Educação. Em nenhum dos ciclos da Educação básica a estagnação nos indicadores de qualidade de Ensino é tão clara como nessa etapa. Nela, um número crescente de Estados não alcança as metas estabelecidas para o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb). Em 2009, foram 3; em 2011, 6; em 2013, 21. A média nacional estacionou em 3,7, e as notas também são ruins no Ensino privado, cuja meta foi cumprida pela última vez em 2007.
Além da dificuldade de avançar na qualidade, os dados mostram que os governos batem em um limite de inclusão - o número de jovens de 15 a 17 anos fora da Escola oscila em torno de 17% há cinco anos. Esse grupo que não estuda é de 1,6 milhão de jovens hoje, segundo dados compilados pelo Todos Pela Educação. E o problema não é mais com o mercado de trabalho, como no passado. De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de jovens dessa idade que trabalhava ou queria trabalhar caiu de 26% para 17% do total nos últimos dez anos.
Na busca de um modelo que torne essa etapa do Ensino mais atrativa e reduza as taxas de abandono (em 2013, apenas 54% dos jovens de 19 anos havia terminado o Ensino médio), alguns Estados adotaram programas de Ensino médio integral e reformularam seus currículos, tornando-o mais flexível e mirando o que chamam de "projeto de vida" do jovem.
O conceito é que o jovem precisa ficar mais tempo na Escola, seja porque a família muitas vezes não tem tempo de acompanhar sua Educação, seja porque é preciso oferecer alternativas para que não seja cooptado pelo crime nas grandes cidades, seja porque a Escola pode ser uma referência nesse momento de baixa autoestima. Mas se a Escola já é "chata", por que estender a jornada?
"Não é só mais tempo na Escola que resolverá", adianta o secretário de Educação de São Paulo, Herman Voorwald. Por isso, explica, o modelo de São Paulo - onde a adoção de Ensino integral em Escola do segundo ciclo do fundamental e no médio começou em 2012 e hoje abrange 437 Escolas - tem como princípio a "adesão".
Não é a secretaria que decide qual Escola será transformada para esse modelo, mas a comunidade, incluindo os Alunos, diz. "Muitos jovens não querem ou não podem estudar por tempo integral porque precisam trabalhar", diz Voorwald. Para incentivar o Professor a aderir a esse modelo, o Estado oferece adicional de salário de 75%, mas exige dedicação exclusiva. Os Alunos, por sua vez, passam a ter jornada de até nove horas e meia e além das disciplinas obrigatórias escolhem outras de acordo com seu interesse e objetivo.
São Paulo possui diferentes modelos de Ensino integral. Um com aulas regulares (182 Escolas com jornada de nove e meia horas/dia), o integral em que o contraturno é ocupado especialmente com atividades esportivas e culturais (255 Escolas), e o Vence, em que o Aluno complementa o estudo regular com formação profissionalizante fora da Escola regular, mas bancada e supervisionada pelo Estado. Para o secretário paulista, os dados do Ideb (e também do Enem) têm mostrado que há uma estagnação dos resultados nesse ciclo do Ensino em todo o país e voltar a avançar exige novas abordagens. Esse é o foco paulista, segundo ele.
O último Ideb da rede estadual paulista foi de 3,7, mas o Ensino integral de nove horas formou suas primeiras turmas com desempenho 30% melhor que o dos Alunos do ciclo normal em leitura e interpretação de texto.
A média nacional estacionou em 3,7, e as notas também são ruins no Ensino privado, cuja meta foi cumprida pela última vez em 2007.
Para evitar que se forme uma "elite" nos Alunos do modelo integral (embora o projeto seja chegar a mil Escolas desse tipo até 2018, o que representará entre 20% e 25% da rede, entre o ciclo fundamental e o médio), São Paulo começou uma discussão para reformular o currículo do Ensino médio do Estado e implementar as mudanças a partir de 2016, tarefa para a qual não vai esperar as definições nacionais. "Isso será feito independentemente da discussão nacional. Não abrimos mão de garantir essa mudança aqui", avisa o secretário de Geraldo Alckmin (PSDB), reconduzido ao posto no novo mandato do governador.
Goiás, Ceará, Minas, Pernambuco, entre outros Estados, também têm Escolas em período integral. Em comum, a experiência desses governos envolve uma reformulação completa do currículo.
Em Goiás, antes de reassumir, a secretária de Educação, Raquel Teixeira, conduziu (em uma fundação) projeto piloto de dez Escolas em tempo integral. "Ela é integral não apenas para o Aluno, mas também para o Professor, que permanece toda sua carga horária de 40 horas naquela Escola, e uma parte da sua jornada é usada no planejamento coletivo. Então, todos os Professores da sexta série, por exemplo, se reúnem e discutem a turma e cada um dos Alunos.
E o Professor da sexta série articula com o Professor da sétima série os conteúdos ele precisa trabalhar para que o Aluno possa acompanhar a etapa seguinte", relata. "A ideia é preencher as lacunas, não deixar que elas existam." Além dessa experiência, Goiás tem 174 Escolas de tempo integral (24 de Ensino médio e 150 de fundamental), que atendem 85 mil Alunos. No total, o universo é de 1,1 mil Escolas e 502 mil Alunos.
A permanência do Professor na Escola de tempo integral cria um espírito de "pertencimento", segundo Raquel, e é essa mesma sensação que o Ceará busca nas suas Escolas em tempo integral. Maurício Holanda, secretário de Educação no Estado nordestino, coloca o projeto de tempo integral do Ensino médio como um dos eixos do programa educacional do Estado. "O integral é para o Aluno e o Professor, isso faz parte do modelo", afirma.
O Estado criou uma rede de Ensino médio profissional que não existia. Em 2007, nenhuma Escola tinha esse perfil e hoje são 112, onde estudam 42 mil Alunos, 12% do total. Para Holanda, o modelo de médio profissionalizante associado à jornada integral tem três virtudes: o Aluno sai com perfil de quadro técnico de gerência intermediária, que "falta" no país; também tem competência acadêmica para seguir para uma universidade se esse for seu plano e, por fim, tem um ambiente Escolar diferenciado onde o jovem precisa ser protagonista. "Há um conjunto de disciplinas focadas em projeto de vida", explica. "Não precisa ser sofrido aprender, você pode perguntar ao jovem o que e como ele quer aprender."
Também faz parte desse modelo a figura do Professor-diretor de turma. "Os Professores que querem essa função passam a ter direito a cinco horas pagas, por semana, para cuidar de uma turma. Ele funciona como um mediador entre esse jovem e suas dificuldades, se ele tem problema com uma disciplina, com algum colega", pontua Holanda.
Ele não gosta do Ideb como indicador da qualidade do Ensino médio. Não é contra o índice e tampouco contra avaliações, mas acha que sua metodologia não permite avaliar, de fato, o que acontece nas salas de aula dessa etapa do Ensino. Outro foco do Ensino médio do Ceará é o Enem e o Estado está fazendo um trabalho imenso para que todos os Alunos façam o exame nacional do Ensino médio.
Na última prova, 90% dos estudantes se inscreveram, a segunda maior taxa do país. "Estimulamos a inscrição e no dia da prova damos toda a logística, incluindo transporte e alimentação", conta. Como resultado, em 2011, 700 Alunos da rede estadual conseguiram acesso às melhores universidades do país via Enem; em 2013, já foram 2.520, e a média do Estado tem crescido, passando de 446 em 2011 para 460 em 2013, de acordo com Holanda.
Em Minas, o programa se chama Repensando o Ensino médio. A ex-secretária de Educação Ana Lúcia Gazzola explica que cada Escola passou a oferecer três áreas de empregabilidade. "Não são cursos profissionalizantes, são áreas de conhecimento, como tecnologia da informação, empreendedorismo, turismo e meio ambiente, estudos avançados de linguagem, entre outras", informa. A ideia é que as disciplinas tradicionais, como geografia, sejam utilizadas de uma forma que dê mais sentido, como uma relação com turismo. "Assim, elas geram novas possibilidades, conferem sentido ao que está sendo estudado."
Com o currículo mais flexível e mais atividades fora da sala de aula, Minas também criou a figura do tutor por Escola, cujo papel é orientar o Aluno, ajudando-o a encontrar qual dessas áreas de empregabilidade melhor se adapta a ele e aos seus planos para o futuro. Para dar conta das novas tarefas, a carga horária do Ensino médio subiu de 2,4 mil horas/ano para 3 mil horas/ano.
Em Pernambuco, os bons resultados do Ideb no Ensino médio estão associados ao modelo de tempo integral, avalia Mozart Neves Ramos, que foi secretário estadual entre 2003 e 2006 e hoje é diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna. Entre 2007 e 2013, o Estado subiu 17 posições no ranking do Ideb no Ensino médio, chegando à nota de 3,6. Em 2007, ocupava o 21º lugar.
Com essa melhora, Pernambuco também registrou redução na taxa de abandono Escolar desse ciclo de 78% entre 2006 e 2013. Naquele ano, o Estado tinha 60 Escolas de referência em Ensino médio, sendo 122 de horário integral e 138 de jornada semi-integral.
Matéria publicada apenas em veículo impresso

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