FOTO: MICHAEL DANTAS/REUTERS - 08.JAN.17
Parentes em Manaus
 PARENTES DE DETENTOS ESPERAM POR NOTÍCIAS NA FRENTE DE PRESÍDIO DE MANAUS
 
  • João Paulo Charleaux
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    12 Jan 2017 

    Tanto no Amazonas quanto em Roraima, órgão responsável por defender cidadãos que não têm dinheiro para pagar advogados contam com apenas dois defensores públicos dedicados aos cárceres


    Apenas dois defensores públicos são responsáveis por cuidar dos processos de todos os presos do Amazonas que não têm condições de contratar um advogado próprio, mesmo número de defensores dedicados a esse público na vizinha Roraima.
    Os dois Estados tiveram na primeira semana de 2017 dois massacres de presos. Em Manaus, 56 detentos foram mortos no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), na virada do ano. Apenas cinco dias depois, 33 morreram na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista.
    Os dois presídios estavam superlotados. E as duas tragédias são consideradas as mais graves do sistema carcerário brasileiro desde 1992, quando 111 presos foram mortos pela polícia na penitenciária do Carandiru, em São Paulo.
    A revisão das penas é apontada por acadêmicos, juízes e políticos como uma das medidas para reduzir a população carcerária no Brasil, uma vez que muitos presos permanecem encarcerados por um tempo superior ao determinado na própria sentença.
    Uma das formas de acompanhar de perto o cumprimento da pena é por meio das equipes das defensorias públicas, que são responsáveis pelo que se chama “execução penal”, ou cumprimento da pena, juntamente com o juiz de cada Vara de Execução Penal.
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    É a população carcerária do Amazonas, de acordo com levantamento mais recente, de maio de 2014, do Infopen
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    É a população carcerária de Roraima, de acordo com levantamento mais recente, de maio de 2014, do Infopen

    Quase 13 mil processos por advogado

    No Amazonas, até dezembro de 2016, um único defensor público era responsável por cuidar de mais de 12.900 processos. Às véspera do massacre, o número dobrou — mais um defensor foi incorporado à equipe.
    O número, no entanto, é considerado “muito insuficiente” pelo defensor público-geral do Estado do Amazonas, Rafael Barbosa. “Precisaríamos de pelo menos dez defensores para cuidar disso”, ele disse ao Nexo.
    O Estado tem ao todo 104 defensores, mas 4 estão “cedidos a outros órgãos”. Barbosa esteve em Brasília na terça-feira (10) e voltou a Manaus dizendo que, desde o massacre da virada do ano, “não mudou nada” na situação da defensoria, em termos materiais. “Só o engajamento dos defensores é que aumentou”, disse.

    Presos provisórios são ‘gargalo’

    Roraima tem, no papel, 45 defensores públicos, mas, na prática, só 41 desses postos estão preenchidos, sendo 2 deles na área de execução penal.
    Embora o número seja pequeno, foi considerado “bom” pela Defensoria Pública de Roraima, em nota enviada ao Nexo.
    De acordo com a assessoria do órgão, “o grande gargalo é em relação aos presos provisórios”, que aguardam o julgamento definitivo nos CDPs (Centros de Detenção Provisória). De acordo com o Infopen — sistema que reúne dados das prisões, fornecidos pelos Estados —, metade de todos os presos de Roraima estão nessa condição.
    A análise mais rápida da situação desses presos provisórios poderia ajudar a desinchar o sistema carcerário. No Amazonas, 57% dos presos aguardam julgamento, e a taxa nacional de presos provisórios é de 41%.

    Em Brasília, acordo para mutirão de defensores

    Na terça-feira (10), o presidente do Condege (Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais), Ricardo Batista, anunciou que haverá um mutirão de defensores públicos para rever os casos dos presos em Manaus.
    A intenção é acelerar a progressão de pena — que é quando um preso do sistema fechado (no qual ele permanece na prisão o dia inteiro) ganha o direito de cumprir a pena em prisão domiciliar (em casa) ou no regime semiaberto (que é quando o preso trabalha fora durante o dia, mas dorme na prisão durante a noite), entre outras alternativas ao regime fechado.
    Essa progressão de pena ocorre quando o preso cumpre alguns requisitos que dão direito ao benefício, como a frequência a aulas ministradas no interior dos presídios, a retirada de livros na biblioteca do estabelecimento ou o simples cumprimento de uma parte da pena total, com anotações de bom comportamento.
    Para que haja a revisão das penas, é preciso que advogados revisem os processos regularmente. Como muitos presos não têm dinheiro para pagar a própria defesa, dependem, por exemplo, dos defensores públicos.
    “Nós estamos nos oferecendo para montar um conjunto de defensores de todo país e irmos até Manaus e colaborarmos na análise desses processos, evitando que estejam encarceradas pessoas que não têm necessidade neste momento, ou cujos benefícios ainda não tenham sido conseguidos, ou cuja prisão se mostre desnecessária em razão do histórico dessas pessoas”, explicou Batista.
    O presidente do Condege prometeu iniciar a ação em Manaus nesta quarta-feira (11), e disse que o mesmo mutirão pode ser estendido em seguida para Roraima, uma vez que “a necessidade de atuação lá é evidente”.