23 de janeiro de 2017

Quase 50% dos professores não têm formação na matéria que ensinam



Karime Xavier/Folhapress
Marcos Brites, professor da rede estadual paulista, é formado em matemática e biologia, mas acumula classes de física; ele trabalha em três escolas
Marcos Brites, é formado em matemática e biologia, mas acumula classes de física
Quase a metade dos professores do ensino médio do país dá aulas de disciplinas para as quais não tem formação específica. O problema atinge redes públicas e escolas privadas e é mais grave em algumas matérias, como física.
Dos 494 mil docentes que trabalham no ensino médio, 228 mil (46,3%) atuam em pelo menos uma disciplina para a qual não têm formação. O número de professores com formação adequada em todas as aulas dadas representa 53,7% do total.
Quase um terço (32,3%) só dá aulas em matérias para as quais não tem formação específica. Outros 14% se desdobram entre a área em que são titulados e outras para as quais não são habilitados. Os dados são do Censo Escolar de 2015 e foram tabulados pelo Movimento Todos Pela Educação. Na comparação com 2012, o quadro praticamente não se alterou.
Esse cenário pode representar um desafio para a diversificação prevista na reforma do ensino médio, em trâmite no Congresso Nacional por medida provisória. Pela reforma proposta, as redes e escolas terão que criar linhas de aprofundamento por área de conhecimento.
Os alunos deverão escolher a área de interesse (entre Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagens, Matemática e ensino técnico). Essa parte flexível deve responder por 40% da grade. "Essas linhas de aprofundamento exigem um conhecimento além do trivial, o que vai demandar um professor que entenda das disciplinas e seja bem formado", diz a presidente do Todos Pela Educação, Priscila Cruz.
MATÉRIAS
Sociologia, filosofia e artes registram os piores resultados. Física e química aparecem na sequência, com um número maior de docentes sem habilitação para a área. Somente 27% dos professores que lecionam física no Brasil, por exemplo, têm a formação na área. Há mais licenciados em matemática dando essas aulas: são 29,8%. Em todo o país, 67,5% dos professores de matemática têm formação na área.
Mato Grosso e Bahia têm os menores percentuais de adequação, na média de todas as disciplinas. Na outra ponta, Paraná e Distrito Federal contam com as melhores condições. A situação de titulação adequada não é muito melhor na rede particular. As escolas privadas têm, na média, 58% dos professores com formação em todas as disciplinas que lecionam.
A rede federal, onde estuda somente 1,9% dos alunos do ensino médio, apresenta os melhores resultados, com 73% dos professores nessas condições. Nas escolas estaduais, o percentual é de 53%. As redes ligadas aos Estados concentram 84% das matrículas da etapa.
Segundo Luís Carlos de Menezes, professor da USP e pesquisador de formação docente, os dados são preocupantes. "As aulas ficam muito comprometidas, porque esses professores não dominam os conteúdos mais interessantes das disciplinas."
O principal motivo para essa situação é a baixa atratividade da carreira, diz Menezes. "Os profissionais de todas essas áreas existem, mas eles decidem fazer outra coisa da vida, e não dar aulas."
Um estudo de 2014 do professor José Marcelino de Rezende Pinto, também da USP, concluiu que há profissionais titulados em número suficiente para todas as áreas (com exceção de física). As condições da carreira, entretanto, afastam essas pessoas da docência.
Um professor recebe até 39% a menos do que a média das pessoas de outras carreiras com o mesmo nível de escolaridade. A docência atrai, por consequência, os jovens com os piores desempenhos no ensino médio.
No ensino fundamental, 41% dos professores dão aulas em matérias para as quais não têm formação. "É importante ressaltar que essa é uma visão quantitativa, e não dá conta de explicar a qualidade do docente e das aulas", completa Priscila Cruz.
ESFORÇO
O MEC (Ministério da Educação) não tem um plano específico de formação de professores para atender as linhas de aprofundamento previstas na reforma. A pasta ressalta, entretanto, que a situação pode ser melhorada com um esforço dos Estados e dos municípios, com apoio da União, e com cursos de complementação pedagógica.
"Isto resolve, em grande medida, questões ligadas ao conteúdo que os professores precisam dominar, assim como a didática que eles precisam conhecer para poder ensinar", afirmou, por meio de nota, a secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães de Castro.
META ATÉ 2024
O PNE (Plano Nacional de Educação) prevê que todos os professores da educação básica possuam formação específica, de nível superior, até 2024. Dos 2,2 milhões de professores do país, aproximadamente 24% dos professores sequer possuem formação de nível superior.
Para monitorar essa meta, o Movimento Todos pela Educação fez a análise a partir das disciplinas dadas nas escolas -e não só da titulação dos professores. Considerou, assim, o número considerável de docentes que dá aulas em mais de uma matéria.
Encarar o desafio de ter professores com formação adequada envolve não só melhorias nos salários e na carreira docente, de forma a atrair estudantes para os cursos de licenciatura. Mas também a qualidade e formato das formações inicial e continuada desses profissionais.
"A gente tem de caminhar para uma formação de professores por áreas [de conhecimento]", defende Priscila Cruz, do Todos pela Educação. "Isso garante que esse professor tenha certa flexibilidade e também favorece a abordagem por projetos".
Já há algumas experiências de cursos de formação de professores por área no país, como na Faculdade Sesi de São Paulo. O aluno entra para se formar em ciências da natureza, ciências humanas, linguagens ou matemática.
O PNE descreve a formação ideal como "curso de licenciatura na área de conhecimento". Os dados do Todos Pela Educação também consideram como adequado o bacharelado com complementação pedagógica na área. Aprovado em 2014, o PNE traça metas para a educação a serem alcançadas no prazo de dez anos.
ESCOLHA DE CARREIRA OU NECESSIDADE
O professor da rede estadual paulista Marcos Brites, 50, é formado em biologia e em matemática, mas lecionou física nos últimos três anos. Não foi uma escolha de carreira, mas uma necessidade. Com falta de professores da área na rede estadual, o professor decidiu assumir aulas de física para não ter de se dividir em quatro escolas ao longo da semana. Ele já trabalha em três unidades da rede estadual na região metropolitana de São Paulo.
"Preferia dar aulas na minha área, mas peguei as aulas por necessidade. Tive que voltar a me atualizar, rever vários conceitos para que eu pudesse dar o melhor de mim para os alunos", diz ele, que atua em salas dos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.
Brites chegou a cursar aulas de física no curso superior de biologia, o que o habilita a pegar aulas da matéria pelas regras vigentes. Mas, mesmo com a experiência de 31 anos de docência na rede pública, ele mesmo avalia que não é a melhor opção. Sobretudo para seus alunos.
"Há vários assuntos da física, como acústica, eletromagnetismo, a parte de ótica, que eu sequer tive no meu curso superior", diz. "Tem sido grande desafio, mas dou o máximo de mim."
No Estado de São Paulo, levando-se em conta rede pública e privada, 45% dos professores do ensino médio não têm formação específica na área em que atuam. Em física, por exemplo, 71% não têm formação específica.
As aulas têm sido dadas por profissionais com outras formações, como é o caso do professor Brites. Sociologia e filosofia apresentam os piores indicadores. Professores sem a titulação adequada representam 88% e 77% dos docentes nas duas disciplinas, respectivamente. Por outro lado, as aulas de educação física no Estado têm 90,4% dos professores com formação adequada. Em língua portuguesa, esse percentual é de 86,4%.
A secretaria de Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) defendeu que uma indicação do Conselho Estadual de Educação permite que docentes com 160 horas de formação em disciplinas correlatas assumam a função em caso de "necessidade". "A prioridade é que os docentes assumam as aulas de sua formação", informou, em nota, a pasta.
Segundo a secretaria, mais de 97% dos professores da rede estadual têm formação superior completa. No entanto, não necessariamente atuam nas disciplinas para a quais são formados. O governo Alckmin autorizou em outubro a convocação de 20,9 mil professores. Eles haviam sido aprovados em um concurso realizado em 2013, mas ainda estavam na fila de espera.
A rede conta atualmente com 210,9 mil docentes, de acordo com dados de dezembro. Os professores da rede estadual paulista não recebem reajuste salarial desde meados de 2014. A regra do Conselho Estadual de Educação com relação à formação adequada dos professores também vale para as escolas particulares. 

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