23 de setembro de 2014

Educação para o século 21 - o que falta aprender


CLAUDIA COSTIN - O ESTADO DE S.PAULO
23 Setembro 2014 | 02h 04

A divulgação dos resultados do Pisa - teste internacional de qualidade da educação organizado pela OCDE - no final de 2013 trouxe mais dúvidas do que respostas. Aparentemente, os países asiáticos vêm avançando em ritmo acelerado, disputando as primeiras posições no ranking (embora, no caso chinês, a participação que lhe rendeu o primeiro lugar foi como cidade, e não como país). A Finlândia continua a recuar, embora ainda esteja entre os melhores do Pisa, os Estados Unidos colocam-se em posição desfavorável para a primeira economia do mundo e os países da América Latina estão, muitos deles, entre os últimos colocados. O Brasil vem avançando de forma importante, especialmente em Matemática, mas ainda se mantém em posição frágil (57.º entre 65 países).
Não parece haver, entre os 65 países que participaram do Pisa, nenhuma relação consistente entre investimento em educação como proporção do PIB, salário do professor e resultado no exame. O que, então, explica o sucesso ou o insucesso de cada país?
Muitas das respostas refletem situações específicas de cada um, como coesão social, anos de escolaridade dos pais, o valor dado à educação pela sociedade. A Finlândia combina vários desses fatores e muitos países asiáticos têm a tradição de valorizar não só a educação em abstrato, mas também a figura do professor e a importância do sucesso escolar como motivo de orgulho da família.
Mas isso não é suficiente. A Finlândia, no passado, teve resultados menos positivos, mesmo já tendo muitas dessas condições favoráveis. Mas decidiu agir. Há pouco mais de 40 anos definiu uma estratégia para fazer avançar a educação. O primeiro passo foi valorizar o professor, mas não o fez como um discurso abstrato, centrado apenas em salários ou planos de carreira. Mudou a forma como professores são preparados para o exercício da profissão: reformulou as licenciaturas, associando-as ao ensino de uma prática concreta (como funcionam, por exemplo, os cursos de Medicina), e não à ênfase que tinham na época em fundamentos da educação, e tornou mais rígido o acesso a esses cursos e, mais ainda, à profissão. A educação deu um salto enorme no país, que, aliás, paga ao professor menos que a outros profissionais de igual escolaridade. Observe-se que o país não tem, nem de perto, o salário mais alto da OCDE, pagando menos que Portugal e Espanha, que apresentam desempenho bem inferior em Matemática e leitura.
O Vietnã é outro caso. Vindo de uma guerra que devastou seus já reduzidos recursos, o país investiu em educação, assegurando acesso e qualidade, por meio de material de apoio aos professores, incluídos livros didáticos, construção de escolas e estabelecimento de um currículo nacional consistente. Hoje a posição do Vietnã, que focou nas suas fragilidades, e não em prédios escolares sofisticados com recursos atraentes para esportes ou artes, é bem superior no ranking do Pisa aos Estados Unidos, seu principal inimigo na guerra.
O que o Brasil precisa fazer nesse terreno? Acertam os candidatos quando falam em ampliar a jornada escolar. Mas isso não é suficiente: mais horas sem currículo claro, ou apostando apenas na receita de aulas pela manhã e oficinas de esportes e artes à tarde, não mudam o cenário. Precisamos de aumento de carga horária das disciplinas em que estamos mais frágeis. Necessitamos de um currículo nacional mais preciso que nos identifique como brasileiros e ajude o professor a desenvolver as competências necessárias (inclusive socioemocionais), no nível esperado para cada série. Precisamos também transformar as licenciaturas. A ênfase exagerada em fundamentos da educação e o desprezo por pedagogias específicas (como Didática de Matemática, por exemplo) têm levado os professores a chegar despreparados às salas de aula, especialmente nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. A formação continuada, infelizmente, em vez de compensar a limitada ênfase em prática de sala de aula, apenas reforça o que a universidade privilegia. Além disso, a reduzida atratividade da carreira tem resultado em pouca seletividade de candidatos ao ofício de professor.
É fundamental também mudar a dinâmica das aulas e dos cursos - menos fragmentação dos saberes num número excessivo de disciplinas no ensino médio, menos aulas expositivas escritas no quadro negro para cópia de adolescentes nativos digitais. Mais interação, discussão e aplicação de conceitos em atividades que engajem os alunos. Mais tecnologia associada a conteúdos que permitam certa personalização do processo de aprendizagem e religação dos saberes num currículo que faça sentido para o mundo do trabalho e para a vida.
Esforços consistentes têm sido empreendidos, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Correta, para formar professores alfabetizadores nas redes, enfatizando soluções para a prática concreta do docente. O Brasil terá muito a ganhar se iniciativas como essa forem adotadas para os demais níveis (como começa a ser para o ensino médio), até mesmo para educação infantil.
Acertam também os candidatos quando se referem à urgente necessidade de expansão da educação infantil. As pesquisas demonstram que o impacto do investimento nessa fase transcende o conhecido efeito de nivelamento das diferenças de origem social no desempenho no primeiro ano de escolaridade e se traduz também em melhor qualidade de vida. Mas para isso é importante pensar num currículo adequado a essa faixa etária, e não apenas num espaço para deixar as crianças seguras enquanto as mães trabalham. Mais importante ainda é a atração, formação e retenção de professores especializados em primeira infância.
Qualidade da educação começa com o professor. Bem formado, selecionado, motivado e com materiais necessários à sua prática e adequados a um currículo que assegure sequenciamento e equidade. É possível chegar lá!
*Claudia Costin é diretora global de Educação do Banco Mundial

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