30 de setembro de 2014

VLADIMIR SAFATLE, A piada que mata


"Então, gente, vamos ter coragem, somos maioria. Vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los, não ter medo. Dizer que sou pai, mamãe, vovô. E o mais importante é que esses que têm esses problemas realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente. Bem longe, mesmo, porque aqui não dá."
Essas são frases de um candidato à Presidência da República quando indagado pela candidata do PSOL, Luciana Genro, em debate no domingo (28), sobre o que achava do Brasil liderar o número de mortes violentas contra homossexuais, travestis e transgêneros.
Bem, se ainda houver um resto de seriedade na política brasileira, o senhor que proferiu tal crime evidente de preconceito e incitação ao ódio será processado e sua candidatura cassada.
No entanto, para muitos, seu pedido de que homossexuais fiquem "bem longe" daqueles que se veem como "normais", seus chamados de enfrentamento, são apenas "derrapadas" de um candidato inexpressivo e caricato. A típica afirmação da qual é melhor rir de seu caráter patético do que realmente levar a sério.
Essa é, no entanto, a pior violência. Pois ela consiste em ignorar quão brutal é não se sentir no lugar dos que recebem as palavras mais brutais.
Melhor seria lembrar da lição dada por um professor norte-americano de filosofia, Arnold Farr, sobre o que significa realmente tolerância.
Ao ser indagado sobre como conseguia implicar seus alunos em lutas contra a discriminação, ele lembrava que nada melhor do que mostrar a eles como nós, eu, você, agimos inconscientemente para reforçar processos de exclusão. Somos agentes inconscientes e involuntários, mas nem por isto menos eficazes.
Farr contou então a história de sua relação com seu irmão homossexual.
Disse que, quando adolescente, gostava de levar suas namoradas para a casa dos pais a fim de orgulhosamente apresentá-las e ouvir depois elogios de todos.
Anos depois, em um certo dia, ele se deu conta de como seu irmão nunca pode fazer algo parecido e como ele, Arnold, nunca se importara com isso. Ele sequer sentia a tristeza de seu irmão por não poder ser reconhecido, por ter que conservar seu desejo invisível e em silêncio para seus próprios familiares.
Um dia, no entanto, ele foi capaz de sentir. Mesmo não sendo homossexual, ele pode por um momento sentir o que pode ser o sofrimento de um homossexual. Então, ele pegou o telefone e pediu-lhe desculpas. Esse telefonema foi o gesto político por excelência.


Se continuarmos a não sentir a violência que tais grupos sofrem, continuaremos a ouvir, do outro lado da linha, apenas piadas que matam.

Folha de S.Paulo, 30/9/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário