19 de maio de 2015

América Latina se distancia da estratégia americana no combate ao narcotráfico



BOGOTÁ — A Colômbia acaba de descartar uma pedra angular na luta contra as drogas apoiada pelos EUA, bloqueando a fumigação para erradicar a coca, a planta usada para fazer cocaína. A Bolívia, por sua vez, expulsou o Órgão para o Combate das Drogas dos EUA (o Drug Enforcement Administration, DEA) há anos e permite que os agricultores cultivem pequenas quantidades. O Chile, por muito tempo um dos países mais conservadores da América Latina, está produzindo sua primeira colheita de maconha medicinal.
Por toda a América Latina, cada vez mais governos resistem aos princípios da abordagem liderados pelos EUA no combate às drogas, muitas vezes desafiando estratégias tradicionais, como a proibição, a erradicação de cultivos e uma postura militarizada contra os produtores, mudança fundamental na região.
— Pela primeira vez em 40 anos, há uma rejeição significativa de países latino-americanos, que suportaram muito sofrimento na guerra contra as drogas — afirma Paul Gootenberg, historiador especializado em América Latina.
De diversas maneiras, a resistência reflete o declínio da influência dos Estados Unidos na região, além de uma sensação generalizada de que seus métodos para combater as drogas falharam.
— Se você usar as mesmas ferramentas durante 50 anos e o problema não for resolvido, algo não está funcionando bem — defende disse Yesid Reyes, ministro da Justiça da Colômbia, que suspendeu seu programa de pulverização aérea na última quinta-feira.
A rejeição acontece também em um momento de mudança dentro dos Estados Unidos. Figuras políticas em países como o Uruguai, que vem cautelosamente regulando sua própria indústria da maconha legal, vêm buscando exemplos em estados americanos como Colorado e Washington, que legalizaram a venda de maconha recreativa.
As razões para uma revisão das políticas de drogas pode variar de país para país, mas envolvem, em grande parte, tentativas para diminuir o derramamento de sangue do tráfico e aliviar os sistemas prisionais pelo aumento da população de presos.
A emergência da América Latina como um grande mercado de drogas — o Brasil está entre os maiores consumidores de cocaína do mundo — também está influenciando o debate.
— O custo em sangue na guerra às drogas tem sido enorme — diz Bruce M. Bagley, especialista no comércio de drogas da América Latina da Universidade de Miami. — Os líderes estão olhando para a abordagem militarizada e dizendo que eles não querem mais de 40 anos de políticas como na Colômbia.
Mas, embora tenha havido muito debate entre líderes latino-americanos sobre as falhas da guerra às drogas e à necessidade de uma nova abordagem, há pouca clareza na região sobre que caminho a seguir. A Colômbia é um exemplo disso. Reyes citou suas preocupações de que o herbicida usado na pulverização aérea pudesse causar câncer em humanos. No mês passado, em um discurso nas Nações Unidas, exortou a necessidade de novas abordagens para o problema, defendendo a descriminalização do uso de drogas.
Mas ele e seu governo não fizeram propostas concretas para mudar a legislação. Em entrevista, o ministro disse que a Colômbia tinha alcançado muito sucesso na luta contra traficantes e não iria recuar. E acrescentou que poderia até retomar a pulverização se encontrasse uma substância química mais segura, deixando pouco claras as estratégias do governo.
Como parte da decisão de quinta-feira, o governo deu um prazo de 30 dias para que um painel de especialistas apresentasse suas recomendações. A Colômbia é um dos aliados mais próximos dos EUA na América Latina, e, por isso, a decisão de interromper a pulverização aérea foi altamente simbólica: foi tomada apesar das objeções de Washington.
— A América Latina é uma sociedade bastante conservadora socialmente no que diz respeito às questões das drogas — defende John Walsh, analista do Washington Office on Latin America, um grupo de pesquisa. — A guerra contra as drogas e sua propaganda têm funcionado por muito tempo. Eles veem isso como uma abordagem maniqueísta do bem contra o mal e falar de uma abordagem de regulamentação parece uma maneira de se render.
O que já começa a mudar. Na Guatemala, sem fazer propostas concretas, o presidente Otto Pérez Molina tem apelado repetidamente para novas estratégias, afirmando que iria considerar a criação de mercados regulamentados pelo governo para algumas drogas, como forma de neutralizar o poder dos traficantes . No México, Enrique Peña Nieto diz estar aberto a um debate sobre abordagens alternativas, como a legalização — mas também tem feito pouco para impulsionar o debate interno.
Nos EUA, se o crack e a cocaína vinham atormentado as grandes cidades e alimentando as altas taxas de homicídios, as autoridades agora enfrentam outro desafio: as metanfetaminas, o abuso de drogas prescritas e a heroína.
— A cocaína já não é o problema que era há 20 anos, quando estava por trás de crimes violentos — afirma Chuck Wexler, diretor-executivo do Police Executive Research Forum, um grupo de políticas de aplicação da lei.`

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