RIO — Na contramão do que ocorreu em quase todo o país, o Rio registrou queda expressiva no número de mortes por armas de fogo entre 2002 e 2012, de acordo com o Mapa da Violência 2015, divulgado na quarta-feira. Nesse período, a capital teve uma redução de 65,9%, a maior registrada no país. No estado, o número de casos caiu à metade (50,3%), com uma média de 22,1 óbitos para cada cem mil habitantes. O levantamento mostra que todas as regiões do país tiveram crescimento da mortalidade por armas de fogo na década, com exceção do Sudeste, que registrou uma diminuição de 39,8%. Além do Rio, só São Paulo teve menos casos contabilizados.
— O Rio de Janeiro foi um dos estados que mais se destacaram na reorganização da estrutura policial no país na última década. Combinado com o Plano de Segurança Nacional, implementado no governo do ex-presidente Fernando Henrique, e o Estatuto do Desarmamento, sancionado em 2003, pelo ex-presidente Lula, o estado redesenhou a forma de combate ao crime — explica o sociólogo Julio Jacobo, autor do estudo, que utilizou o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde para elaborar o levantamento.
De acordo com a pesquisa, que leva em consideração mortes por homicídio, acidentes, suicídios e crimes não solucionados, a violência com armas de fogo aumentou 11,7% no Brasil entre 2002 e 2012. Duas regiões contribuíram para o forte crescimento: a Norte, com 135,7%, e o Nordeste, com 89,1%. Também houve acréscimo no Centro-Oeste e no Sul, com 44,9% e 34,6%, respectivamente. Ao contrário do restante do país, o Sudeste demonstrou um decréscimo de 39,8% na taxa de mortalidade, motivado pela redução dos índices de Rio e São Paulo, uma vez que Minas Gerais e Espírito Santo registraram aumento no número de casos (53,7% e 10,3%, respectivamente).
MUDANÇAS NA SEGURANÇA PÚBLICA
Dados de um relatório sobre tráfico de armas produzido pela ONG Viva Rio, com base em informações do DataSus e do IBGE, vão ao encontro do Mapa da Violência 2015 e mostram que, entre 2003 e 2008, o estado registrou uma queda de 38,2% na taxa anual de mortes por armas de fogo. Em 2003, a taxa era de 47,6% e em 2008 chegou a 29,4%.
Segundo especialistas, é difícil, em um primeiro momento, apontar um único fator para a diminuição dos índices de mortes por armas de fogo no Sudeste. A cientista social Silvia Ramos destaca que o Rio começou o trabalho para melhorar a segurança pública do estado antes da virada do século.
— Homicídio é um crime multifatorial — diz Silvia, quando perguntada sobre as razões da queda no Rio. — No entanto, em 1999, houve uma série de iniciativas que deram o primeiro passo na diminuição dos casos letais por armas de fogo. Nesse ano, por exemplo, foram criadas as delegacias legais e o Instituto de Segurança Pública, dois pontos fundamentais para o início da reorganização. A partir daí, as áreas de atuação dos batalhões e das delegacias foram redesenhadas. O Rio não se tornou um lugar pacífico, mas ali já havia indicativos mais efetivos de redução.
A cientista social também cita o Estatuto do Desarmamento como um elemento que contribuiu para o declínio do número de mortes. Para Silvia, o desarmamento no Rio foi mais eficaz que nos outros estados devido a planos mais elaborados de conscientização e captação de armas.
— A ONG Viva Rio, em parceria com as polícias Civil e Federal, liderou o número de recolhimento de armas no estado. Foi por isso que o Rio, junto com São Paulo, se destacou nacionalmente. O plano deu certo no estado. Críticos ressaltam que muitas armas estão em poder dos traficantes, mas esquecem que ainda há muitas execuções de pessoas não ligadas a organizações criminosas. É o caso de uma pessoa, por exemplo, que mata alguém por algum desentendimento bobo. O estatuto evitou muitas mortes por simples execução.
O Mapa da Violência estima que, entre 2004 e 2012, mais de 160 mil pessoas — 70% delas jovens — foram poupadas de mortes por armas de fogo graças ao Estatuto do Desarmamento, sancionado em 2003. Segundo o Viva Rio, nos dois primeiros anos do estatuto, mais de 44 mil armas foram entregues voluntariamente no Estado do Rio. Atualmente, o projeto 3.722/12, em tramitação no Congresso, tenta revogar a lei.
A antropóloga Alba Zaluar, com atuação na área da violência urbana, afirma que o bom momento econômico que o país viveu a partir da metade da última década não influenciou na redução das mortes. Segundo ela, a redução da taxa de pobreza e a ascensão de milhares de pessoas a uma classe com capacidade de compra não asseguram a diminuição dos indicadores de violência urbana de um país.
— Essa relação não existe — diz Alba. — Em 1994 e 1995, por exemplo, podemos observar um período em que a pobreza diminuiu, mas, ao mesmo tempo, o país convivia com índices de criminalidade altíssimos. Estudiosos que tentaram relacionar bom momento econômico com redução de crimes não chegam a conclusões satisfatórias. O que de fato existe é o aumento do número de empregos. Quando há mais pessoas no mercado de trabalho, o índice de homicídios cai.
A antropóloga cita a implantação das UPPs, a partir de 2008, como um marco na redução dos homicídios na capital. A medida, segundo ela, foi acompanhada de planos de redução do uso de arma de fogo pela polícia, postos em prática assim que as primeiras UPPs foram inauguradas.
— Uma polícia dentro de um território em que o Estado não se fazia presente inibiu a ação de bandidos, principalmente nos primeiros anos da política de policiamento permanente nas favelas.
FUGA PARA O INTERIOR
O Mapa da Violência também mostra que uma das razões para os índices de crimes nas capitais e regiões metropolitanas terem diminuído foi a onda migratória de bandidos armados. Na pesquisa, por exemplo, Cabo Frio registrou entre 2010 e 2012 uma média de 46,4% mortes por armas de fogo para cada cem mil habitantes. Paraty ficou em segundo lugar, com 43,9%, no mesmo período. Nova Iguaçu (43,1%), Búzios (40,3%) e Japeri (39,4%) completam as cinco primeiras colocações.
— É um movimento normal. Com a polícia da capital mais bem estruturada, o crime procurou lugares com repressão mais branda. O acompanhamento histórico expõe esse dado: até 2000, municípios com mais de 500 mil habitantes tinham as maiores taxas de crescimento em casos de homicídio. Na virada do século, isso se altera. O índice em locais com menos de 500 mil habitantes passa a se destacar no crescimento de mortes por arma de fogo — completa Jacobo.
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