11 de maio de 2015

Combinar com os russos, Antonio Gois

 

11 de maio de 2015
"Pesquisa mostra que a maioria dos professores da rede pública não é ouvida antes da implementação de políticas e programas na escola", afirma Antonio Gois

Fonte: O Globo (RJ)



Dentro da escola, nada é mais importante para o sucesso do aluno do que o professor. De tão repetida, essa afirmação já soa até como um clichê. Mas, na prática, ela nem sempre é levada em conta. Prova disso é o resultado de uma pesquisa encomendada pela Fundação Lemann ao Instituto Paulo Montenegro e ao Ibope Inteligência, feita com docentes da rede pública de ensino fundamental em todo o país.
Segundo o levantamento, a maioria dos professores brasileiros relatou que não foi consultada antes da implementação de programas e políticas educacionais em suas próprias escolas. Do total, 20% dizem que puderam dar sua opinião somente após a implementação de um novo programa, e 34% afirmam que isso nunca aconteceu, nem mesmo após as políticas terem virado realidade.
Ao trabalhar melhor os dados da pesquisa, o coordenador de projetos da Fundação Lemann, Ernesto Martins Faria, identificou que essa realidade variava muito de acordo com o perfil da escola. Nos colégios com melhor desempenho pelo Ideb (principal indicador do MEC de qualidade do ensino), 56% dos professores afirmaram que foram ouvidos antes da implementação de um novo programa e somente 25% disseram que nunca foram consultados, antes ou depois. No outro extremo, de colégios com menor Ideb, o percentual dos que foram ouvidos antes das mudanças cai para 37%, e a maior parte (43%) diz que nunca foi consultado.
A análise foi feita também considerando taxas de aprovação, condição socioeconômica dos alunos e níveis de aprendizado em português e matemática. Em todos os casos, o padrão se repetia: nas escolas com piores resultados, e naquelas que atendem os mais pobres, há menor participação dos professores na implementação de novos programas.
A baixa participação de professores em decisões sobre o que acontece na escola se repete também nos debates sobre grandes políticas públicas educacionais. E isso não acontece apenas no Brasil.
No início deste ano, fiz uma entrevista com o educador Doug Lemov, diretor de uma rede de escolas privadas que atendem alunos pobres nos Estados Unidos. Ele ficou famoso ao publicar um livro em que dissecava boas práticas dos melhores professores. Seu trabalho recebeu críticas por dar muita ênfase a questões práticas de sala de aula, e pouca a teorias pedagógicas. Questionado sobre essas críticas, Lemov afirmou que seu livro era apenas mais um, sem a pretensão de substituir publicações mais teóricas. Mas defendeu também que é importante aprender a partir da experiência dos docentes.
“Muitas teorias são escritas por gente que não está em sala de aula, que não trabalha nela todo dia. Não sei como é no Brasil, mas nos Estados Unidos temos um problema grave de baixo status da carreira docente. É importante respeitar os professores. Eles não podem ser tratados apenas como pessoas que vão executar teorias de outros. As soluções de problemas de sala de aula precisam ser pensadas principalmente pelos professores”, disse na ocasião Lemov.
Faz parte do folclore futebolístico o suposto questionamento do craque Garrincha ao técnico Vicente Feola, na Copa de 1958. Ao ouvir as instruções táticas antes de uma partida contra a União Soviética, ele teria perguntado: “Mas o senhor combinou isso com os russos?” No caso da educação, é ainda mais grave. É como se estivéssemos tentando mudar a forma de atuar sem combinar com os jogadores de nossa própria equipe.

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