13 de janeiro de 2013

Brasileiro apoia Bolsa Família, mas considera pouco eficaz


RIO — Mais da metade dos brasileiros quer que o Bolsa Família continue. Mas também mais de 50% acreditam que o programa não tira muitas pessoas da pobreza, enquanto quase 40% acham que os pobres continuam pobres mais por falta de esforço do que de oportunidades. O que predomina no Brasil é uma visão de valorização da renda que vem do trabalho. O quadro é apontado por estudo inédito da UFRJ, que levantou a percepção da população adulta do país sobre ações de combate à pobreza e à desigualdade. A pesquisa, feita por amostra, entrevistou 2.200 pessoas no país com 16 anos ou mais.
Sob coordenação da professora Lena Lavinas, do Instituto de Economia da UFRJ, e com participação de pesquisadores de outras instituições, como a UFF, o estudo, financiado pela Finep e com pesquisa de campo realizada em setembro e outubro de 2012, traz como um dos principais resultados a opinião sobre os benefícios concedidos pelo Bolsa Família.
O levantamento apresentou uma série de afirmações aos entrevistados, perguntando se eles concordavam totalmente com elas; se concordavam; se eram indiferentes ou neutros à afirmação; se discordavam; ou se discordavam totalmente.
Questionados sobre a afirmação “Sempre haverá pobres, logo, programas como o Bolsa Família não devem acabar”, 52,4% dos entrevistados concordaram totalmente, e outros 20,8% concordaram, o que dá um total de 73,2% de brasileiros que desejam a continuidade do programa; na outra ponta, 9,5% discordaram totalmente, e 6,7% discordaram, num total de discordância de 16,2%. Além disso, 61,6% concordam totalmente com a ideia de que o governo deve intervir para reduzir desigualdades entre ricos e pobres.
Já quando a pergunta é sobre se o valor do benefício deveria aumentar, a população se divide: 27,3% concordam totalmente com a ideia, mas um percentual maior, 28,2%, discorda totalmente. Isso apesar de 63% dos entrevistados acreditarem (somando os que concordam e os que concordam totalmente) que o benefício dado pelo programa tem valor baixo.
Sobre a afirmação “O Bolsa Família tira muita gente da pobreza”, 43,1% discordaram totalmente, o que, somado aos 15,8% que discordaram, dá uma parcela de 58,9% da população que não acreditam nisso. No outro lado, 16,3% são totalmente favoráveis à ideia, e 17,1%, favoráveis, um total de 33,4%.
A condicionalidade do programa de exigir que as crianças das famílias beneficiárias frequentem a escola e postos de saúde é aprovada totalmente pela maioria, 68%. E também a maioria, 51,6%, acha que a beneficiária do Bolsa Família vai querer ter mais filhos “só para receber mais benefícios em dinheiro” — apesar de o Censo 2010 do IBGE ter mostrado que a taxa de fecundidade no país está caindo em todas as faixas de renda, com as maiores quedas tendo sido entre as mulheres pretas no Nordeste.
Perguntados sobre políticas universais, mais da metade acha que Educação e Saúde devem ser públicas e universais, mas 71,4% defendem que os pobres “devem ser ajudados primeiramente pelo governo”, mostrando que a maioria apoia ações focalizadas contra a pobreza.
— A população brasileira adulta julga que cabe ao Estado combater a pobreza e a desigualdade. Mas, quando se trata de como fazer isso, surgem clivagens, bem definidas e muitas vezes antagônicas. A questão não reside em mais Estado ou menos Estado, mas na forma da sua intervenção — afirma Lena.
Para ela, as falhas na oferta de serviços públicos estimulariam na população a visão de que é necessário esforço para se ter os direitos de que se precisa:
— O que parece mais preocupante é o descompromisso com a visão de um bem-estar comum. As falhas de governo na provisão de direitos básicos, na quantidade e qualidade necessárias, têm generalizado a “necessidade” de seguros privados, deduções fiscais e por aí vai, uma privatização de direitos sociais. O pensamento é: se tenho de pagar, pois não tenho o que quero e necessito, logo, o combate à pobreza, vista pela maioria como falta de esforço, deve implicar condicionalidades e esforço também.
— Ainda há uma reação grande das pessoas no Brasil em relação à renda sem trabalho, porque as experiências de renda independentes do trabalho são recentes aqui. A primeira foi em 1974, uma renda para idosos que depois se tornaria o BPC (Benefício de Prestação Continuada); mas, depois dela, só na metade dos anos 90, com programas municipais de transferência de renda a famílias pobres com crianças. A opinião de que você tem de fazer jus ao que recebe atravessa muitas classes. Existe entre os próprios beneficiários do Bolsa Família; muitos, quando não precisavam mais do benefício, iam com orgulho devolver o cartão — destaca Ana Fonseca, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp e ex-secretária para Superação da Extrema Pobreza do Ministério do Desenvolvimento Social.
— É ótimo o valor dado ao trabalho, mas isso não significa que o pobre não trabalhe; 70% dos beneficiários do Bolsa Família trabalham.
Professora da UFF e coordenadora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento, Celia Kerstenetzky destaca a contradição nas opiniões:
— Há um forte apoio dos brasileiros ao formato de nossas principais políticas sociais: dos serviços universais aos programas focalizados de renda. E esse formato é um pouco incoerente, pois é, de um lado, universalista e fincado em direitos (Educação e Saúde como direitos sociais do cidadão), ainda que subfinanciado; e, de outro, focalizado na pobreza com programas de renda como o Bolsa Família. Mas me surpreendeu o fato de boa parte dos brasileiros considerar baixo o valor do Bolsa Família e o considerar pouco eficaz, ao mesmo tempo em que é contra a elevação do benefício. Talvez a ideia aqui seja a crença nas “portas de saída”, um tema que tem frequentado o debate em torno do programa — avalia Celia.
— Outro aspecto é o maior apoio à redistribuição encontrar-se entre os brasileiros com maior escolaridade, algo que mostra a complexidade desse apoio, não diretamente dependente da posição de classe ou do auto-interesse econômico dos indivíduos, mas também de valores e acesso à informação, conclui.

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