9 de janeiro de 2013

MATIAS SPEKTOR A questão externa



Diplomacia brasileira pode ser talhada para acelerar a redução da pobreza, mas é preciso quebrar a cabeça
Se você liga para política externa, não perca a produção recente de André Singer (USP), Jessé de Souza (UFJF), Luiz Werneck Vianna (PUC-Rio) e Marcelo Neri (Ipea). À primeira vista não parece, mas suas mensagens são cheias de consequências para a condução da diplomacia.
Por vias distintas, eles dão sentido à polarização emergente entre os 10% mais ricos da população do país e a maioria absoluta de pobres e semipobres que agora revoluciona a política e o mercado. A tensão incide sobre os costumes, a competição partidária, as políticas públicas, a qualidade da democracia e a natureza do capitalismo nacional.
Depois de ler esses autores, a pergunta que se coloca é clara: de que modo a polarização impacta a política externa brasileira?
Não há resposta fácil porque o fenômeno é novo. De quebra, não temos precedente histórico de uma diplomacia voltada para defender os interesses da massa empobrecida.
Ao longo do tempo, a política externa representou os interesses de financistas, exportadores e grandes industriais. Orientou-se estrategicamente para dar "autonomia" às elites nacionais em seu afã industrializante. Seu objetivo era desenvolver um capitalismo nacional, não gerar uma sociedade sem pobres nem minimamente igualitária.
Assim, a diplomacia ajudou a transformar o país de economia rural em sexta potência industrial em uma geração. O modelo é perverso. A metade das pessoas ainda não tem esgoto em casa. Quase 70% ganham até dois salários mínimos. E o número de homicídios supera muitas vezes o de países em guerra, como Iraque e Afeganistão.
O compromisso com a agenda antipobreza, quando chega ao discurso diplomático, é mais retórico do que prático. Não surpreende que os chavões mais repetidos tenham 40 anos de uso.
Existe agora a oportunidade de dar um passo atrás e imaginar como seria uma diplomacia talhada para acelerar a redução da pobreza e da desigualdade.
Essa guinada reformaria o comportamento internacional do país em áreas como direitos humanos, comércio, desarmamento, ambiente, imigração, combate ao tráfico de drogas, ajuda para o desenvolvimento e integração regional.
Uma mudança dessa envergadura não será fácil, porque vai demandar graus de acomodação inéditos.
Tome-se, por exemplo, o caso das multinacionais brasileiras. A política externa opera hoje para facilitar-lhes o voo na África e na América do Sul, beneficiando regiamente o capital nacional. Contudo, essa mesma política produz efeitos deletérios para quem está na base da pirâmide social.
Na vida de um país que é campeão mundial de desigualdade, injustiça e arbítrio, mas quer deixar de sê-lo, a política externa pode jogar um papel construtivo na reversão do quadro.
É necessário quebrar a cabeça com estudos detalhados para descobrir como.
Se isso nunca foi feito no passado, talvez seja porque as forças em jogo não estavam alinhadas nessa procura.
A julgar pelo que dizem nossos principais intelectuais públicos, as coisas quiçá começaram a mudar.
Folha de SP, 9/1/2013

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