Folha de S.Paulo, 9/2/2013
SÃO PAULO - Em geral, gosto muito do que escreve João Pereira Coutinho, mas, quando o assunto é bioética, não habitamos o mesmo planeta. A crítica que ele fez das barrigas de aluguel não me convenceu.
Para começar, é temerário invocar o imperativo categórico de Immanuel Kant para lidar com dilemas morais do mundo real. Não podemos esquecer que, pela ética kantiana, estamos obrigados a revelar ao assassino o local onde se esconde sua presa.
Apesar de ser um fã do filósofo de Königsberg, acredito que precisamos olhar também para as consequências das ações. E, no caso da mãe de aluguel indiana, não dá para ignorar que ela está US$ 7.000 melhor após o acordo, do qual participou voluntariamente, do que estava antes dele. Pode usar a recompensa para comprar uma casa, educar um filho ou simplesmente torrá-la, se preferir. O útero e o dinheiro são dela e não vejo base moral para impedi-la de fazer o que quiser com eles.
A situação mudaria de figura se houvesse uma parte prejudicada. Mas, por mais que procure, não encontro. Coutinho diz que não é legal para a criança descobrir que foi comprada como uma bolsa Louis Vuitton. Pode ser, mas esse é um trauma superável e amplamente compensado pelo fato de a criança ter visto a luz do dia. A alternativa ao leasing uterino, afinal, era não nascer.
É certo que a mãe de aluguel só topou a empreitada porque era indianamente pobre. Mas não vejo diferença crucial entre ceder o útero por nove meses ou alugar os músculos por 12 horas diárias ao longo de toda a vida, como fazem muitos trabalhadores indianos. Se há um problema moral na barriga de aluguel, ele também existe no trabalho assalariado.
Fora de compêndios filosóficos, é difícil seguir uma linha totalmente principista, como a de Kant, ou puramente consequencialista, mas pendo para a segunda. Se um acordo é desejado pelas partes e não prejudica terceiros, não cabe ao Estado interferir.
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