14 de julho de 2013

'Anonymous' lidera ativismo digital nos protestos, diz estudo


Pesquisa baseada em 500 mil comentários de internautas mostra que grupo foi decisivo nas manifestações de junho
Primeiras atividades no Brasil ocorreram em 2011, quando sites do governo federal foram atacados por grupo
RUBENS VALENTEJOÃO CARLOS MAGALHÃESDE BRASÍLIA, Folha de S.Paulo, 14/7/2013

Nem movimento pela tarifa zero nem partidos, sindicatos ou políticos. Os responsáveis pelos maiores focos de atividade no Facebook nos dias-chave dos protestos de rua em junho foram os integrantes da rede de ativismo hacker "Anonymous".
A conclusão é de um estudo feito pela empresa InterAgentes, do cientista social Sérgio Amadeu, doutor em ciência política pela USP e ex-presidente do ITI (Instituto Nacional de Tecnologia de Informação), autarquia vinculada à Casa Civil da Presidência.
Esses internautas, que se identificam apenas por apelidos e usam máscaras inspiradas no filme "V de Vingança" (2006), dominaram os "nós de relevância" no tráfego do Facebook nos dias 13, 17, 18 e 20 de junho, quando centenas de milhares de pessoas foram às ruas.
"Os Anonymous' tiveram relevância na disseminação das informações e na articulação da solidariedade ao que era o movimento inicial pela redução das tarifas e contra a Copa. Eles foram decisivos", disse Amadeu.
A pesquisa começou com a cópia de mais de 500 mil comentários e mensagens abertas ao público postadas na rede social e que continham cerca de 50 expressões-chave, como "protesto" e gritos de guerra dos manifestantes.
A massa de dados foi então interpretada pelo software de visualização de dados Gephi.
O programa apontou os perfis que se tornaram "nós" dominantes, isto é, receberam maior atenção em comentários, compartilhamentos de informações sobre os protestos e convocações para as manifestações de rua.
Foi estabelecido um ranking com os cinco maiores "nós" de cada dia. Dos 20 listados, 12 traziam a bandeira "Anonymous".
O nó "Passe Livre São Paulo" apareceu apenas em um dia, 13, quando a polícia reagiu com violência à marcha em São Paulo. Depois, desapareceu dos cinco primeiros lugares de maior relevância.
MASCARADOS
Surgidos nos EUA, os "Anonymous" ganharam atenção em 2010, quando fizeram um cerco cibernético a empresas que atuaram contra o Wikileaks a pedido do governo norte-americano.
As primeiras atividades no Brasil datam de 2011, quando atacaram e derrubaram sites do governo federal.
Os chamados "anons" não formam um grupo único. São vários "coletivos", que às vezes divergem uns dos outros, mas giram sempre em torno de ideias gerais em comum, como a defesa radical da liberdade de expressão e o acesso irrestrito à informação.
Outros dois estudos de empresas consultadas pela Folha --um do grupo Máquina/Brandviewer e outro da E.life--, confirmam a intensa atividade dos "anons" na época dos protestos.
"Essas redes descentralizadas é que permitiram a organização tão rápida desses grupos. É o mesmo tipo de organização usado por redes como a Al Qaeda, por exemplo, ou as antigas redes de troca de música", disse o executivo da E.life, Alessandro Barbosa Lima.
POLÍCIA
O protagonismo virtual dos "Anonymous" nos protestos de rua também já chamou a atenção, segundo os "anons", da Polícia Federal.
Os ativistas divulgaram, na semana passada, vídeo postado por "Bile Day", um conhecido "anon", em que declaram estar passando por uma "repressão política".
A gravação afirma que a PF "tem realizado visitas nos lares de alguns membros de nossas mídias sociais para interrogá-los sobre atuações e pensamentos, na tentativa de intimidar e enfraquecer a nossa luta".
Procurada, a assessoria da Polícia Federal informou que não poderia se manifestar sobre "algo que não se sabe se ocorreu" e disse não poder confirmar, nem desmentir, a existência de investigação sobre os "Anonymous".

Movimento funciona como resistência política, diz pesquisa
'Anonymous' se fortaleceu no Brasil após os protestos contra a corrupção promovidos em setembro de 2011
Estudo, que se baseou em 22 entrevistas, mostra divergências entre grupo, que derrubou sites da Globo
DE BRASÍLIAOs "Anonymous" no Brasil atuam como "resistência política" a uma "sociedade de controle" do indivíduo e, antes dos recentes protestos de rua no país, já haviam participado ativamente da organização de manifestações contra a corrupção, como no 7 de setembro de 2011.
É o que aponta um estudo inédito do mestre em ciências sociais Murilo Bansi Machado, da UFABC (Universidade Federal do ABC), um raro trabalho sobre essa rede de ativistas cibernéticos.
O estudo, concluído em maio e que deve virar livro neste ano, se valeu de entrevistas com 22 membros da rede de ativistas.
"É difícil pensar nos Anonymous' se você aplicar os conceitos da política tradicional ou do senso comum. Pensar de que lado essas pessoas estão, a quem respondem, quem é o líder?', você vai incorrer em erro," disse Machado à Folha.
"É uma outra lógica de participação política, é até uma forma de contestar a própria participação política atual, o nosso sistema de representação", completou.
Por ocasião das comemorações do Dia da Independência, em 2011, os "anônimos" saíram da internet e atuaram na organização dos protestos nas ruas. O mote principal era "a luta contra a corrupção".
"Parte do movimento dedicou-se a realizar oficinas para produção de camisetas, flyers', cartazes etc. Outra parte preferiu atuar pela rede, divulgando informações em blogs e sites", descreve o estudo de Machado.
No dia combinado, o ato de maior sucesso ocorreu em Brasília. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal calculou 12 mil manifestantes. Contudo, a adesão foi baixa em outras 50 cidades nas quais a manifestação foi convocada.
O ato serviu para unir mais os "anons", o que pode explicar a grande atividade deles nos protestos de junho último.
A marca da rede de ativistas é a diversidade.
Em 2012, os "anons" desencadearam uma "operação" para derrubar sites das Organizações Globo, o que não significa que sejam necessariamente adversários dos meios de comunicação. Muitos integrantes defendem a liberdade incondicional de expressão.
O ataque, descreve Machado, ocorreu de 2 a 10 de abril de 2012. Um pequeno grupo teve a ideia e a lançou na rede, onde recebeu cooperação. Foram atacados 25 sites ligados à Globo e alguns ficaram até 4 horas fora do ar.
O episódio gerou críticas entre os "anons". Um deles disse ao pesquisador que a operação foi "burrice" e "sem sentido, sem passar nenhuma mensagem".
Por outro lado, os apoiadores da operação alegaram que não atacaram sites noticiosos. No meio da ação, um dos hackers organizadores pediu: "Sem ataques à [ao site] Globo.com. É um portal de notícias, gente!"

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