RIO - A desigualdade de gênero, que no mercado de trabalho é evidenciada pelos salários menores recebidos pelas mulheres, se inverte quando analisado o desempenho na escola. O fenômeno não é novo, mas vem se acentuando. As meninas têm ampliado a vantagem que já tinham em relação ao aprendizado de língua portuguesa e estão se aproximando dos meninos no que diz respeito ao desempenho em matemática. Além disso, as taxas de conclusão do ensino médio seguem superiores entre elas.
Um levantamento feito pelo movimento Todos Pela Educação a pedido do GLOBO mostra que, em 2013, o percentual de mulheres que conseguia concluir o ensino médio até os 19 anos de idade era de 61%. Entre os homens, o percentual caía para 48%, uma diferença de 13 pontos percentuais. Essa distância tem se mantido relativamente estável desde 2001.
Nesses 12 anos, os dois grupos registraram melhoria no indicador. Entre as mulheres, a proporção era de 37% no início do século. Entre homens, ficava em 29%, uma diferença de oito pontos percentuais.
Elas não apenas conseguem completar o ensino médio em maior proporção, mas também estão aprendendo mais. Em 1995, primeiro ano em que foram realizados testes nacionais de aprendizagem pelo MEC, as meninas já apresentavam desempenho superior em língua portuguesa nos dois ciclos do ensino fundamental. No ensino médio, as médias eram praticamente iguais. Já em matemática, em todos os ciclos analisados, meninos superavam meninas.
Os últimos dados de aprendizagem, referentes a 2013, mostram que elas ampliaram a vantagem que já tinham em língua portuguesa em todos os níveis registrados. E, se ainda não superaram os meninos em matemática, estão chegando perto. No 5º ano do ensino fundamental, já não há mais diferença no desempenho. No 9º ano do fundamental e no 3º do ensino médio, essa vantagem masculina ainda persiste, mas registrou queda significativa.
Tanto para meninas quanto para meninos, porém, os indicadores de aprendizado são insuficientes. Em língua portuguesa, ao final do ensino médio, 29% das adolescentes tiveram desempenho considerado adequado de acordo com os critérios utilizados pelo Todos Pela Educação. Entre os homens, o percentual foi de 25%. Nas provas de matemática, esses percentuais são, respectivamente, de 7% e 12%.
DIFERENÇA EXISTE EM OUTROS PAÍSES
A diferença é uma constante ao longo dos últimos anos e, segundo a coordenadora-geral do Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco, se faz presente em outros países. Por isso, ela defende que o tema precisa ser colocado de maneira efetiva na agenda dos pesquisadores, para que as causas sejam investigadas e combatidas.
— É curioso observarmos que as diferenças se acentuam nas séries mais avançadas. No caso da matemática, por exemplo, o desempenho é muito equilibrado nas séries iniciais. Mas as meninas vão ficando gradativamente para trás. Isso mostra que precisamos identificar quais são as brechas que dão origem a essa diferença e desenvolver políticas públicas para combatê-las.
Levantamentos recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, na sigla em inglês) de 2012 também voltaram a colocar essa realidade em debate. De acordo com a avaliação internacional de estudantes de 15 anos, que acontece a cada dois anos, 14% dos garotos não atingem o nível básico de aprendizado em matemática. Já entre as meninas, o número cai para 9%. No Brasil, o percentual de meninos com baixa pontuação nos testes é de mais de 45%, enquanto o de meninas é menor que 40%.
O coordenador do “Projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil”, da UFMG, Luciano Mendes de Faria, lembra que esse quadro já era observado mesmo quando as mulheres possuíam um tempo de escolaridade menor que os meninos.
— Justamente por essa condição, elas foram aprendendo, ao longo dos anos, que precisavam tirar o máximo de proveito daquele período — observa.
Dando continuidade a essa lógica, Faria lembra que, do ponto de vista da organização social e cultural das sociedades, a escola não representa a mesma coisa para os dois gêneros:
— Para elas, o colégio compete fortemente com o serviço doméstico. Então, ir para escola pode despertar a sensação de acessar um ambiente muito mais interessante, que pode levá-las ao mercado de trabalho, deixando para trás uma rotina estafante. Já para os meninos, a escola compete com a rua, com as brincadeiras, já que eles foram liberados da casa. Portanto, o ambiente da escola ainda soa como mais positivo para elas.
Se essa realidade soa como arcaica, a professora da Faculdade de Educação das USP, Marília Carvalho, lembra que a discussão de gênero ainda passa longe das escolas.
— Como as meninas, moças e mulheres brasileiras vão bem nas escolas, parece que não há nada a discutir aí, não há questão de gênero. Mas nosso desafio é questionar as masculinidades e ajudar os meninos a irem bem na escola — avalia.
Para ela, é preciso colocar a temática na formação de professores e rever atitudes. Como sugere Marília, a escola pode incentivar e valorizar os alunos a fazerem o que gostam, independentemente do sexo:
— Meninas podem jogar futebol e meninos podem gostar de poesia e romances. É comum professores duvidarem da capacidade das meninas em matemática, não incentivá-las em ciências e, em reverso, duvidarem da capacidade dos garotos para escrever ou fazer tarefas minuciosas. Um caderno bonito, colorido e limpo, com uma letra caprichada, é considerado um caderno feminino. O menino que produz um caderno assim tem sua masculinidade questionada — e não só pelos colegas, também pelo pessoal escolar.
A educadora Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC-Rio, pontua que todo esse quadro também indica a falta de um acompanhamento mais individualizado dos alunos. Para ela, cabe aos professores identificar as particularidades de cada um e buscar as melhores formas de atraí-los para o aprendizado:
— Os professores precisam ficar atentos para não afastar nenhum aluno das áreas de conhecimento. É preciso buscar formas democráticas de aplicar um conteúdo, tornado-o atraente a todos.
ESCOLA DEBATE O PRECONCEITO
Para combater a desigualdade de gêneros, o Colégio Mopi incluiu a discussão de gênero em sua rotina escolar. No Núcleo Diversificado do Ensino Médio, os alunos passam por quatro disciplinas que tocam a questão em seus respectivos conteúdos: educação financeira; ciência, tecnologia e sociedade; comunicação e expressão e política.
— Por meio de encontros a gente trabalha, entre outros temas, a importância da mulher no mercado de trabalho e discutimos questões como as diferenças salariais — menciona o coordenador do ensino médio da instituição, André Chaves. — Os alunos chegam com essa cultura da diferença entre os gêneros e tentamos mudar essa lógica, mostrando que todos têm as mesmas competências cognitivas para todas as áreas.
O núcleo foi implantado em 2013 e, segundo Chaves, tem trazido bons resultados. Os meninos ficaram mais esclarecidos sobre a importância da igualdade e as meninas, empoderadas. No ano passado, por exemplo, uma eleição simulada para presidente do Brasil teve quatro candidatos. Apenas um era menino, e quem venceu foi a atual aluna do terceiro ano Juliana Vinchon, de 17 anos.
— Uma das coisas que mais me motivaram a participar da eleição foi justamente o fato de se mulher. Acho importante peitar o preconceito — afirma a garota, que tinha em seu programa políticas para promover a igualdade.
Mas a candidatura de Juliana não significou a formação de um “Clube da Luluzinha”. Por trás dela, o aluno do segundo ano Raphael Riccio, de 16 anos, assumiu a função de marqueteiro e era um entusiasta da escolha de Juliana.
— Ela era a pessoa mais apropriada, por ser comunicativa e articulada. Seria uma grande besteira deixar de tê-la como líder só pela condição de ser mulher.
E quando o assunto é desempenho, a realidade do colégio desafia o preconceito. Os melhores resultados em matemática no ensino médio pertencem a uma menina: Juliana Youssef, de 17 anos. Ela está no 3º ano e vai fazer vestibular para a própria disciplina.
— Sempre tive muita facilidade. Mas percebo que sou uma das poucas da minha sala que gostam — comenta, atribuindo isso a um preconceito vigente na sociedade. — A maioria das minhas amigas vai para a área de humanas e questiona minha escolha. Acho que faltam estímulos para as garotas. A gente pode estar deixando de ter ótimas profissionais na área por causa disso.
Enquanto isso, o também aluno do 3º ano Pedro Augusto, de 17 anos, segue com as melhores notas em português. O jovem que deseja cursar Direito é bastante crítico à desigualdade:
— Meninas e meninos têm capacidade igual. Não faz sentido que isso ainda exista. Espero que a gente esteja caminhando para uma mudança breve.