3 de maio de 2015

HÉLIO SCHWARTSMAN Prisão invisível


SÃO PAULO - Polêmicas culturais, como as discussões sobre pena de morte, aborto, legalização das drogas etc., estão inscritas em nosso DNA. O debate, porém, fica por vezes comprometido pelo fato de que, no mundo de hoje, nem sempre conseguimos visualizar as supostas soluções para os problemas ao longo de todo o espaço amostral, isto é, avaliando as consequências para além dos efeitos mais óbvios.
Um bom exemplo é a questão do encarceramento. Não é difícil entender por que a população clama por penas mais duras. No Brasil, tornou-se racional resolver conflitos e apuros financeiros recorrendo ao crime, já que são baixas as chances de ser apanhado. Nossas polícias não conseguem investigar e chegar aos autores dos delitos. Para citar um único número aterrador, 80% dos inquéritos de homicídio são arquivados.
As pessoas, porém, não estão por dentro das mazelas do sistema. Elas veem os crimes, que são ainda amplamente destacados pela mídia, e advogam pela solução mais intuitiva, que é prender os criminosos. Há obviamente alguma correlação (ainda que não necessariamente alta) entre punição e redução da criminalidade.
O que a população não vê tão claramente é que há também custos nesse processo. O excesso de punição pode ser tão danoso para a sociedade quanto a falta. Isso é particularmente claro nas sociedades de coletores-caçadores, nas quais a defecção de um membro e sua família imediata já pode inviabilizar o grupo.
No mundo atual, o preço do excesso de punição vem por várias vias. A mais óbvia é que é caro construir presídios e manter condenados ali. Há ainda os custos com a Justiça e a mais etérea, mas não menos danosa, redução da confiança entre as pessoas.
O desafio é encontrar um jeito de diminuir a impunidade sem botar mais gente na cadeia. Até os norte-americanos perceberam que sair prendendo não é solução e ensaiam o movimento de esvaziar presídios.

Folha de S.Paulo, 3 /05/2015

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