16 de outubro de 2015

Não investir em Educação é "insanidade", diz pesquisador

16 de outubro de 2015
Em entrevista, o sociólogo Marcelo Medeiros afirmou que Brasil tem uma emergência social que está sendo esquecida em meio ao debate a respeito da crise econômica

Fonte: Valor Econômico (SP)



O Brasil tem uma emergência social que está sendo esquecida em meio ao debate a respeito da crise econômica e do ajuste fiscal. A afirmação é do sociólogo Marcelo Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e que, desde 2001, dedica-se a estudar a desigualdade social brasileira a partir do comportamento dos mais ricos. "Estudar a riqueza é uma forma de entender o que torna o país tão desigual, e o que pode ser feito para mudar isso", diz.
Na opinião de Medeiros, o país não pode permitir que a justificável preocupação com o curto prazo impeça a sociedade de planejar e debater as próximas décadas.
"Meu medo é que estejamos entrando na espiral do debate político que havia o Brasil na época da hiperinflação", afirma. A pouca atenção dada aos investimentos em Educação trará retrocessos relevantes ao país na divisão internacional do trabalho, diz Medeiros. "As decisões têm que ser tomadas agora, independentemente de crise financeira ou não", diz. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O sr. diz que não dá para saber qual será o efeito do ajuste sobre a desigualdade. Por quê?
Marcelo Medeiros: As pessoas mais ricas do país têm peso gigantesco sobre a desigualdade total. É o comportamento da renda delas que, em parte, compromete a desigualdade total, e não, por exemplo, o comportamento da renda dos mais pobres. Como exceção, conseguimos imaginar o que vai acontecer com os mais pobres, que geralmente é piorar. Mas saber o que vai ocorrer aos mais ricos envolve diversos fatores. No contexto do ajuste fiscal, há uma pergunta central: quem deve pagar o ajuste?
Valor: Por enquanto, as medidas do ajuste fiscal atingem mais os mais pobres, não?
Medeiros: Houve, até agora, uma preocupação estritamente financeira. É importante ter em mente que a gente precisa de um ajuste fiscal, mas com um ajuste social simultâneo.
Valor: Como fazer o ajuste social?
Medeiros: Não tenho fórmula mágica e não é uma solução trivial, mas o debate está extremamente centrado nas questões financeiras. Estamos tendo que fazer ajuste em função de várias decisões erradas na política econômica. Alguém terá que pagar por ele. Para mim, deve pagar mais quem pode mais.
Valor: Nesse debate entram propostas como a tributação de heranças, por exemplo?
Medeiros: É claro que isso poderia estar sendo discutido, mas o Brasil precisa de uma discussão muito maior. Sobre o que vai acontecer depois do ajuste. Vamos ter que continuar tomando decisões muito importantes. O Brasil precisa, há vários anos, de uma reforma tributária.
Valor: Uma reforma que atacasse quais pontos?
Medeiros: Temos um sistema tributário que carrega muito nos tributos indiretos, sobre o consumo, e alguns sobre produção. E carrega pouco, proporcionalmente, na tributação sobre a renda, que é a tributação direta, que é progressiva. Na tributação da renda e sobre a propriedade, paga mais quem pode mais. Nos tributos sobre consumo, paga todo mundo da mesma maneira. E isso não vai ser resolvido em uma decisão de ajuste.
Valor: A discussão está muito emergencial, na sua opinião?
Medeiros: Não é que não exista uma emergência que precisa ser resolvida. Mas há uma emergência social que não está sendo discutida no Brasil. Se você não cuidar seriamente do problema educacional, vamos pagar caríssimo por isso no futuro. As decisões têm que ser tomadas agora, independentemente de o Brasil estar em uma crise financeira ou não. Meu medo é que estejamos entrando na espiral do debate político que havia no Brasil na época da hiperinflação.
Valor: Que espiral?
Medeiros: A obsessão do debate era a hiperinflação. No dia que se acabou com a hiperinflação, havia uma agenda aberta que precisava ser discutida, porque não havia sido anteriormente. É claro que você tinha que acabar com a hiperinflação. Mas o fato é que você, em parte, deixou de lado questões de longo prazo. Agora temos um outro problema importante, a questão fiscal, que precisa ser enfrentada. Mas não podemos esquecer que, depois que o problema fiscal for resolvido, teremos uma grande lista de problemas a resolver.
Valor: Há economistas que dizem que não é preciso elevar o gasto em Educação, porque a população está envelhecendo.
Medeiros: Isso é insano. Provavelmente é o investimento com o maior retorno que existe. É uma insanidade você não gastar com Educação. É trocar o seu futuro por um ajuste de curto prazo. Vamos precisar gastar mais com Educação, muito mais, se quisermos ter Educação de boa qualidade a ponto de aumentar a produtividade do trabalho. Educação de boa qualidade custa caro. O que as pessoas vão ter que entender é que, se você vai querer competir em termos educacionais com Educação de qualidade, você vai ter que gastar em termos absolutos, em dólares, em reais, o que os países que têm Educação de qualidade gastam.
Valor: Está claro quem está pagando o ajuste até agora?
Medeiros: Você está dizendo que o país está pagando como um todo, o que não é verdade. Tem gente usando o debate fiscal para tentar impor agendas políticas.
Valor: Que tipo de agenda?
Medeiros: Uma agenda, por exemplo, de desregulamentar direitos sociais, de desvincular a Previdência do salário mínimo. Essa não é uma medida de ajuste de curto prazo. É uma medida que tem que ser tomada publicamente no fórum correto em uma democracia, que é o Congresso. Não estou dizendo que ela não deva ser tomada. Estou dizendo que o lugar para tomar essa decisão não é na surdina do pânico de um ajuste. Por que não é a hora? Porque você tem um Congresso que está extremamente fragilizado, que está jogando politicamente na iminência de um impeachment e vai estar disposto a fazer coisas que ele não faria em condições normais. É um pouco covarde de um ponto de vista democrático usar esse jogo pra imposição de agenda, para a direita ou para a esquerda.
Valor: Na reforma tributária, quais as propostas prioritárias?
Medeiros: Há algumas que já são praticamente consenso. Primeiro: você tem que transferir a carga do consumo para a renda. Dois: o Brasil tem que tributar a propriedade. Qualquer país do mundo bom e decente tributa propriedade. Para isso ele tem que montar um registro nacional de propriedades, equivalente a um Renavam [registro nacional de veículos]. Tornar tributos mais progressivos, de modo que mais os mais ricos paguem mais, então precisa mexer inclusive no Imposto de Renda. Mas o debate tributário brasileiro é tratado de maneira infantil, como no 'impostômetro', ou quando se diz o Brasil paga mais imposto que não sei quem. O que é preciso são propostas: 'vamos tirar dinheiro de cá para lá, mas vai haver queda de arrecadação e precisaremos compensar. Se houver a União tem que assumir tais tarefas de gastos'. Nós não sabemos qual é a distribuição de riqueza no Brasil. Sequer temos condições instrumentais razoáveis para levar esse debate adiante. Temos pouca informação sobre arrecadação tributária no Brasil. A Receita por um lado tem o sigilo fiscal, mas por outro tem o dever de facilitar o planejamento tributário no país.
Valor: Há risco de retrocesso nas conquistas sociais recentes?
Medeiros: É muito pouco provável que haja retrocesso em algumas conquistas, porque são vinculadas a gastos fixos, como saúde e Educação. Nesse sentido é provável que não haja perdas. Dependendo de como administrarmos o ajuste, quem vai pagar são os mais pobres ou os mais ricos. Depende de como será conduzido o ajuste.

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