21 de outubro de 2015

Sem Tropa de Elite, Antonio Gois

21 de outubro de 2015
"Escolas privadas brasileiras também têm baixas taxas de aprendizado e altos percentuais de reprovação", afirma Antônio Gois

Fonte: O Globo (RJ)



Imagine um sistema educacional em que dois terços dos alunos terminem o ensino médio sem aprendizado adequado em matemática; com mais de um terço dos professores do antigo segundo grau atuando sem formação adequada para a disciplina lecionada; que tenha taxas de reprovação muito superiores ao que é tolerado em nações desenvolvidas; e que, na comparação com países ricos e considerando alunos de mesmo perfil, fique sempre nas últimas posições em rankings internacionais de aprendizado. Parece que estamos falando da educação pública brasileira, mas esses dados são todos da rede privada, que atende a apenas 15% dos estudantes, especialmente os de famílias de maior renda.
É claro que, comparados com indicadores do sistema público, o setor privado no país ainda aparece melhor na fotografia. Essa vantagem, porém, é explicada, em primeiro lugar, pelo perfil de aluno atendido, variável que explica de 60% a 80% dos resultados de uma escola. Também é preciso considerar que há dentro da rede privada muita discrepância entre estabelecimentos que atendem alunos de maior ou menor renda. Reportagem de Fábio Vasconcellos no Globo mostrou na segunda-feira que este fator, além da formação do professor e das taxas de evasão, diferenciam escolas de maiores e menores médias no Enem.
Há alguns indicadores, porém, em que a vantagem da rede particular nem mais existe, quando se comparam as médias dos dois setores. É o caso do salário dos professores, que já são, em média, maiores na rede pública do que nas particulares, como mostram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE.
A análise dos indicadores da rede privada do país foi facilitada com a recente postura do Inep (instituto de pesquisa e avaliação do MEC) de disponibilizar novos dados do setor, com algumas informações disponíveis inclusive por escola. Os números permitem constatar, por exemplo, que 35% dos professores em colégios pagos dão aulas no ensino médio sem formação adequada para a disciplina que lecionam, percentual não muito diferente dos 39% registrados nas redes estaduais.
Outra contribuição do Inep está na divulgação das taxas de reprovação. No setor privado, a média é de 5,5% de alunos reprovados no ensino médio, taxa que sobe a 9,1% quando considerado apenas o primeiro ano do antigo segundo grau. Ainda que esses dados não sejam perfeitamente comparáveis com as taxas de repetência calculadas pela Unesco por país, é possível ter algum parâmetro internacional e constatar que esse percentual é inaceitável para padrões de países ricos. Na Europa, a proporção de repetentes no ensino médio é de 2,7%, e nos países com melhores resultados educacionais essa taxa costuma ser simplesmente zero.
A cultura da reprovação é uma praga que assola até mesmo colégios de elite com altas médias no Enem. No grupo dos 20 com melhores resultados no Rio, por exemplo, há escolas que reprovam em média 26% dos seus alunos no ensino médio.
Esse tema, raramente abordado, foi estudado em profundidade pela educadora Diana Mandelert na tese de doutorado na PUC-Rio “Repetência em Escolas de Prestígio”. Ao entrevistar pais, professores e diretores, ela identificou nesses atores uma cultura de aceitação da reprovação. Um dos motivos para isso é que a prática seria considerada uma maneira de separar aqueles que podem seguir adiante daqueles que não se esforçaram o suficiente e devem ficar para trás, valorizando assim o diploma dos que conseguem chegar ao final. “A escola deixa de ser um direito de todos e passa a ser algo para quem merece, apenas para quem tem mérito.” E os colégios de elite também se beneficiam dessa mentalidade pois podem, com isso, selecionar apenas os jovens de melhor desempenho, o que garantirá ao final uma boa média no ranking do Enem, ao custo da reprovação e expulsão de vários alunos.
Um modelo educacional excludente, baseado em altas taxas de repetência, pode dar a falsa sensação a alguns pais de que seus filhos estão protegidos da má qualidade do ensino por estarem matriculados em colégios de elite onde poucos se formam. A conta desse equívoco, porém, acaba chegando para todos. Basta ver os pífios resultados dos jovens mais ricos brasileiros quando comparados no Pisa (exame internacional da OCDE) com estudantes de mesmo nível socioeconômico em outras nações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário