2 de outubro de 2017

PRISCILA CRUZ E RAFAEL PARENTE Romper com a malandragem



Tânia Rêgo/Agência Brasil
OCDE: Brasil está entre os que menos gastam com ensino primário, mas tem investimento 'europeu' em universidade --- Despesas por universitário brasileiro superam o investimento de países como Itália e Polônia | Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil
Professora dá aula em universidade
O desenvolvimento da nossa identidade brasileira foi permeado ao longo da história pela priorização de benefícios particulares de curto prazo em vez da busca pelo bem coletivo.
Até hoje vemos a busca pelo progresso pessoal comumente se traduzir na atitude de levar vantagem -as grandes e pequenas corrupções cotidianas- sobre os outros com a justificativa malandra de que, se não for assim, nada se consegue.
Personagens como Macunaíma e Zé Carioca materializaram e internacionalizaram esse estereótipo, apelidado de jeitinho brasileiro, apesar de não ser exclusividade nossa.
Sérgio Buarque de Holanda e Roberto Da Matta são só alguns dos que se debruçaram sobre a construção dessa identidade e das razões que nos levam a buscar soluções imediatas.
Consequência desse modo de pensar e agir é o descaso com a educação, que precisa ser compromisso de longo prazo de toda a sociedade com todas as crianças.
Ao viver tantas crises cíclicas e sobrepostas, a população brasileira está cada vez mais cansada dessa lógica da malandragem. Começamos a desejar um futuro longe dela, no qual possamos reconstruir nosso moral. Ansiamos pelo rompimento definitivo desse pacto secular com a corrupção.
O movimento Agora!, do qual somos cofundadores, divulgou uma pesquisa que mostra o desejo dos brasileiros de mudar essa realidade e dar seu voto a quadros diferentes dos atuais: 79% gostariam de votar em "cidadãos comuns". Queremos que o Brasil comece um compromisso sério com a segurança, a educação e a saúde de qualidade.
Precisamos ressignificar o que é ser brasileiro, que nação queremos construir -inclusive de que privilégios estamos dispostos a abrir mão.
Existe uma questão central e inegociável para a reconstrução do país: a educação. Democracia forte e educação de qualidade são interdependentes. Daremos centralidade à educação ou ela continuará a ser uma política proclamada importante, mas que na verdade não é a grande prioridade?
Entre os objetivos fundamentais da República, descritos no artigo 3º de nossa Constituição, estão a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a redução das desigualdades e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de qualquer tipo.
Por ora, não estamos conseguindo atingir esses fins -há uma bandeira enorme à nossa frente sinalizando fracasso.
E, de tanto plantar o descaso com a educação, colhemos hoje a violência, a corrupção, o preconceito, a desigualdade, o racismo e tantas outros males que infelizmente definem o nosso cotidiano.
Não há, portanto, a menor possibilidade de alcançar esses objetivos sem nos esforçarmos em garantir obsessivamente a aprendizagem a todas as crianças e todos os jovens.
Enquanto a formação para fazer das nossas crianças cidadãos brasileiros éticos e autônomos não for o primeiro pensamento da sociedade ao acordar pela manhã, não tem jeito, continuaremos achando normal, embora insatisfeitos, que uns levem vantagem sobre outros de forma injusta. É preciso coragem para romper com esse ciclo.
PRISCILA CRUZ, mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School, é uma das fundadoras e presidente-executiva do Todos Pela Educação e cofundadora do Agora!
RAFAEL PARENTE, doutor em Educação pela Universidade de Nova York, é diretor-executivo da Aondê/Conecturma, presidente do conselho do Ceipe/FGVRJ e cofundador do Agora!

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