25 de outubro de 2017

Bullying também se alimenta da omissão, mas é possível mudar isso, Érica Fraga



Não raro, eventos trágicos funcionam como gatilhos para discussões importantes para a sociedade.
Acho que o caso do adolescente que atirou em colegas, em Goiás, na semana passada, matando dois deles e ferindo outros quatro é, sim, uma oportunidade para discutir o bullying nas escolas.
Enfatizo o sim porque li e ouvi nos últimos dias análises que apontavam que outros jovens são alvos de brincadeiras desrespeitosas, recebem apelidos, se chateiam, mas não, necessariamente, saem atirando em colegas.
A discussão, segue o argumento, deveria focar, portanto, em acesso à arma, detecção precoce de distúrbios psicológicos etc.
São pontos pertinentes. Mas não vejo por que desperdiçar a oportunidade de discutir também o tema bullying suscitado pelo triste evento.
É um assunto que permanece cercado por tabu.
Professores, coordenadores e diretores de escolas normalmente arregalam os olhos quando abordados diretamente sobre o assunto e costumam responder na defensiva: não, aqui nesse estabelecimento de ensino isso é raridade.
Pais tratam o tema em conversas isoladas, quase sussurradas. As crianças, muitas vezes, têm vergonha de apresentar o problema em casa.
Falta de informação? Dificuldade em lidar com o assunto? Medo de estigma? Acho que há um pouco de tudo isso.
Mas tacitamente existe um reconhecimento da relevância do tema que ficou claro para mim quando acompanhei um seminário sobre habilidades socioemocionais em maio deste ano, em Fortaleza.
O evento —organizado por governo do Ceará, Instituto Ayrton Senna, Instituto Aliança e BID— reuniu especialistas brasileiros e estrangeiros.
A palestra que mais repercutiu nas conversas da plateia —formada por educadores, acadêmicos, representantes de ONGs e de outros governos— durante os intervalos foi a do colombiano Enrique Chaux, que tratou de bullying.
Vou tentar resumir aqui alguns pontos do pesquisador (parte das minhas observações se baseia em um vídeo de uma outra apresentação feita por ele que assisti depois).
Ele introduz o tema esclarecendo uma confusão que não é incomum: bullying não é qualquer agressão física e/ou verbal sofrida por alguém. Mas a prática de abusos desse tipo contra uma mesma pessoa, repetidas vezes, em situações em que há um claro desequilíbrio de poder (porque os agressores formam um grupo grande e/ou são muito populares).
Muitos perguntam se é um fenômeno novo ou algo que sempre existiu.
Ele explica que não há resposta precisa porque os estudos mais rigorosos sobre o tema são recentes. Mas diz acreditar que haja mais sensibilidade a respeito do bullying hoje por conhecermos melhor suas possíveis consequências, que podem ser muito graves.
Ele lista algumas: depressão, ansiedade, distúrbios alimentares, desmotivação acadêmica. Em casos extremos —ressalta— há quem pense em suicídio ou em atentar contra a vida de alguém.
Chaux chama atenção para uma das maiores preocupações em relação ao tema hoje em dia: o cyberbullying.
Uma intimidação que começa dentro de um ônibus escolar, por exemplo, acaba quando a vítima desce do veículo e entra em casa. Nas redes sociais, não há essa sensação de trégua, explica Chaux. A intimidação pode acontecer 24 horas por dia, sete dias por semana.
Outro ponto muito interessante é sobre a dinâmica do bullying: não basta frear seu principal líder ou fortalecer sua vítima, embora essas sejam frentes cruciais.
É preciso também adotar uma estratégia que mobilize os espectadores, sejam eles ativos (que riem da situação e a incentivam), sejam passivos (que a assistem, não se envolvem, mas também não agem).
Omissão tem o efeito de reforçar a prática.
Entre os que apoiam os líderes do bullying, há muitos que, em conversas privadas, admitem achar que aquilo é errado e está fazendo mal à vítima. Mas receiam reagir por medo de exclusão ou até de se tornarem alvos do mesmo tipo de intimidação.
É preciso, portanto, convencer essa rede de apoio a reagir, a se posicionar contra o bullying e deixar claro para os líderes que não estão mais de acordo com aquilo.
Os líderes normalmente agem em busca de popularidade e atenção. Quando sentem que perderão admiração e respeito, tendem a mudar de atitude.
Quem pratica bullying, diz Chaux, não se dá conta ou não se importa com os danos que pode causar nos colegas.
A escola pode agir com ações que ajudem a despertar empatia em seus alunos. Ele cita o exemplo de uma aula dada na Colômbia —incorporada ao currículo de espanhol— em que o professor lê a história de um personagem que gosta de dançar, não curte jogar bola e, por isso, é vítima de gozações, tem os sapatos roubados etc.
A ideia é fazer os alunos tentarem imaginar como o menino da história se sente e como eles se sentiriam em situação parecida.
Outro exercício ensina a turma a reagir em coro a atos de abuso, desde o início do ano letivo, para tentar cortar possíveis situações pela raiz.
Uma outra frente passa por fortalecer as vítimas.
Chaux diz que há de evidências (baseadas em estudos que envolveram filmagens dentro de escolas por alguns anos consecutivos) de que reagir de forma agressiva —verbal ou fisicamente— tende a incitar ainda mais os agressores.
A melhor estratégia seria orientar as crianças que sofrem violência física ou verbal a dizer assertivamente frases como: "não gosto que falem assim comigo" ou "não me batam, isso dói".
Quem lembra da infância ou tem filho pequeno sabe que isso não é nada fácil. Mas os especialistas dizem que é importante não desistir e insistir nessa orientação para as crianças e conversar muito com elas.
Em seu livro "Mindset", a psicóloga Carol Dweck afirma que os alunos que lidam melhor com o bullying são aquelas que não consideram as provocações resultado do que elas são, mas reflexo de problemas dos próprios agressores.
É claro que a eficácia dessas estratégias depende da forma como elas são estruturadas e incorporadas ao nosso cotidiano.
Por isso, precisamos debater abertamente o assunto, ensinar nossos filhos a reagir e a não se omitir e colocar ações específicas em prática nas nossas escolas. 

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