SÃO PAULO - A Folha publicou anteontem editorial em que criticou a crescente utilização, pelos EUA, de aviões não tripulados, os temíveis drones, para eliminar suspeitos de terrorismo. Não há dúvida, como frisou o editorial, que a disseminação de tal prática se configura como aplicação da pena de morte sem o devido processo legal -uma aberração jurídica-, mas existe um outro aspecto que eu quero destacar.
Será que a tecnologia pode mudar a natureza da guerra? Se matar um inimigo não exige mais do que manter o olho numa tela e apertar botões, sem correr risco algum, nós podemos estar criando um problema, pois há farta literatura mostrando que o ser humano traz de fábrica uma série de inibições que dificultam agressões a nossos semelhantes. Não se sabe bem o que as ativa, mas presume-se que fatores como proximidade (contato físico ou visual), maior ou menor crueza da ação (usar baioneta x envenenar) e o medo de represálias tenham papel importante.
Seja como for, o módulo antiviolência é uma realidade mensurável. Pesquisa conduzida pelo general e historiador militar Samuel Marshall com milhares de soldados americanos na Segunda Guerra Mundial mostrou que apenas 20% dispararam contra o inimigo, mesmo sob ataque. O medo de matar estava firme e operante. "No ponto mais vital da batalha, o soldado se torna um objetor de consciência", concluiu o oficial.
Chocados, os generais do Pentágono decidiram mudar todo o treinamento dos recrutas, tentando reduzir suas resistências naturais a atacar e tornar os disparos uma reação automática. Tiveram um sucesso. Na Guerra da Coreia, o índice havia subido para 55%, e, na do Vietnã, 90%.
Meu receio é que, com os drones (em que o soldado não vive o estresse da batalha ou o de sobrevoar território inimigo), matar deixe de ser uma experiência traumática ou ao menos desagradável para tornar-se um prazer, como jogar videogame.
Folha de S.Paulo, 6/2/2013
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