Folha de S.Paulo, 15/5/2013
Brasileiro eleito não representa o anti-Norte e tampouco é o porta-voz de todos os países do Sul
Para além do inegável misto de excelência técnica e habilidade política, os jornais ofereceram ao leitor duas explicações principais.
A primeira atribui a vitória ao resultado de anos de trabalho diplomático em nível bilateral. A expansão da rede de relacionamentos do Brasil teria alavancado sua candidatura decisivamente.
A segunda aponta para uma dinâmica Norte-Sul na qual os industrializados estariam em declínio relativo face aos países em desenvolvimento. Azevêdo seria a voz do Sul.
Essas explicações, que se reforçam mutuamente, têm seus méritos. São, no entanto, imprecisas.
A OMC nasceu no contexto da globalização de cunho liberal. O regime disciplinar criado por volta do ano de 1995 foi talhado em consonância com os interesses dos EUA.
Em Genebra, sede da organização, os lobbies mais influentes incluíam Hollywood, Microsoft, multinacionais de alimentos e produtos farmacêuticos. As resistências a esse modelo começaram cedo. Movimentos antiglobalização denunciaram um organismo que, na prática, era controlado por um punhado de países ricos.
Na mesa de negociação, os Estados Unidos e a Europa passaram a enfrentar demandas crescentes dos países do Sul. Em pouco tempo, a tensão Norte-Sul, que alguns consideravam coisa do passado, virou marca distintiva da vida da OMC.
Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 apenas pioraram a situação: Washington pôs o pé no acelerador para promover sua visão de comércio livre, ao passo que o Sul puxou o freio de mão.
Na liderança da resistência estava Celso Amorim, embaixador de Fernando Henrique na organização. Ativista e ambicioso, criou poderosa coalizão.
De lá pra cá, muita coisa mudou. A OMC perdeu força, os EUA começaram a correr por fora e a China virou ameaça aos interesses comerciais de muitos países do Sul.
Assim, a divisão Norte-Sul não é mais a dinâmica que estrutura a política naquele órgão. Embora ainda exista, não é ela a principal força por trás da vitória de Azevêdo.
Ele foi o candidato preferido da Comissão Europeia e de muitos europeus.
Em Washington, seu nome foi muito bem recebido (o governo americano apoiou o candidato mexicano por motivos de política interna).
Azevêdo não representa o anti-Norte. Tampouco é porta-voz de todo o Sul. Entender isso direito é essencial para entender o perigoso caminho pelo qual enveredou o comércio internacional.
A política entre as nações não resulta das preferências das partes, mas de um princípio organizador autônomo (algo semelhante ao papel do "mercado" em economia).
Ele desmontaria as explicações mais simplistas sobre a vitória de Azevêdo em um instante.
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