HÉLIO SCHWARTSMAN
As entranhas da história
SÃO PAULO - Podemos levar a história a sério? Até que ponto devemos acreditar que os relatos históricos que lemos nos livros descrevem as coisas como se passaram? Em que grau podemos confiar nas explicações que nos são oferecidas?A história não é uma ciência no mesmo sentido em que o é a física ou até a economia. Ela não apenas é incapaz de nos dar um modelo por meio do qual possamos fazer previsões como ainda traz a incrível propriedade de tornar o próprio passado incerto.
Quando eu era garoto, o duque de Caxias era o herói inconteste da Guerra do Paraguai (1864-70). Nos anos 90, tornou-se um genocida furioso e, agora, está em algum lugar entre essas duas interpretações.
Tamanha elasticidade é possível porque o cérebro humano não foi concebido para fazer história. Qualquer evento histórico é fruto de um número tão grande de interações entre pessoas e ocorrências (climáticas, econômicas etc.) que é simplesmente impossível calculá-las. Só que nossas mentes não se acanham diante da intratabilidade do problema e adotam sua hipótese preferida como eixo explicativo, ignorando tudo que não se encaixe nela. A história é necessariamente refém de nossos gostos, preferências, condicionamentos, isto é, de nossa ideologia.
Isso significa que não há como evitar o vale-tudo na hora de apresentar e interpretar eventos? Calma lá. A frouxidão epistêmica da história não deve servir para acobertar mentiras ou omissões gritantes. Fatos ainda são fatos. O material didático adotado pelo Exército em suas escolas caminha perigosamente perto da falsificação, ao sugerir que a deposição de João Goulart se deu dentro da lei ou deixar de mencionar a tortura.
Eu concordo com Vinicius Mota, que escreveu neste espaço que não é o caso de criar novas comissões para controlar o conteúdo de livros. Ainda assim, temos o dever moral de apontar crimes de lesa-historiografia sempre que topamos com eles.
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