Correio Brasiliense, 11/02/2013
O Brasil está de luto pela tragédia de Santa Maria, que ceifou
prematuramente a vida de mais de 200 jovens abortando os seus
sonhos e subvertendo a lógica biológica onde os filhos deveriam
enterrar os seus pais. A tragédia, que causou profunda dor e
tristeza nas famílias enlutadas, talvez pudesse ser evitada se
as leis de segurança fossem mais rígidas e respeitadas em um
cenário com uma cultura de prevenção. É inaceitável que somente
após tragédias de grande dimensão, despertamos para implantar
conhecimentos e verdades há muito conhecidas.
Como é natural quando ocorre uma grande tragédia os jornais
as descrevem com detalhes, ocorrendo o mesmo nas mídias
televisivas. As cenas descritas por sobreviventes e familiares foram
comoventes. Porém foi surpreendente testemunhar a enorme
solidariedade de pessoas e instituições que não tinham uma ligação
direta com as vitimas da tragédia. O impulso de muitas pessoas
no esforço de salvar vidas foi dramático para não dizer heróico,
pois essas pessoas se arriscaram a serem intoxicadas pela fumaça
assassina. Muitas apresentaram sintomas de danos a saúde, dias
depois da tragédia. Através da mídia testemunhamos a ação de
voluntários que em Santa Maria e Porto Alegre ofereciam conforto,
hospedagem e alimentos para as famílias dos sobreviventes.
A presidenta Dilma Rouseff não conteve a emoção ao ter
conhecimento da notícia em evento no Chile. Ela antecipou o seu
retorno ao Brasil para expressar pessoalmente a sua solidariedade
aos sobreviventes e as famílias enlutadas. Tenho a certeza que
muitos como eu não contiveram as lágrimas ao ver as imagens
de nossa presidenta emocionada representando a comoção e a
solidariedade de todos os brasileiros.
Instituições especializadas em Banco de Peles localizadas em
São Paulo (Hospital das Clínicas da USP) e Recife (Banco de
Multitecidos de Pernambuco) enviaram parte de seu estoque para
o tratamento de queimaduras das vitimas de Santa Maria. Países
sul-americanos como Uruguai e Argentina também enviaram esse
tipo de material. Filas de voluntários se formaram no hemocentro
de Porto Alegre para doações de sangue. O mesmo aconteceu em
um grande número de cidades brasileiras. É importante destacar
o papel das redes sociais nessa mobilização. Por todas essas
iniciativas e ações podemos concluir que felizmente a solidariedade
existe na sociedade brasileira.
A solidariedade deve ser considerada como um valor humano
importante como é o respeito ao próximo, a igualdade entre todos e
o amor. Ela não pode ser considerada como um sentimento vago de
compaixão que se expressa em uma crise aguda. Esse sentimento
deve ser permanente na organização social atenuando as causas
do sofrimento e da injustiça e ser um instrumento importante para
a paz social. A solidariedade é exercida nas relações humanas
envolvendo emoções ou, mais amplamente, a afetividade. Ela é o
resultado da construção do conhecimento culturalmente organizado
e construída pela escola e pela família, sobretudo nos primeiros
anos de vida. Ela é que move o voluntariado como descrito no
episódio de Santa Maria. Se considerarmos a solidariedade
importante para a sociedade, todos deveriam ajudar ao próximo,
estender a mão, sem que haja algo em troca para podermos
viver em usa sociedade mais humana. Em outras palavras a
solidariedade nos torna mais humanos. O ato da solidariedade, que
deveria ser inerente ao ser humano, é reativado em momentos de
crise ou em momentos simbólicos como o Natal. Nesse contexto
podemos enxergar a vida em crise permanente e deveríamos
comemorar todos os dias como se fosse Natal.
O sentimento de solidariedade explicitado na tragédia de Santa
Maria revela que mesmo adormecido ele existe na nossa sociedade
o que aponta para um futuro virtuoso para o povo brasileiro. É
pertinente lembrar aqui o pensamento de Franz Kafka que diz: “A
solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela
dignidade humana”.
* Professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular da
Academia Brasileira de Ciências
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